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MAST e Unirio no Prêmio Capes 2025
Marcio Rangel, e seu orientando Carlos Henrique Gomes da Silva
O olhar crítico sobre a arte exposta no Museu Nacional de Belas Artes, ao longo dos seus 88 anos de existência, deu ao doutor em História, Carlos Henrique Gomes da Silva, o prêmio de autor de melhor tese de doutorado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O prêmio contemplou um trabalho de quatro anos em que o pesquisador se debruçou sobre as oito décadas de exposição do MNBA e lançou luz sobre algo até então pouco explorado: a pouca visibilidade que se dá à arte produzida por artistas pretos. Carlos Henrique teve como orientador o diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), Marcio Rangel, que o ajudou a preparar o embrião do que se tornará um livro com mais de 300 páginas. Nas centenas de linhas, Carlos Henrique revela o quanto, mesmo que de maneira involuntária, alguns museus refletem o que chama "espelho narcísico da branquitude".
A Comunicação do MAST conversou com Carlos Henrique Gomes da Silva:
- Em que momento você identificou no acervo do MNBA a matéria-prima para desenvolver a tese?
CH: A motivação que nos levou a investigar a presença dos artistas negros e suas obras de arte nas coleções da instituição, assim como analisar o contexto de aquisição da Coleção de Arte(s) Africanas, vem de minha prática em pesquisa no MNBA-RJ (2004-2011), que teve início durante a graduação em História.
Na ocasião participei de atividades de pesquisa como Assistente da Curadoria em projetos para exposições, processamento técnico, revisão do inventário, atualização de informações, catalogação das coleções, trabalhando diretamente com a documentação museológica de todo o Acervo Artístico da Instituição. Essas atividades proporcionaram um mergulho teórico e prático nos estilos de diversas épocas e expressões artísticas variadas.
- Recentemente, o BNDES instituiu a exposição "Pretagonismo", organizada por profissionais renomados do MNBA. Você crê ter inspirado de alguma forma esta exposição que valoriza o trabalho do artista negro?
CH: A tese, de forma geral, está presente na proposta da exposição, uma vez que a subsidiou com os artistas que identificamos na pesquisa, na qual identificamos 41 artistas negros representados por 376 obras. Além da parceria com os curadores do MNBA de longa data, em 2021, fui convidado a participar das reuniões do Grupo de Pesquisa – Museus, Patrimônio Artístico e Diversidades (IBRAM/MNBA/CNPQ). As discussões desenvolvidas pelo grupo, centradas em narrativas visuais, acervos museológicos e relações étnico-raciais foram fundamentais para ampliar minhas reflexões sobre a questão racial no contexto de museus e do patrimônio.
- Ao longo de quatro anos você esteve mergulhado entre documentos, profissionais de museus e a arte do MNBA. Como foi o descortinar da cultura guardada há tantas décadas naquela instituição?
CH: A caminhada até a presente proposta, conforme sinalizado, decorre de minha prática em pesquisa no Acervo do MNBA (2004-2011). Em 2011, com a museóloga Mariza Guimarães Dias, Curadora das Coleções de Arte(s) Africanas e Escultura, participei da pesquisa para o catálogo como Assistente da Curadoria na preparação da Mostra de arte para Caixa Cultural São Paulo (Sé), intitulada “Onde Somos África?”. E, em 2018, a exposição que aconteceu nas dependências do MNBA, “Das Galés às Galerias: representações e o protagonismo do negro no Museu Nacional de Belas Artes”, que buscou revelar o negro presente no acervo da instituição, apresentou-se como uma instigante inspiração, como uma oportunidade de aprofundamento das minhas inquietações sobre essas presenças no acervo museológico da instituição. Desde a gestação das ideias que me conduziu ao mestrado (2011-2013), em que busquei entender como se formou o acervo, circulavam minhas reflexões sobre a composição das coleções. A partir dessas duas experiências, associadas à minha vivência no acervo e com a documentação museológica da instituição, ficou premente a necessidade de estudo sobre a questão racial e a presença do negro, não somente como tema ou objeto, mas como protagonista nas instituições museais.
- Que análise você faz do fato de haver tão poucas obras de artistas pretos dentro no acervo do MNBA e de outros museus? Qual o grau de influência da chamada cultura europeizada?
CH: A colonialidade presente nas representações artísticas influencia e muito naquilo que se qualifica Arte, ou seja, aquilo que é qualificado para figurar em coleção de museu, em especial, um museu referência nacional das artes. A pesquisa apontou aspectos da negação sistemática dos traços étnico-culturais desafiadores da narrativa de modernidade e progresso, baseada no eurocentrismo, mantidas pela propagação da colonialidade. A distinção entre "artístico" e "histórico" em oposição ao "folclórico" e "etnográfico" é uma estratégia política que hierarquiza e marginaliza expressões culturais não normativas dentro do cânone eurocêntrico das artes. Cabe salientar que, escolhas institucionais na construção das narrativas museológicas não são neutras e refletem tensões culturais e históricas, em se tratando da representação e presença do negro em espaços de status e poder simbólico.
- Você conheceu artistas pretos contemporâneos? O que eles pensam sobre não haver, para eles, o mesmo espaço reservado a artistas brancos?
