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VIRTUALIDADE HUMANIZADA
Entre saudade e alívio: a tecnologia como abraço
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Rio de Janeiro (RJ) – No fim do ano, quando o calendário costuma empurrar a vida para fora das rotinas — férias, viagens, mesa cheia, casa barulhenta —, a internação pode acentuar o silêncio de quem fica. Foi com esse olhar para a solidão típica do período natalino, somado à vontade de oferecer acolhimento de um jeito concreto, que hospitais universitários da Rede Ebserh no Rio de Janeiro receberam, em dezembro, uma ação de realidade virtual voltada a pacientes internados, promovida pela ONG Virtualidade.
O “trenó” da iniciativa — desta vez com óculos e vídeos em 360°, em vez de sinos — começou pela Ilha do Fundão, onde fica o Complexo Hospitalar da UFRJ. De lá, atravessou a ponte e seguiu para Niterói, no Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF). E, alguns dias depois, concluiu o percurso na Tijuca, no Hospital Universitário dos Servidores do Estado (HUSE-Unirio) — como se, entre um bairro e outro, a proposta também atravessasse distâncias menos óbvias: as que existem entre o leito e a saudade, entre o corpo em tratamento e a vontade de “ir para outro lugar”, nem que fosse por alguns minutos.
No HUCFF, a médica da UFRJ e residente em Geriatria, Gabriela Sadigurschi, descreve a dinâmica a partir do ponto de partida mais simples — a escuta. “Para os pacientes elegíveis a participar, a gente pergunta um local em que eles gostariam de ir – uma praia, alguma viagem específica, algum lugar que já foram e têm vontade de revisitar –, e a gente projeta nos óculos virtuais. É uma experiência imersiva bem legal, geralmente os pacientes gostam muito”, relata.
Quando universidade e cuidado se encontram
À frente da iniciativa, Lucas Campos, médico residente de Neurologia do Huap e presidente da ONG Virtualidade, explica que o projeto nasce da conexão entre hospital universitário e formação. “A ONG tem projetos de Extensão cadastrados nos hospitais universitários do RJ, atuando em parceria com professores e alunos”, afirma. Segundo ele, “essa estrutura permite canalizar o que há de melhor nesses grandes centros formadores de profissionais, integrando pesquisa, ensino e extensão à rotina assistencial” e convidando estudantes — “de diversos cursos, não apenas da área de saúde” — a desenvolverem um olhar mais humanizado para o período de internação. Com orientação docente, acrescenta, esses alunos produzem conhecimento científico sobre o uso terapêutico da realidade virtual, ampliando o alcance da tecnologia para outros pacientes.
Esse braço acadêmico, ele explica, se materializa no Instituto Virtualidade de Pesquisa, núcleo da ONG que reúne alunos e ex-alunos dessas universidades que hoje atuam como pesquisadores, com linhas de investigação que incluem qualidade de vida, espiritualidade, cognição, cuidados paliativos, oncologia e quimioterapia, depressão e ansiedade, doenças neurológicas e cuidados pré-operatórios.
Além do propósito, há um cuidado técnico que sustenta a experiência no ambiente hospitalar. Lucas destaca que as atividades são realizadas com apoio e supervisão de equipe de saúde treinada e seguem protocolos rígidos de higienização, desenvolvidos em parceria com a Comissão de Controle de Infecções Hospitalares (CCIH) do HUSE durante a pandemia de Covid-19. O rigor nesse processo é o que permite levar a ação a diferentes unidades, preservando segurança e organização, sem perder de vista o essencial: a pessoa por trás do prontuário.
E esse essencial, para João Hazin, médico formado na Unirio e vice-presidente da ONG Virtualidade, começa antes do equipamento: “Antes da imersão na realidade virtual, vem o mais importante: uma conversa descontraída, a fim de conhecer quem é aquele indivíduo deitado no leito. Seu time de futebol, seu passatempo favorito, um destino turístico que sempre quis visitar”. É nessa conversa que se desenha a “viagem” — que pode ser revisitar um lugar marcante, matar a curiosidade de conhecer um destino ou apenas encontrar um pouco de calma. “Depois, voluntário e paciente decidem juntos uma atividade que seja especial e significativa, para transportar o paciente do ambiente desafiador do hospital para um cenário aconchegante e familiar ou novo e fascinante”, completa.
