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Olimpíada de Ciências de Caxiuanã termina com compromisso de multiplicar conhecimento
Agência Museu Goeldi – Depois de cinco dias de convivência na Estação Científica Ferreira Penna, na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Marajó (PA), estudantes e educadores de 13 escolas dos municípios de Melgaço e Portel se despediram, na sexta-feira (28/11), da XIV Olimpíada de Ciências de Caxiuanã. Promovida pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a programação contou com oficinas, jogos recreativos, exposição de tecnologias sociais e noites culturais. Já inserida no calendário escolar das comunidades que vivem na floresta, a emoção de viver a olimpíada transpareceu na despedida. “Sou muito grata por tudo que vivi aqui. Levo para casa uma vontade ainda maior de estudar. Volto motivada para ingressar no mestrado”, contou a professora Lenilda Sales, de Melgaço, que participou pela primeira vez.
Raéryka dos Santos, 11 anos, da Escola São Sebastião, de Melgaço, aproveitou o que pôde: frequentou a oficina de inteligência artificial (IA), concorreu nos jogos com bola, se divertiu com os teatros e as danças nas noites culturais e foi a única garota que topou disputar a corrida de peconha. “Achei tudo bacana, principalmente a oficina. Sempre gostei de tecnologia avançada porque parece difícil. Mas é como andar de bicicleta. Se treinar, a gente aprende”, disse a marajoara que quer ser empresária. Sobre a peconha, comentou: “Aprendi a pegar açaí com meu pai. Demorei mais porque meu pé escorregou”. O vencedor dessa modalidade, com o tempo de 3 segundos e 47 centésimos, foi Diego Cruz, 18 anos, da Escola Santo Antônio, de Portel. Ele bateu o próprio recorde de 4 segundos , feito no ano passado. “Botei na cabeça que eu ia ganhar e ganhei. Espero ser inspiração para outros”, explicou.
Além de inteligência artificial, também foram temas que nortearam as oito oficinas ofertadas aos estudantes: arqueologia, jogos pedagógicos, libras, fotografia de artrópodes, fases da lua, conservação do peixe-boi e observação astronômica. Em um dos laboratórios, Gabriel Fialho, 18, da Escola Nossa Senhora da Conceição, de Melgaço, manuseava a chaleira que acabara de modelar, lembrando dos fornos à lenha que os avós construiam na sua infância. “Lembrei muito deles. Cheguei aqui pensando que não era capaz, mas consegui”. Na sala ao lado, uma pequena caixa era um estúdio para insetos. Diante dela, olhos curiosos e dedos ágeis produziam fotografias. “Além de aprender sobre artrópodes, a gente está tendo experiência com a câmera”, disse Izaildo Jardim, 16, na companhia de Aleson Souza, 15, ambos da Escola Estefânia Monteiro, de Portel. “Com a foto, dá para observar detalhes do corpo. A olho nu, não dá porque se a gente chega muito perto, ele se afasta”, explicou, registrando um gafanhoto.
Iniciantes e veteranos – Ao todo, 137 pessoas vivenciaram a olimpíada sendo 58 estudantes, 32 professores, 17 instrutores de oficinas, 15 profissionais do Museu Goeldi e outras 15 da comunidade local. Entre os participantes, cinco militares do Corpo de Bombeiros (CB), além de uma enfermeira e uma técnica de enfermagem da Prefeitura de Portel. Para algumas pessoas, foi a primeira vez. Para outras, como a sargento Marreiros, do CB, cada olimpíada é uma oportunidade para rever amigos e renovar a satisfação com a experiência. “A gente busca contribuir, não só como profissional, mas como cidadã também. É um projeto educacional muito lindo. A realidade da comunidade local é muito particular. Eles viajam horas de barco para chegar aqui. O que a gente puder fazer para que cresçam, para nós, é gratificante”, disse ela, que participa da Olimpíada de Caxiuanã desde 2011.
Nascido em Caxiuanã, Pedro Brazão também retornou este ano. Ele participou pela primeira vez como aluno, em 2018, aos 12 anos de idade. “Quando a gente participa das olimpíadas, a gente aprende muita coisa. Isso acaba incentivando a gente a querer saber mais”. Este ano, Pedro voltou como graduando em pedagogia e bolsista de iniciação científica para ministrar a oficina sobre preservação do peixe-boi. “Eu vim falar sobre a importância de proteger o peixe-boi, que é um símbolo da nossa região e está ameaçado de extinção”, contou, dizendo ter ficado satisfeito com o interesse da turma. “É muito bom poder ensinar o pouco que a gente sabe”. Como produto da oficina, os alunos de Pedro produziram um jogo didático sobre o peixe-boi com o objetivo de ser replicado nas escolas.