CH: Os poucos artistas negros que conheço seguem na luta por reconhecimento, uma vez que, os espaços de disputas de narrativas, status e poder simbólico, a branquitude reserva somente para si. É como expressei na tese a respeito da branquitude, lugar de privilégio e poder, onde, no nosso caso, o museu, é o espaço simbólico onde quer se ver exposta e bajulada, pois a instituição é seu espelho narcísico para se ver e se mostrar como referência social. Não podemos nos esquecer que o Museu da Era Moderna é resultado do colonialismo, a exposição do que é civilizado e o que não é, ou seja, o outro fora da eurocentralidade.
- Como foi o dia em que você soube ter sido eleito o autor da melhor tese de doutorado pelo CAPES?
CH: A indicação dos professores do PPG-PMUS para a tese participar do Prêmio com trabalhos de pesquisadores de todo o Brasil para mim foi uma vitória, tipo indicação ao Oscar, conforme Fernanda Torres expressou ao ser indicada como melhor atriz em 2025. Agora, ser contemplado com o Prêmio de melhor Tese 2025 CAPES é algo extremamente significativo para mim, pois como pesquisador, para além do título de doutor, sou doutor com Tese premiada pela CAPES!
Quando eu soube do resultado foi um misto de emoções, o prêmio por um trabalho que fecha um ciclo e me coloca como pesquisador de ponta a outros movimentos de possibilidades.
Olha, foi meio inusitado, pois eu estava na madrugada, em um bar buscando refrescar a mente com uma cerveja, quando li mensagem de uma amiga que me perguntou se eu havia visto o resultado da CAPES. Ao verificar na internet, enquanto abastecia o copo para iniciar a apreciação da cerveja, na primeira golada, ao identificar meu nome com tese contemplada, quase me afoguei de tanta alegria. Resultado de um trabalho feito com dedicação, por muitas mãos amigas e imprescindível presença da família no processo.
- O seu trabalho certamente se tornará livro. Que legado você espera deixar para os que se debruçarem sobre uma obra que sugere multifacetar a exposição artística?
CH: Penso que é urgente lançarmos olhares fora da colonialidade para interpretarmos a nossa realidade sociorracial. Na tese propomos a abordagem da questão racial no Museu, refletindo sobre as tipologias do racismo, assim como o outro que racializa, a branquitude, pois só assim poderemos pensar em patrimônio nacional que agregue as múltiplas representações de nossa brasilidade.
- O seu trabalho de pesquisa o aproximou da Museologia. Qual o futuro que você vislumbra para esta atividade fundamental na guarda e exposição de acervos?
CH: Minha formação em História me coloca em posição privilegiada, pois um dos pontos que observamos no campo das ideias é como o poder se movimenta no tempo. O museu, espaço de poder discursivo, o objeto de análise da Museologia, me apresentou a possibilidade de discorrer e analisar esse artefato de poder simbólico e de capital cultural. Desse modo, ao evidenciarmos a presença de artistas negros até então invisibilizados, propusemos uma revisão crítica das narrativas museológicas sobre as coleções presentes, não só no acervo do MNBA, mas nas demais instituições guardiãs do patrimônio histórico e artístico nacional, com o olhar/chaves de leitura que tenha na questão racial o espectro analítico. Além disso, ao chamarmos a atenção para o protagonismo de artistas e das artes afro-brasileiras, destacamos a necessidade de novas abordagens a respeito das contribuições do negro na história da arte e na composição dos patrimônios histórico e culturais brasileiros, reforçando a necessidade de narrativas institucionais que representem e levem em conta a equidade no campo da museologia, do museu, do patrimônio, da cultura e da história da arte nacional.
- Hollywood fez um filme chamado "Uma Noite no Museu". Nele, Ben Stiller, ator que interpreta um segurança no Museu de História Natural, vive histórias sobrenaturais. Nas suas várias noites no MNBA você viveu experiências sobrenaturais? Pode relatar?
CH: Sim! (Risos) Foram momentos instigantes e intensos, entre a pesquisa, as coleções, o embrenhar-me na história do acervo, enfim, experiências instigantes, da novidade do lugar, as pessoas que tive a oportunidade de conviver no tempo em que lá estive, além de ouvir muitas vozes (apesar de sozinho nos lugares privilegiados do museu) sussurrando nos meus ouvidos (risos) em meio a concentração nas leituras da documentação, catálogos e conversas com aqueles que lá trabalham e expuseram toda sua experiência acumulada para mim. Foi uma aventura, de fato, uma noite delirante no Museu! O resultado, um mestrado e um doutorado, com tese premiada.
- É possível não se envaidecer com uma distinção reconhecida como o Oscar da Ciência brasileira?
CH: Com certeza a vaidade vem à tona. O narciso se apresenta sem sua plenitude (risos). Agora é pensarmos os próximos passos. Receber o prêmio e vivenciar as possibilidades como pesquisador com tese premiada pela CAPES. O pós-doc começa a se apresentar no horizonte.

- Prof Dr Ivan Coelho de Sá (UNIRIO), prof. Dra Helena Cunha de Uzeda (UNIRIO), prof Dr. Márcio Ferreira Rangel (MAST/UNIRIO), prof.Dr. Carlos Henrique Gomes da Silva (SME-RJ), Dra Eloisa Ramos de Sousa (Museu da Vida - FIOCRUZ), Dra Ana Teles da Silva (MNBA)