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Pesquisadores da Fundaj apontam diferenças regionais no poder de compra dos beneficiários do Bolsa Família
Em tempos de inflação de alimentos, qual o impacto do Programa Bolsa Família na opinião dos brasileiros? Uma pesquisa recente do Instituto Atlas entrevistou quem recebe e quem não recebe o benefício do Governo Federal e revelou as diferenças na percepção da situação do país, da família e do emprego. Pesquisadores do Núcleo de Inovação Social em Políticas Públicas (NISP), da Diretoria de Pesquisas Sociais (Dipes), analisaram a pesquisa do Atlas fazendo uma comparação com um indicador desenvolvido pelo próprio núcleo, o Poder de Compra Equivalente em Cestas Básicas (PCE).
O indicador foi criado pelos pesquisadores do NISP em 2021. É um instrumento de monitoramento que relaciona o valor médio recebido pelas famílias participantes do Bolsa Família com o custo médio de uma cesta básica, conforme apurado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o DIEESE. Ou seja, ele avalia até que ponto o benefício é suficiente para atender às necessidades básicas de alimentação das famílias beneficiadas.
Um PCE de valor 1 significa um equilíbrio entre o benefício médio e o custo da cesta básica, refletindo a capacidade do valor cobrir as necessidades alimentares básicas em um contexto de flutuação inflacionária. Em fevereiro de 2024, dado mais recente, o valor médio do Bolsa Família foi de R$ 686,10 e a cesta básica, segundo o DIEESE, variou de R$ 534,40 a R$832,80.
No geral, a pesquisa do Atlas mostra que a situação do Brasil é vista negativamente por uma grande proporção de ambos os grupos, mas os não beneficiários são mais pessimistas nesta categoria. A percepção da situação do emprego, porém, é claramente mais negativa entre quem recebe o benefício do Bolsa Família, com 82,1% considerando "ruim", em comparação com 49,3% dos não beneficiários. Apenas 7,7% dos beneficiários têm uma visão "boa" da situação do emprego no Brasil, em oposição a 22,8% dos não beneficiários.
Na nota técnica publicada no site da Dipes, os pesquisadores da Fundaj Sérgio Kelner e Luis Romani de Campos analisaram os dados da pesquisa do Instituto Atlas fazendo uma comparação com o PCE de março de 2023, início do novo Bolsa Família, até fevereiro de 2024, o dado mais recente, levando em conta ainda os índices de preços e da inflação. “Não temos os preços de todas as cidades do Brasil, então nosso recorte foi trabalhar com as 17 cidades onde o Dieese divulga o preço das cestas básicas”, explica o pesquisador Luis Romani Campos.
Apesar da avaliação negativa geral da situação do país apontada pela pesquisa do Atlas, o PCE teve uma melhora de 2023 para 2024, indicando que o benefício recebido supera o custo da cesta básica. Mas há grandes diferenças regionais. Cidades como Belém, Aracaju, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Recife e Salvador exibem um PCE acima de 1 enquanto Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, entre outras, ficam abaixo de 1, o que significa que o valor do Bolsa Família não cobre os custos básicos de alimentação de uma família de três pessoas.
A nota técnica do NIPS não faz uma relação de causa e efeito entre a avaliação que os beneficiários do Bolsa Família fazem da situação do país e o poder de compra de cada cidade. Isso porque o Instituto Atlas não divulgou publicamente os microdados da pesquisa, sendo possível fazer apenas uma correlação entre os dois aspectos.
O trabalho do NISP aponta para caminhos que o governo federal poderia seguir para melhorar as políticas públicas e também a percepção junto à população. Um deles é a necessidade de medidas regionalizadas. “No desemprego e na inflação temos notado um aumento na diferença entre as regiões. Isto dificulta muito o trabalho de controle inflacionário. Há estados onde o desemprego está na faixa dos 4% e outros com o desemprego em até 17%”, afirma Luis Romani Campos, acrescentando que “Existem questões regionais que o governo está tentando ajustar, mas o município na ponta não tem muitos instrumentos para deixar o Bolsa Família mais focado. Apesar das melhoras, ainda é um problema grande o recebimento indevido do Bolsa Família. O governo poderia trabalhar na gestão do Bolsa Família, para aperfeiçoar o mecanismo e direcionar o benefício para quem realmente precisa.”
O outro encaminhamento da NT é sobre o investimento do governo na geração de empregos. “É uma questão que exige uma abordagem mais abrangente, que vai além da assistência direta. Existe uma visão preconceituosa de que os beneficiários não querem trabalhar. Mas não é isso. É uma população com baixíssima qualificação, em municípios pobres, que têm dificuldade em gerar oportunidades e são dependentes de repasses governamentais”, diz Sérgio Kelner. “O nosso trabalho sublinha a importância de combinar estratégias de redução da fome com a geração de emprego, para potencializar o impacto do Bolsa Família. Redesenhar políticas que integrem a redução da fome com a criação de oportunidades de emprego pode ser o caminho para fortalecer o perfil e o impacto do Bolsa Família no Brasil”, pontua o pesquisador.
A presidenta da Fundaj, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, ressalta o estudo realizado pelos pesquisadores da Dipese a contribuição ao debate social sobre as desigualdades sociais do País. “O Governo Federal está implementando políticas públicas que visam a melhoria das condições de vida da população. E todos os órgãos federais, como a Fundaj, são chamados a contribuírem com esses esforço”, ressalta.
Reunião ministerial e novas tecnologias
O NISP divulgou também duas notas técnicas que comentam decisões recentes do Governo Federal. A nota técnica de número 23/2024 aborda a primeira reunião ministerial do Governo Federal neste ano. Nela, os pesquisadores da Fundaj defendem a necessidade do monitoramento e da avaliação de políticas públicas como processos que contribuem para uma compreensão mais aprofundada e efetiva dos resultados das políticas implementadas. “É necessário considerar também o alcance e a distribuição desses benefícios na sociedade, com equidade, acessibilidade e melhorias na qualidade de vida de maneira sustentável e inclusiva”, diz trecho do documento.
Já a nota técnica 22/2024 apresenta uma análise de como novas tecnologias utilizadas no planejamento, gestão e governança, anunciadas pelo Governo Federal, podem contribuir para diminuir falhas na operação do Cadastro Único – CadÚnico e do Programa Bolsa Família. Intitulada “Desatando Nós: Avanços e Riscos na Reconstrução do Cadastro Único e do Bolsa Família na Era da Inteligência Artificial e da Busca pela Transparência”, a nota enumera várias contribuições que pesquisas da Fundaj podem oferecer neste assunto. “É importante destacar que essas diretrizes do governo federal fortalecem o planejamento ao abordar diretamente várias das recomendações da Fundaj, especialmente na melhoria da gestão de dados, no combate a fraudes, na estruturação de sistemas de assistência social, e na promoção da transparência e comunicação”, afirma trecho da nota.
As duas NTs são assinadas pela pesquisadora Carolina Beltrão e o pesquisador Sérgio Kelner, ambos do NISP. Todas as notas técnicas estão disponíveis, na íntegra, no site da Fundaj:
https://www.gov.br/fundaj/pt-br/composicao/dipes-1/publicacoes/notas-tecnicas-1