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Acervos conectam humanos e não humanos em territórios ameaçados pela crise climática
Museu Goeldi | COP30 com Ciência – Coleções científicas de diferentes tipologias são, necessariamente, patrimônios definidores de uma instituição museológica, e o Museu Paraense Emílio Goeldi compõe, salvaguarda, preserva e divulga 18 acervos científicos (que reúnem cerca de 5 milhões de registros), há 159 anos, o que lhe confere a condição de instituição científica mais antiga da Amazônia e a segunda do Brasil. O painel “Guardadores do futuro: acervos do Museu Goeldi e o patrimônio como ação climática” contou com a participação de três curadoras da instituição, na manhã desta quarta-feira (19), na Estação Amazônia Sempre, espaço gerenciado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), durante a COP30, no Parque Zoobotânico, em Belém.
Mediadora do painel focado nas coleções biológicas e humanas, Sue Costa, museóloga e coordenadora de Comunicação e Extensão do Museu Goeldi, destaca alguns fundamentos do debate. “Os acervos museológicos guardam mais do que patrimônios. Abrigam espécimes, biodiversidade, modos de vida, memórias e narrativas que conectam humanos e não humanos em territórios ameaçados pela crise climática”, explica, assegurando que sua preservação contribui para a proteção de território, de espécies e de histórias que eles representam, permitindo ainda sua interpretação e reinterpretação. Os acervos do Museu Goeldi estão salvaguardados no Campus de Pesquisa, no bairro da Terra Firme.
Valor testemunhal – Agrônoma, Anna Ilkiu é curadora da coleção de briófitas (plantas que não possuem vasos condutores de seiva) e compartilhou informações sobre o conjunto de coleções botânicas da instituição, reunidas no Herbário João Murça Pires, e as coleções associadas a ele, reafirmando o valor testemunhal desse acervo. Ela exibe a imagem uma exsicata - amostra de exemplar seco e afixado em cartolina para fins científicos - da planta conhecida popularmente como Pinheirinho da Amazônia. “Só a conhecemos pelo registro no herbário. Para fazer uma nova coleta desse material é importante ter a amostra coletada pelo Dr. João Murça Pires. No mesmo local, ela não existe mais. Nessa exsicata, tenho o tipo de vegetação e a região onde ocorre, para fazer buscas, rastrear essa espécie”.
Conhecido internacionalmente pelo nome Herbário MG, o acervo conta, atualmente, com cerca de 240 mil exemplares botânicos. E um dos grandes trunfos do acervo é sua coleção de tipos nomenclaturais, “certidão de nascimento do nome científico de uma espécie, tendo de ser guardado por toda a vida. Quanto maior a quantidade de tipos, mais importante é a coleção”. São 4 mil exemplares de tipos nomenclaturais na instituição.
Existem ainda coleções históricas e coleções associadas, como a xiloteca - coleção de madeiras, com cerca de 7 mil exemplares. “Nossa coleção de madeira tem um diferencial no Brasil, porque é a que mais tem exemplares correlacionados com amostras do herbário. Significa que, quando foi feita a coleta da amostra de madeira, também foi coletada uma parte vegetativa da planta para poder confirmar a identificação”, ressalta a pesquisadora. Existem ainda a coleção etnobotânica, a capoteca (de frutos), a palinoteca (de pólen), a oleoteca (de óleos essenciais) e a de plantas e de sementes.
Acervo informatizado para o mundo – Bióloga e curadora da coleção herpetológica, Ana Prudente frisa que, além de valorizar seus acervos, a instituição se dedica a informatizar os dados produzidos pelos pesquisadores sobre vertebrados e invertebrados para que sejam compartilhados publicamente. “O Museu Goeldi é a instituição brasileira com mais publicações de dados no Sibbr, que é um sistema de informação sobre a biodiversidade brasileira. Isso teve início há 14 anos, como iniciativa do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI). Consequentemente, a plataforma se conecta com Global Biodiversity Information Facility, ferramenta internacional”, explica.
Ana Prudente enumera que a instituição conta com 18 acervos científicos, reunindo 5 milhões de registros e, nas coleções zoológicas, cerca de 1,5 milhão. “O que é mais importante é que as coleções do museu Goeldi representam um testemunho de toda a transformação recente da Amazônia. É inconcebível hoje um pesquisador que vá estudar qualquer grupo zoológico que ocorra na Amazônia não buscar informações guardadas nessas coleções”, assegura.
Outra contribuição singular do conjunto de coleções da instituição, acrescenta, é a participação ativa dos pesquisadores na construção de listas de espécies ameaçadas de extinção. “A gente precisa transformar o que a gente conhece, cientificamente, em algo útil para a sociedade”, lembra.
Revitalização de línguas indígenas – Ana Vilacy Galúcio pontuou que a área de Ciências Humanas da instituição conta com as coleções etnográfica, arqueológica e linguística, da qual ela é curadora. Enquanto as duas primeiras remontam à fundação do Museu, a linguística foi criada nos anos de 1960. A coleção etnográfica salvaguarda cerca de 15 mil peças representativas de 119 povos indígenas. Já a coleção arqueológica, tem mais de 3 mil objetos, além de 7 mil fragmentos de várias naturezas, como cerâmica, ossos humanos e urnas funerárias.
“O objeto da coleção linguística é a fala. Iniciamos com fitas de rolo, depois fita K7. Hoje está toda digitalizada e é a mais extensa do país. Temos itens representativos de mais de 80 línguas, mais da metade das línguas identificadas no Brasil. E contêm cantos, instruções, cosmologia. Temos dados de línguas que já não são faladas ou que têm pouquíssimos falantes”, descreve a pesquisadora.
Vilacy ilustra como os conhecimentos produzidos pelas três áreas têm promovido contribuições diretas às sociedades. Ela cita o "Replicando o passado", que permite a artesãos conhecerem peças arqueológicas e reproduzirem outras semelhantes. Menciona ainda o papel fundamental para a criação e musealização do Parque Estadual de Monte Alegre, no Pará.
No contexto de retomada linguística no país, o trabalho da Linguística está sendo instrumento utilizado pelos povos para revitalizar suas línguas, recuperar a identidade e o patrimônio e lutar pelo território. “O povo Puruborá habita o estado de Rondônia e foi considerado extinto, há algumas décadas, pelo Estado Brasileiro. Em 2001, eles procuraram o Museu Goeldi”, aponta. “A partir da documentação da língua por alguns lembradores – eles estavam há 50 anos sem falar a língua – a gente conseguiu documentar, incluir no acervo, produzir dicionários e material multimídia. Já está sendo possível ler e escutar a língua”, orgulha-se.
Texto: Erika Morhy
Edição: Andréa Batista