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EMPRESAS ESTATAIS E AÇÃO CLIMÁTICA
Estatais investem em transição energética e apontam direções inexploradas pelo setor privado
Painel foi moderado pelo presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), Thiago Prado (ao centro). Foto: Ana Carolina Fernandes
A economia global, em especial a dos países em desenvolvimento, enfrenta o desafio de compatibilizar aumento da oferta de energia, fundamental para fazer frente ao esperado crescimento do PIB mundial, com transição energética justa e inclusiva. Nesse contexto, o seminário Encontro Global sobre Empresas Estatais e Ação Climática, organizado pela secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (Sest/MGI) em parceria com a Petrobras e apoio da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e da Open Society Foundations (OSF), jogou luz sobre um tema relevante: a importância das estatais no processo de transformação do modelo de desenvolvimento rumo à produção de baixo carbono a partir da transição energética. Isso, tanto pela capacidade de investimento de vulto das empresas públicas, quanto pela defesa dos interesses nacionais e da posição privilegiada no planejamento de longo prazo.
“As estatais apontam direções muitas vezes ainda não exploradas pelo setor privado, através de casos reais aplicados que demonstram a existência do valor embutido. Com isso, começa a transformação”, diz o presidente da EPE, Tiago Prado, moderador do painel “Transição energética justa – a janela de oportunidade é agora”. No centro do debate a capacidade das estatais em gerar valor agregado, empregos de qualidade e maior autonomia tecnológica, aproveitando o avanço das energias renováveis, da eletrificação e de tecnologias limpas para inserir o Brasil nas cadeias globais de valor sustentável. Segundo ele, o aumento previsto do consumo a partir da inteligência artificial e da expansão de data centers evidenciou a urgência da transição energética em um cenário de eventos climáticas extremos. Só os projetos cadastrados de data centers para os próximos cinco a sete anos demandarão mais de 20 GW.
A palavra-chave do Plano Nacional de Energia 2055, em fase de conclusão pela EPE, é diversificação da matriz, incluindo participação importante da hidroeletricidade, dos biocombustíveis, dos combustíveis sintéticos, do hidrogênio (das mais diferentes cores) e da manutenção do papel do setor de óleo e gás, gerando valor e impulsionado pela inovação. “No ano passado, os investimentos em inovação tecnológica em energia atingiram recorde da série histórica de R$ 7,6 bilhões em 2024, valor superior a 30% do aplicado em 2023”, diz Prado.
O seminário, que ocorreu no Centro de Pesquisas da Petrobras no dia 15 de outubro, trouxe para o debate às vésperas da COP 30, em Belém (PA), a experiência de estatais como Petrobras, Itaipu Binacional e da asiática Petronas, da Malásia, na transição para uma economia de baixo carbono. Coube ao coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros, Deyvid Barcelar, abordar a relevância da coordenação do Estado na transição energética justa, soberana e popular. “A transição energética precisa levar em consideração que os trabalhadores do setor de óleo e gás têm bons salários, direitos garantidos que precisam ser preservados com a mudança. Hoje, os grandes parques solar e eólica geram empregos em menor quantidade, com baixos salários. O diálogo deve se ampliar também para esse tema. Precisamos falar sobre requalificação profissional”, diz.
A Petrobras, segundo William Nozaki, gerente executivo da Gestão Integrada de Transição Energética da estatal, vislumbra oportunidades no avanço rumo a uma diversificação rentável a fim de que possa manter sua presença, hoje de 31%, na oferta primária de energia do País. A seu ver, os fósseis continuarão fundamentais para outros tipos de indústria, como a petroquímica, mas o aumento da demanda por energia no setor de transportes será respondido pela eletrificação mais acelerada em veículos leves. Já o consumo em transportes pesados, como o da aviação e da navegação, será suprido pelos biocombustíveis. A eletrificação deve se intensificar a partir de 2035. A empresa destina 15% de seu Capex para iniciativas de transição energética, em projetos de geração eólica off-shore, energia solar, hidrogênio, além de se preparar para oferta de bioprodutos para terra, mar e ar. Outra frente no radar é o de parcerias para retornar ao mercado de etanol e passar a atuar no de biometano.
Nozaki enfatiza a importância de um diagnóstico correto para que essa janela de oportunidade seja aproveitada. As emissões de gases de efeito estufa estão, no Brasil - país dono de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo - mais concentradas no uso e ocupação do solo e nas atividades agropecuárias do que no setor de energia. No mundo, ao contrário, as emissões de energia respondem por 68% do total. Outra vantagem que deve ser levada em conta é que a pegada de carbono do conjunto de operações da Petrobras é menor que a de outros países. Isso, tanto pelas características intrínsecas do óleo do pré-sal, quanto por tecnologias utilizadas pela estatal que resultam em uma média de 10 quilos de CO2 por barril em suas operações. “Em outras indústrias esse número triplica”, diz.
A integração energética na América Latina foi um dos temas destacados por Enio Verri, diretor-geral da Itaipu Binacional, usina que reponde por 9% da energia demanda no Brasil, mas já foi de 50%. “Parece que perdemos importância, mas aumentamos nossa importância. Hoje Itaipu é a bateria do Brasil. A partir das 16 horas não tem energia solar. Um pouco mais tarde não tem eólica. Quem garante energia é a hidro. Itaipu passa ter papel de backup do sistema elétrico brasileiro atualmente”, diz Verri. Outro aspecto ressaltado foi o de tarifas. A energia produzida por Itaipu está em R$ 232 o Kw/h, enquanto o preço médio está em R$ 340 o Kw/h.
“Somos uma âncora que joga para baixo o preço da energia”, diz Verri, citando iniciativas da empresa com novas fontes de energia, como biogás, petróleo sintético para aviação e hidrogênio verde. A transição energética para nós está ligada à inovação, pesquisa e desenvolvimento”, diz, citando investimentos de R$ 5 bilhões em atualização tecnológica em um período de 10 anos. A empresa apresentará na COP 30 o primeiro barco movido a hidrogênio verde, com autonomia de 4 horas. “É o início de um processo muito mais amplo que estamos pesquisando”, diz.

A Petronas, estatal de petróleo e gás da Malásia presente em mais de 100 países, tem investido em tecnologias sustentáveis e na transição para fontes de energia mais limpas. Um dos exemplos citados por Suhana Sidik, country chair da Petronas, foi o do aumento do uso do gás natural como combustível de transição, utilizado como substituto do carvão em países asiáticos, reduzindo as emissões de CO2 na geração de energia elétrica. A empresa também investe em tecnologia para captura e armazenamento de carbono (CCS, da sigla em inglês). “Aqui procuramos parcerias. Estou animada com a visita do presidente Lula à Malásia daqui a uma semana”, disse.
Confira mais informações sobre os demais painéis do evento:
Encontro Global sobre Empresas Estatis e Ação Climática - Abertura
Painel 2: Cenário global: negócios do Estado e alterações do clima
Painel 3: Finanças Verdes para o Desenvolvimento Sustentável
Painel 4: Ação Climática, Transição Justa e Segurança alimentar