Na prática, João explica que as sessões duram cerca de 10 a 15 minutos e utilizam vídeos em 360° disponíveis em plataformas online, o que torna a atividade altamente personalizada. Já Lucas reforça que, justamente por essa liberdade de escolha, as reações variam — e é aí que o impacto aparece: alguns preferem “o silêncio tranquilo” de uma meditação na natureza; outros buscam “a animação” de um show ou o fascínio de visitar um ponto turístico. Ele conta um exemplo que, para a equipe, ajuda a lembrar por que a iniciativa faz sentido: um paciente estava com muitas saudades da filha, que havia se mudado para Chicago e, por isso, não conseguia visitá-lo no hospital. “Fizemos um tour virtual pela cidade com ele, que se emocionou ao reconhecer pontos turísticos da cidade onde a filha mandava fotos. Ele disse que a experiência o fez se sentir novamente mais próximo dela, e já começou a fazer planos de visitá-la de surpresa quando tivesse alta do hospital”, relata Lucas, ao observar que participar de momentos assim também toca quem cuida.
Bem-estar que se sente no corpo
No Huap, a experiência dialoga com um aspecto que importa à gestão pública: iniciativas humanizadas que também se apoiam em benefícios clínicos e assistenciais. O superintendente do hospital, Beni Olej, avalia que o uso de óculos de realidade virtual no cuidado de pacientes internados vem crescendo no mundo e destaca vantagens em diferentes dimensões. “Como vantagens clínicas, podemos enumerar a redução da dor, menor ansiedade e estresse e apoio à reabilitação”, afirma. Segundo ele, do ponto de vista emocional, a proposta pode contribuir com “o alívio do tédio e a melhora do humor e do bem-estar”, o que repercute na própria experiência de cuidado: “Resulta numa melhor cooperação do paciente”. Beni acrescenta que há ainda ganhos institucionais, como a possibilidade de redução do tempo de internação com uma intervenção de baixo custo: “Trata-se de uma intervenção segura, barata e com resultados muito interessantes sobre diversos âmbitos”.
No HUSE, a dimensão subjetiva da proposta aparece com força quando encontra uma voz concreta. A paciente Lessandra Guimarães Silva, em tratamento de hipocalcemia, participou da experiência e descreveu o que sentiu ao “ir” para as Maldivas: “Foi ótimo. Tudo lindo. Eu nunca imaginava que a tecnologia podia proporcionar essa sensação. Ainda mais que nós estamos aqui no hospital presos, sem ter muito acesso à família, e ir para outro lugar… é sem palavras. Foi muito bom, foi relaxante, foi emocionante. Gostei muito”. Depois, ao falar sobre o efeito daquele momento durante a internação, completou: “Nós estávamos bem tristes. E quando eu tive esse momento, eu dei uma desligada. Deu para desligar um pouquinho, aproveitar e esquecer que eu estou no hospital. Estou sendo muito bem cuidada, mas estou me tratando. Então me fez ir para outro lugar, imaginar, pensar outras coisas. Me levou para lugares que eu imaginei querer estar”.
A expectativa da ONG, nesta edição de Natal, é atender mais de 100 pacientes, somando as unidades, com uma equipe maior e mais óculos para ampliar o alcance da atividade. Além da vivência imersiva, a ação também previu a entrega de pequenas lembranças obtidas por doação — como sabonetes, toalhinhas e kits de higiene —, reforçando o caráter de cuidado em um período em que muitos pacientes estão longe de casa.
Ao reunir três hospitais universitários em uma mesma reportagem — da Ilha do Fundão a Niterói, e de Niterói à Tijuca —, a ação também evidencia um traço comum da Rede: a possibilidade de somar esforços em torno de uma ideia simples, mas potente, de cuidado. No HUSE, por exemplo, a própria trajetória do projeto ajuda a entender o caminho até aqui: desde 2021, a iniciativa já vinha levando pacientes acamados, por meio da realidade virtual, “aos cantos mais remotos da Terra”, como parte de um processo terapêutico e humanizado. Agora, em clima de Natal, esse movimento ganha escala e atravessa unidades, como se lembrasse — com delicadeza e método — que tecnologia, humanização e ciência podem caber na mesma cena: a de um paciente que, por alguns minutos, respira fora do quarto.
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Redação: Felipe Monteiro, com colaboração de Carla Araujo, Eliane Rabello e Rosemary Rodrigues
Coordenadoria de Comunicação Social da Rede Ebserh