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Os segredos das conchas do mar nos laboratórios do CBPF
André Linhares Rossi e Fábio Nudelman são os pesquisadores que irão nos contar como algumas conchas do mar se relacionam com a nossa vida e bem-estar. André é pesquisador do CBPF e coordenador do Laboratório Multiusuário de Nanociências e Nanotecnologias (LabNano); Fabio Nudelman é docente da Escola de Química da Universidade de Edimburgo (Reino Unido) e professor visitante do instituto.
O LabNano é um dos cerca de 30 laboratórios do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Ele é, na verdade, um centro de pesquisas composto por vários laboratórios que têm como foco a produção e caracterização de nanoestruturas – organização da matéria em escala nanométrica (1 a 100 nanômetros, sendo que 1 nanômetro é igual a 1 bilionésimo de um metro) – e nanomateriais, que são materiais com pelo menos uma dimensão nessa escala.
Aberto para a comunidade acadêmica realizar projetos de pesquisa, também presta serviços especializados, via termos de cooperação, para as comunidades de desenvolvimento tecnológico e inovação, desenvolvendo projetos conjuntamente. Por isso, ele recebe o selo de laboratório Multiusuário.
Quando as pesquisas se encontram: a parceria que nasceu da microscopia
André e Fábio, que desenvolvem suas pesquisas no LabNano, se conheceram em um congresso de microscopia, em 2019. A identificação de afinidades em suas linhas de pesquisas levou ao estabelecimento de uma parceria:
“Estudamos, ao longo de nossa vida acadêmica, a formação de cristais de seres biológicos, particularmente, em conchas e corais. Assim, logo tivemos a ideia de estabelecermos uma cooperação que possibilitasse não só o desenvolvimento de projetos, mas a vinda do Fabio para ministrar cursos e compartilhar sua experiência em pesquisas fora do Brasil”, declara André.
Eles pesquisam sobre biomineralização, processo biológico pelo qual os organismos produzem minerais para criar e reforçar estruturas corporais, como ossos, dentes e conchas. Estudam a estrutura de materiais como carbonatos e fosfatos de cálcio para interpretar seus mecanismo de fabricação pelos animais. Publicaram, em junho de 2025, com outros autores, um artigo na Revista de Biologia Estrutural sobre a formação de carbonato de cálcio e cristais de carbonato de cálcio em esponjas marinhas, uma das linhas de pesquisa do CBPF nessa área.

- Estrutura hierárquica de uma concha de braquiópode Discinisca tenuis - Crédito: artigo "Mechanical adaptation of brachiopod shells via hydration-induced structural changes"
Na grande área da mineralização, as diferentes e diversas pesquisas, com mecanismos singulares, convergem para conhecer processos e contribuir para aplicações que têm consequências em nosso cotidiano.
Fábio Nudelman destaca que seu interesse principal é na parte fundamental da formação de fosfatos de cálcio por conchas: “Tento entender o fenômeno biológico de como o organismo consegue controlar a cristalização, que é um processo basicamente inorgânico. É um controle muito específico, muito particular”.
Ele nos conta que ao compararmos o carbonato de cálcio na concha com o carbonato de cálcio geológico podemos perceber que são completamente diferentes também em termos de propriedade. O carbonado de cal, a calcita, é um material muito frágil: “Você não pode dar uma marteladinha que ele quebra. Mas a concha é um material duro porque tem que proteger o animal de um predador. Então, como os organismos conseguem transformar um material frágil em alguma coisa robusta, resistente?”.
Com base nessa questão, Nudelman começou a trabalhar com uma concha bem fina, que quebra com a aplicação de pouca força, mas no contato com água, depois de cinco minutos, se torna flexível – é possível dobrá-la ao meio sem quebrá-la. Imagens, resultados e vídeos da pesquisa podem ser em parte acessados no artigo publicado na Nature Communications, com título “Mechanical adaptation of brachiopod shells via hydration-induced structural changes” – em português, “Adaptação mecânica das conchas de braquiópodes por meio de alterações estruturais induzidas pela hidratação” (https://www.nature.com/articles/s41467-021-25613-4#Sec22).
Da natureza para a inovação: caminhos para novas tecnologias
Os pesquisadores ressaltam que ao estudarem como a água altera a estrutura desse material, gerando uma alteração na propriedade mecânica dele – de material frágil para material flexível – abre-se possibilidade para o desenvolvimento de materiais sintéticos: “Ainda não temos nada concretamente em vista, mas ao aprendermos como o animal faz isso poderemos replicar o processo”, destaca André Linhares.
Dessa forma, ele explica a importância de estudar a biomimética, a tentativa de mimetizar propriedades interessantes, existentes na natureza, e aplicar em diferentes áreas. Como exemplo, conta que colabora com um grupo de Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) que estuda a incrustação de carbonato de cálcio nas tubulações de petróleo, que gera um custo elevado de manutenção para a indústria da área: “Eles usam moléculas específicas para colocar na água e inibir a formação dos cristais. Buscamos inspirações biológicas para entender como se evita a cristalização nos lugares que não queremos, como formar osso no meio da corrente sanguínea. Há um mecanismo de inibição, de controle. Por isso, pesquisar, conhecer e identificar esses processos é muito importante”.
No LabNano, se estuda e pesquisa essas inibições, cristalizações e a influência de moléculas orgânicas nesses processos. As aplicações surgem e são desenvolvidas a partir desses estudos, como a produção de novos materiais sintéticos que poderão ser utilizados na saúde. André Linhares afirma que há muitas pessoas pesquisando, na física, novos materiais para área médica – regeneração óssea, cicatrização, novos curativos etc. Isso envolve, por exemplo, materiais mineralizados na presença de componentes orgânicos.
Há, assim, uma vasta área de interseção e de aplicação a partir das pesquisas desenvolvidas no CBPF: “Ficamos na parte mais de base, teórica, procurando pesquisar materiais interessantes. Nem sempre as aplicações são percebidas de forma direta, mas nosso trabalho pode ser a base para outros que buscam melhorar materiais já explorados ou para novos estudos”, ressalta André Linhares.
Nudelman aproveita para exemplificar essa perspectiva apontando a relação com questões ambientais – a poluição extrema e o aumento de gás carbônico (CO2) na atmosfera promovem mudanças climáticas e tornam os oceanos mais ácidos. Pesquisas sobre poluentes, como lixo químico e tóxico, despejados na água se relacionam com a observação de como eles afetam corais, conchas e outros organismos. Às vezes, o único jeito de ver isso é medindo mudanças, perturbações e prejuízos nos processos de produção dos carbonatos de cálcio (CO3).
“O CO3 vem, também, do CO2 atmosférico. Existe um equilíbrio desse CO2 com as espécies carbonatadas da água, além dele ser armazenado nos bancos de corais, que são enormes e agem como estoques de CO2. Estudos de cristalização biológicas podem ser direcionados para entender se a mudança do pH da água do mar, sua acidificação, afeta a dissolução do carbonato aprisionado nesses bancos e a formação de novos carbonatos para aprisionar o CO2 da atmosfera. Para o ciclo de CO2, isso é muito importante”, explica André Linhares.
As pesquisas e os trabalhos de André Linhares Rossi e Fabio Nudelman no LabNano refletem o trabalho interdisciplinar do CBPF, aproximando a ciência da sociedade ao observar a natureza, entender processos e buscar soluções para problemas contemporâneos.