Baía de saberes - Com o tema “Baía de saberes: soluções marajoaras para a crise climática”, a XIV Olimpíada de Ciências de Caxiuanã encerra o ciclo anual do Programa de Extensão Educativo-Cultural da Estação Científica Ferreira Penna, desenvolvido pelo Serviço de Educação do Museu Goeldi desde 1997, em parceria com as prefeituras de Melgaço e Portel. O programa inicia com a formação continuada de professores, baseada na matriz curricular, para que desenvolvam projetos interdisciplinares que resultem em tecnologias sociais para resolver problemas locais. A segunda etapa é a feira de ciências, quando uma equipe de avaliadores visita as escolas para selecionar os trabalhos que serão apresentados na olimpíada, considerada a última etapa do programa no ano em curso.
Nesta edição da olimpíada, foram ofertadas três oficinas para os professores: escrita inventiva, construção de jogos didáticos sobre saúde e alianças com a natureza em tempos de crise. Já as tecnologias sociais expostas somaram treze. Dentre elas, a produção de sabão natural, vassouras feitas de garrafas pet, horta sustentável, horta hidropônica, papel-semente, reciclagem, alimentação alternativa com aproveitamento de ingredientes, trilha em memória da identidade dos seringueiros, artesanato e cultura local, além de inovações mais antigas que chamaram a atenção dos alunos, como a poronga. Tanto as oficinas para alunos como as para professores resultaram em produtos que também foram expostos, a exemplo de fotografias, livretos, animação com IA e musical em libras.
Conhecimento multiplicado - Professor, pesquisador e técnico da Secretaria de Educação de Melgaço, Joel Pantoja acompanhou as escolas do município na olimpíada. Para ele, a interdisciplinaridade das atividades fortalece o aprendizado. “Estamos falando de ciências, mas também de escrita, de leitura, de história, de geografia, de Amazônia, de áreas importantes para os alunos que estão no ensino fundamental”. Além da acolhida que ensina sobre afeto, segundo ele, as turmas irão multiplicar o conhecimento adquirido. “Vejo um retorno grande. Há um crescimento intelectual, cognitivo e comportamental. Há um ganho em valores partilhados na convivência. Acredito que a escola, na próxima semana, será palco de muitas conversas entre os que vieram e os que não puderam estar aqui”, avaliou.
Coordenador pedagógico da Escola de Referência Estefânia Monteiro, de Portel, Vilmar Cruz filmou e fotografou todas as atividades da olimpíada. “A gente reúne a família, os estudantes, os professores que não puderam vir, faz pipoca, leva o data show e começa a repassar para a comunidade todo conhecimento adquirido”, explicou. A partilha do aprendizado motiva a turma: “A turma toda retorna com uma alegria muito grande porque sabe que vai poder contar o que aprendeu”. Esta foi a nona olimpíada de Vilmar. Segundo disse, a comunidade implantou uma horta sem queima com técnicas aprendidas numa edição anterior da olimpíada, a partir da experiência de outra escola. “A gente tenta quebrar a visão de que os jogos aqui são competitivos. O que acontece é a cooperação”.
Emerson Flores é gestor da Escola de Referência Andréa Raulino, de Portel. Para ele, que representou três escolas na olimpíada, os diálogos entre alunos, professores e pesquisadores proporcionados nas atividades são um diferencial. “Vai impactar na nossa vida, na vida dos nossos alunos, nas nossas comunidades, porque são trocas de conhecimentos”. O contato entre estudantes e cientistas inspira possibilidades de futuro, na avaliação de Emerson. “Se fala muito de ciência, mas a gente desconhece como realmente trabalha um cientista. Aqui, pudemos conhecer e isso acaba sendo um inspiração para nossos alunos e professores”, finalizou.
Chefe do Serviço de Educação do Museu Goeldi e coordenadora da XIV Olimpíada de Ciências de Caxiuanã, Mayara Larrys afirmou que o objetivo do evento foi alcançado. “Mais uma vez, conseguimos construir conhecimentos junto com as comunidades ribeirinhas, conhecimentos que reverberam em formas de viver melhor na floresta, de aprender como as práticas ribeirinhas nos permitem entender e construir soluções para a crise climática”. Como explicou, as formações proporcionadas qualificaram tanto as pesquisas realizadas no Museu Goeldi, quanto o conhecimento tradicional devido às trocas de experiências. “Foi uma experiência muito rica, pertinente para alunos, professores, comunitários, mas também para nós, enquanto pesquisadores, promotores de educação e de popularização das ciências, a partir do Museu e das instituições parceiras”.
Realizada pelo Museu Goeldi, instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a XIV Olimpíada de Ciências de Caxiuanã contou com o patrocínio da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) e da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), além do apoio das prefeituras dos município de Melgaço e de Portel.
Texto: Carla Serqueira
Edição: Andréa Batista