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NA CASA DA CIÊNCIA
Museu Goeldi expõe ‘Tecnossolo ancestral’, produto que recria a terra preta arqueológica
Museu Goeldi | COP30 com Ciência – Até a próxima sexta-feira (21/11), quem visitar a Casa da Ciência, instalada no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém do Pará, terá a oportunidade de conhecer uma recriação da tecnologia milenar que mantém as terras indígenas férteis e produtivas e a floresta viva. Essa invenção foi batizada de ‘Tecnossolo ancestral’, um biofertilizante, desenvolvido a partir de pesquisas do Museu Goeldi, que reproduz a terra preta arqueológica, um solo manejado e cultivado, há milênios, pelos povos ancestrais da Amazônia. A iniciativa pode contribuir tanto para a regeneração de áreas florestais, quanto para a otimização da produção agrícola. De acordo com os inventores, é “uma tecnologia com alma ancestral e rigor científico”.
“Nós conseguimos mostrar e provar que a tecnologia regenera solos. Ela reestrutura a terra ao longo de um ano, o que é um resultado muito bom e muito rápido,” disse Milena Carvalho, cientista e fundadora da Iasauatec Amazon, a deep tech criada para gerar soluções tecnológicas, a partir da união das ciências ancestral e contemporânea. A startup deu continuidade aos estudos do Museu Goeldi sobre a terra preta, que começaram, há 40 anos, com a pesquisadora geóloga Dirse Clara Kern, hoje aposentada. Ela é apontada como a precursora no Brasil e no mundo dos estudos com terra preta arqueológica, no contexto da geoarqueologia, junto ao pesquisador alemão Wim Sombroek.
“Eles identificaram um tipo diferente de solo nas florestas, que não se parecia com nenhum outro já estudado. Parecia um erro, porque a quantidade de elementos químicos era absurda. Foi preciso uma análise muito profunda e uma quantidade gigantesca de amostras para que fosse provado que aquilo não era um erro e, sim, um tipo de solo diferente, a terra preta”, contou Milena, reforçando que, depois, esses estudos começaram a ser desenvolvidos em outras instituições. A fundadora da Iasauatec estuda a terra arqueológica há mais 15 anos, intensificando essa pesquisa no doutorado. “A Dirse Kern só não foi minha supervisora porque ela já estava saindo (do Museu) quando eu entrei”, disse Milena Carvalho, que, assumiu, em 2015, as pesquisas com a terra preta arqueológica no MPEG.
Ao longo desses 40 anos, foram feitas análises com centenas de amostras, observando a composição geoquímica, mineralógica e geológica da terra preta. A pesquisa não se centrou apenas em conhecer o tipo de solo, mas também em tentar reproduzi-lo. Usando componentes semelhantes, buscou-se uma solução para aumentar a fertilidade de solos empobrecidos, desgastados. Milena explicou como se deu esse processo: “Nós começamos a estudar essa matriz, a terra preta, de outra forma. Analisamos a reestruturação do solo, começamos a olhar do ponto de vista geoquímico. E identificamos que ela tinha uma característica muito especial, a de reestruturar o solo”.
Protegendo a cultura ancestral – Segundo a pesquisadora, o biofertilizante criado pode mudar a forma predatória como se busca a terra preta. Em alguns locais acontece a retirada irregular desse material, na maioria das vezes pela invasão de sítios arqueológicos. “Estamos recriando quimicamente essa terra tão buscada pelo agronegócio. A gente conseguiu uma composição química muito próxima da terra preta arqueológica. Com isso, espera-se que essa tecnologia ajude a proteger a floresta, mostrando que não é preciso entrar em áreas preservadas em busca de terra preta gerada por comunidades ancestrais. Podemos usar a tecnologia para essa finalidade, para regenerar solos”, disse.
Outra vantagem da tecnologia é trabalhar com resíduos agroindustriais amazônicos, como biomassa do açaí, resíduos de madeiras e de açougues, com foco na bioeconomia circular e tendo como principais beneficiários agricultores familiares, sobretudo, os que atuam nos sistemas agroflorestais. “A tecnologia pode ser usada tanto por quem está fazendo regeneração de floresta, quanto por quem está na agricultura, mas o nosso principal foco é manter uma produção saudável. É por isso que a gente está buscando captar recursos para poder colocar a tecnologia dentro dessas áreas, para poder financiar uma operação para esse público. Quando nos capitalizarmos, esperamos conseguir entregar a tecnologia a custo baixíssimo. Ou, pode ocorrer antes, se, por meio de um projeto, conseguirmos levá-la a agricultores familiares, que é um público fundamental”, disse Milena Carvalho.
NIT busca patente: “Estamos muito esperançosos”
O pesquisador Amílcar Mendes, coordenador do Núcleo de Inovação e Tecnologia do Museu Goeldi (NIT/MPEG), explicou que o Museu Goeldi fez o pedido de patente do tecnossolo, em 2020, por considerar a importância do produto que apresentou uma resposta de reestruturação do solo muito rápida. “Nós estamos muito esperançosos que a carta-patente dessa tecnologia seja deferida. Vale destacar, inclusive, que foi feita uma busca de anterioridade que comprovou que nenhum pesquisador ou instituição de pesquisa no mundo está desenvolvendo esse produto”, destacou.
