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Com olhar contemporâneo, seminário na Fundaj debate o pensamento social brasileiro e a obra de Gilberto Freyre
A atualidade e a atualização da obra Casa Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre, foram temáticas abordadas na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), nesta quarta-feira (29). A atividade fez parte do “I Seminário do Pensamento Social Brasileiro - Por que (ainda) ler Casa-Grande & Senzala 90 anos depois?”, evento promovido por meio do Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira Rodrigo Mello Franco de Andrade (Cehibra), da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) e do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio), da Diretoria de Formação Profissional e Inovação (Difor) da Fundaj.
O encontro aconteceu na Sala Calouste Gulbenkian, no Campus Gilberto Freyre, em Casa Forte, e teve como objetivo debater sobre os 90 anos do lançamento de um dos principais títulos do fundador da Fundaj. Ao longo do dia, o público acompanhou palestras, conferências, como a do sociólogo e professor titular da Universidade Federal do ABC (UFABC), Jessé Souza, exposição de edições raras de Casa Grande & Senzala e lançamentos de livros dos conferencistas.
Composta pela presidenta da Fundaj, a professora doutora Márcia Angela Aguiar, pelo diretor da Dimeca, Túlio Velho Barreto, pela pesquisadora da Fundação, Cibele Barbosa, e pela filha de Gilberto Freyre e representante da Fundação Gilberto Freyre, Sônia Freyre, a mesa de abertura elencou alguns pontos que reforçam a importância de se ler e refletir sobre o pensamento do sociólogo. “A Fundação Joaquim Nabuco tem a obrigação de colocar em debate essas ideias, discutir o que está na agenda dentro do pensamento político social brasileiro. É aqui o espaço em que o contraditório pode aflorar”, destacou Márcia Angela Aguiar.
Contextualizando o momento em que o Brasil e o mundo viviam quando “Casa-Grande & Senzala” foi lançado, Túlio Velho Barreto afirmou que “a Fundaj, sendo uma instituição criada por Gilberto Freyre, não poderia se furtar a fazer um evento que viesse a atualizar todo o debate em torno da obra de Gilberto Freyre, principalmente ‘Casa-Grande & Senzala’”. Em um momento em que a instituição se reinventa e se abre para o debate com o público, a mesa-redonda “A dimensão nacional da obra de Gilberto Freyre: O que houve de novo em Casa-Grande & Senzala?” reuniu a doutora em história, Gleyce Kelly Heitor, e o doutor em história social, Gustavo Mesquita, para discutir sobre o tema.
De acordo com Gustavo Mesquita, “Gilberto Freyre vai mapeando as áreas de cultura regionais do país. Ele vai apontando para uma ideia de diversidade regional, que tem uma amplitude da amplitude continental do Brasil e que seria uma marca brasileira. Isso foi importante para o projeto de construção da nação de Getúlio Vargas”. Dando continuidade ao pensamento, Gleyce abordou o pensamento freyriano sobre museus. “Freyre vai buscar o museu como um espaço de harmonização dos conflitos, então não é um espaço onde você vai trazer todas as mazelas e sim buscar criar um processo de confluência e confraternização entre esses tipos que ele vai identificar que singularizam essa ideia de região”, afirmou.
Com coordenação do professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Anco Márcio Tenório, que fez uma introdução sobre o pensamento e a obra ensaística de Freyre, a mesa passeou entre as temáticas “O museu antes do Museu: Inovações metodológicas em Casa-Grande & Senzala” e “Gilberto Freyre nos tempos de Vargas: região e raça no debate nacional”.
Escravidão como tema central
Para continuar os debates sobre a obra de Freyre e celebrar o pensamento social brasileiro, Túlio Velho Barreto coordenou a primeira conferência do dia, apresentada pelo sociólogo e professor titular da Universidade Federal do ABC (UFABC), Jessé Souza. “Gilberto Freyre pôs a escravidão como tema central”, iniciou o sociólogo. Ele pontuou, ainda, como a sociedade escravocrata perpetua no Brasil, afirmando que “a escravidão está em todo lugar, nós só precisamos vê-la. Se você cria uma classe de pessoas condenadas ao trabalho muscular, você está criando escravos”.
Segunda mesa
A mesa-redonda da tarde abordou a dimensão internacional da obra de Freyre e reuniu a pesquisadora Cibele Barbosa, o professor Luiz Feldman, do Ministério das Relações Exteriores, e contou com mediação de Josias Vicente de Paula, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no Departamento de Ciências Sociais (DECISO). Cibele abordou “Casa Grande & Senzala" em tempos de colonialismos e pós-guerra. A internacionalização de uma ideia de Brasil” e Feldman abordou “Mar afora: geografias ultramarinas no pensamento de Freyre e Nabuco”.
“Essa mesa discute a obra de Freyre na sua dimensão internacional e isso, por si só, é bem menos usual, estamos acostumados em discutir a questão da identidade no Brasil, mestiçagem racial, então os dois trabalhos, de Cibele e de Feldman, deságuam nesse ponto. A questão é como interpretar o Brasil e, ao mesmo tempo, analisá-lo dentro do concerto das nações. Geralmente, pensamos o País isoladamente sem se preocupar em propor um desenho para a política internacional. E Freyre, talvez, tenha sido o primeiro autor nosso a quebrar essa barreira”, destacou Josias Vicente de Paula.
Em sua fala, o professor Luiz Feldman trouxe uma discussão externa de Casa-Grande & Senzala tanto do ponto de vista do tempo quanto no sentido de que é externa ao próprio pensamento social brasileiro. Ele trouxe uma polêmica fundamental na obra que é a questão do trópico. “ A polêmica do trópico, talvez, menos notada no comparativo com a questão racial, mas em todo caso, com o trópico, Freyre fez o que tinha feito com a questão racial, ele aponta sai do prejuízo ao benefício. Nesse ponto, não acho que é uma alucinação do autor, é uma vertente central da obra e sobretudo da obra posterior de Freyre. A inabitabilidade da zona tórrida acompanha o pensamento ocidental e ele combate uma calúnia geográfica, cuja a essência é dizer que se o trópico não é inabitável, o que de cara era um salto, afinal ele se revelou habitável, então o trópico se torna fator de degenerescência”, comentou o professor.
A conferência de encerramento foi realizada pelo historiador e cientista político Luiz Felipe de Alencastro, também do Ministério das Relações Exteriores, que abordou a obra de Freyre para além de Casa Grande & Senzala. Ele fez um apanhado dessa construção do pensamento social brasileiro, passando por Freyre, Joaquim Nabuco, Caio Prado, Celso Furtado e Josué de Castro, entre outros.
Por fim, Cibele Barbosa destacou a importância do evento para a Fundação Joaquim Nabuco por trazer a obra de Freyre a um debate contemporâneo. “Importante, também, pela presença de estudantes ligados às pós-graduações da Fundaj, pela diversidade das pessoas que aqui estavam. Ficamos muito felizes pela abertura institucional e pelo debate tão rico, tão frutífero, com pesquisadoras e pesquisadores de diferentes orientações teóricas, institucionais, que enriqueceram o debate atualizando a obra de Gilberto Freyre, possibilitando o conhecimento dessa obra que pautou tanto o pensamento social brasileiro”, afirmou. “É uma obra que merece ser lida e debatida à luz das ideias e temas contemporâneos, por isso também ficamos felizes com a presença de jovens, isso mostra que o conhecimento é algo que se renova e a instituição também se renova com esse evento”, completou a pesquisadora.
O Seminário está disponível no YouTube da Fundaj.