O pedido de patente foi solicitado pelo NIT ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão do Governo Federal que concede patentes de invenção - PI (para novas tecnologias associadas a produto ou a processo) e patente de modelo de utilidade - MU (para novas formas em objetos de uso prático). Segundo Amílcar Mendes, a patente de invenção pedida pelo Museu significa uma proteção legal para o desenvolvimento da tecnologia e para sua exploração comercial, garantindo direitos exclusivos que impedem o seu uso por empresas que não tenham o consentimento da Iasauatec. Porém, o processo para deferir o pedido não é rápido, costuma demorar anos.
“Esse processo leva em torno de seis a oito anos para ser concluído, porque requer uma análise administrativa e técnica. Com a patente, poderemos fazer a transferência da tecnologia e da licença do produto. Geralmente, essa negociação começa a ser feita antes mesmo de se ter a patente junto a interessados. Quando ela for concedida, a gente pode vender ou fazer um contrato de recebimento de royalties”, disse Amílcar.
Para o deferimento de uma patente são necessários alguns critérios, como ser uma pesquisa inovadora e ter uma escala de produção. O tecnossolo venceu a primeira etapa de submissão e aceitação pelo INPI. Isso significa que a equipe pode divulgar a invenção, publicar artigos científicos – guardando, obviamente, segredo da mistura (compostos e quantidades) – e até mesmo comercializar o produto, o que tem sido feito em pequena escala.
Segundo os pesquisadores, o processo de obtenção de patente é burocrático, mas não impede a entrada da solução no mercado, ou seja, sua disponibilidade ao grande público, que seria o próximo avanço.
Se tudo transcorrer conforme a expectativa dos pesquisadores, a patente do ‘Tecnolossolo ancestral’ será registrada no nome do Museu Goeldi e também dos seus inventores: Milena Carvalho (Iasauatec), José Francisco Berredo (pesquisador do MPEG), Sara Cunha (ex-bolsista que participou da pesquisa) e Dirse Clara Kern (pesquisadora que iniciou os estudos com terra preta).
A deep tech – O ‘Tecnossolo ancestral’ foi desenvolvido no âmbito da Iasauatec Amazon, startup de base científica criada em 2024, a partir das pesquisas desenvolvidas pelo Museu Goeldi, com o propósito de gerar soluções tecnológicas inspiradas em saberes ancestrais. É a primeira deep tech de uma unidade do MCTI na Amazônia. O nome é de origem indígena, “Iasaua” significa ponte, em Tupi-Guarani, como uma maneira simbólica de mostrar que a pesquisa faz uma conexão entre ancestralidade, ciência e mercado.
“A startup é um processo de modelagem de uma tecnologia a fim de colocá-la no mercado. Quando uma startup começa, muitas vezes, não tem CNPJ, não está oficializada. Com relação ao termo deep tech, refere-se a um tipo de startup que está baseada na ciência, que desenvolve ciência profunda voltada para o mercado”, explicou Milena Carvalho, CEO da Iasauatec.
O Tecnossolo ancestral (Fonte: Iausauatec)
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Transforma resíduos agroindustriais amazônicos – como biomassa do açaí, restos de madeira e cascas – em uma mistura rica e funcional, recriando a lógica da terra preta milenar.
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Tem alta performance comprovada em laboratório – O tecnossolo já foi validado em ambiente controlado com resultados que superam solos convencionais em produtividade, retenção hídrica e diversidade microbiana.
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Aplicação simples, resultado potente – O produto pode ser aplicado diretamente no solo, em cultivos de pequena ou larga escala. Em testes com agricultura familiar e sistemas agroflorestais, o aumento de produtividade superou 40%.
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Benefícios – Dispensa fertilizantes químicos; reduz custos da produção agrícola; aumenta produtividade de forma natural; melhora a retenção de água e nutrientes no solo; carbono neutro: sem emissão de gases; produzido com base em economia circular; ideal para SAFs, agricultura familiar e restauração de áreas degradadas.
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Validação científica – O tecnossolo está atualmente em TRL 4 – validado em laboratório e ambiente relevante. Está na fase de ensaios em campo com culturas utilizadas por agricultores familiares e SAFs, além de contar com apoio institucional de pesquisadores do Museu Emílio Goeldi.
Texto: Isabella Gabas e Andréa Batista
CONFIRA AS PROGRAMAÇÕES DO MUSEU GOELDI NA COP30
As atividades citadas nesta matéria fazem parte de uma programação geral no contexto da COP30, com mais de 200 eventos, que está sendo realizada nas duas bases do Museu Goeldi (Parque Zoobotânico e Campus de Pesquisa), desde o último dia 7. Acesse as agendas dos quatro espaços montados no MPEG:
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NO PARQUE – Casa da Ciência – Endereço: Av. Magalhães Barata, 376, São Braz, Belém (PA).
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NO PARQUE – Estação Amazônia Sempre – Endereço: Av. Magalhães Barata, 376, São Braz, Belém (PA).
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NO PARQUE – Presença Suíça/Planetary Embassy/Road to Belém : Chalé João Batista de Sá - Parque Zoobotânico Museu Paraense Emílio Goeldi, Av. Gov Magalhães Barata, 376 - São Braz, Belém-PA.
- NO CAMPUS – Espaço Chico Mendes – Campus de Pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi – Av. Perimetral, 1901 - Terra Firme, Belém (PA).