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Astrônomos descobrem raro sistema quádruplo hierárquico: par de anãs marrons frias orbitando duas jovens anãs vermelhas
Em uma descoberta inédita publicada no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS), astrônomos identificaram um raríssimo sistema estelar quádruplo hierárquico, composto por um par de anãs marrons frias orbitando duas jovens anãs vermelhas. O sistema está localizado a 82 anos-luz da Terra, na constelação da Máquina Pneumática (Antlia).
Concepção artística do sistema UPM J1040−3551, com a Via Láctea ao fundo, conforme observada pela missão Gaia. À esquerda, UPM J1040−3551 Aa e Ab aparecem como um ponto alaranjado brilhante, com um detalhe ampliado mostrando as duas estrelas do tipo M em órbita mútua. À direita, em primeiro plano, o par de anãs marrons frias, UPM J1040−3551 Ba e Bb, orbitam uma à outra ao longo de décadas, enquanto ambas completam uma órbita ampla ao redor de UPM J1040−3551 Aab, um movimento que leva mais de 100.000 anos.
Créditos da imagem: Jiaxin Zhong, Zenghua Zhang.
Um Sistema Estelar Único
O sistema, denominado UPM J1040−3551 AabBab, foi identificado por uma equipe internacional de pesquisadores liderada pelo Professor Zenghua Zhang, da Universidade de Nanjing. A descoberta foi possível graças à medidas do movimento próprio comum do sistema, feitas pelos satélites Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), e pelo Wide-field Infrared Survey Explorer (WISE), da NASA, seguida de uma série de observações espectroscópicas no visível e infravermelho. Nesse sistema, Aab se refere ao par de estrelas mais brilhante, composto pelas estrelas Aa e Ab, enquanto Bab representa o par subestelar mais tênue, formado pelas anãs marrons Ba e Bb.
"O que torna esta descoberta particularmente empolgante é a natureza hierárquica do sistema, essencial para que sua órbita permaneça estável ao longo de extensos períodos de tempo", explica o professor Zhang. "Esses dois pares de objetos orbitam entre si separadamente por décadas, enquanto os pares também giram em torno de um centro de massa comum com um período superior a cem mil anos."
Os dois pares estão separados por impressionantes 1656 unidades astronômicas (UA), sendo que 1 UA equivale à distância média entre a Terra e o Sol (aproximadamente 150 milhões de quilômetros). O par mais brilhante, UPM J1040−3551 Aab, é composto por duas anãs vermelhas de massas quase iguais, que apresentam uma coloração alaranjada quando observadas na faixa visível do espectro. Com uma magnitude visual de 14,6, esse par é cerca de 750 mil vezes mais tênue que Acrux, a estrela mais brilhante do Cruzeiro do Sul, uma referência muito conhecida no céu do hemisfério Sul. Já o par mais tênue, UPM J1040−3551 Bab, é formado por duas anãs marrons muito mais frias, que emitem pouquíssima luz visível, mas são relativamente brilhantes no infravermelho próximo. Ainda assim, Bab é aproximadamente mil vezes menos brilhante que o sistema Aab no infravermelho próximo.
A classificação de UPM J1040−3551 Aab como um par binário próximo foi inicialmente suspeitada devido ao movimento oscilatório do seu foto-centro durante as observações do Gaia. A classificação do sistema foi confirmada por seu brilho incomum: cerca de 0,7 magnitude mais brilhante do que uma estrela única com a mesma temperatura e à mesma distância, já que a luz combinada do par de massas quase iguais praticamente dobra o brilho observado. Da mesma forma, UPM J1040−3551 Bab foi identificado como outro sistema binário próximo por apresentar um brilho infravermelho relativamente alto em comparação com outras anãs marrons do mesmo tipo espectral. A análise espectral reforçou essa conclusão, com modelos binários oferecendo uma correspondência significativamente melhor do que modelos considerando objetos únicos.
Objetos frios e misteriosos
O Dr. Felipe Navarete, do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA/MCTI), liderou as observações espectroscópicas essenciais para a caracterização dos componentes do sistema. Utilizando o espectrógrafo Goodman no Telescópio SOAR, o Dr. Navarete obteve espectros ópticos do par mais brilhante, além de capturar espectros no infravermelho próximo do par mais tênue com o instrumento TripleSpec, também no SOAR. Essas observações foram desafiadoras devido ao baixo brilho das anãs marrons", destaca o Dr. Navarete. Mas as capacidades do SOAR nos permitiram
coletar os dados espectroscópicos cruciais para compreender a natureza desses objetos.
A análise revelou que ambos os componentes do par mais brilhante são anãs vermelhas do tipo M, com temperaturas em torno de 3.200 Kelvin (aproximadamente 2.900ºC) e massas subsolares, equivalentes a cerca de 17% da massa do Sol. O par mais fraco é formado por objetos mais exóticos: duas anãs marrons do tipo T, com temperaturas de 820 Kelvin (550ºC) e 690 Kelvin (420ºC), respectivamente. Anãs marrons são objetos pequenos, densos e de baixa massa; e as anãs marrons deste sistema possuem tamanhos semelhantes ao planeta Júpiter, mas com massas estimadas entre 10 a 30 vezes maiores. De fato, na extremidade inferior dessa faixa, esses objetos astrofísicos poderiam ser considerados como tendo "massa planetária".
"Este é o primeiro sistema quádruplo já descoberto que conta com um par de anãs marrons do tipo T orbitando duas estrelas", observa a Dra. MariCruz Gálvez-Ortiz, do Centro de Astrobiologia da Espanha, coautora do artigo científico." Essa descoberta oferece um verdadeiro laboratório cósmico único para o estudo dessa classe de objetos misteriosos."
Resolvendo o Problema da Degeneração Massa-Idade
As anãs marrons ocupam uma faixa de massa intermediária entre estrelas e planetas: são corpos massivos demais para serem considerados planetas, mas não têm massa suficiente para sustentar a fusão de hidrogênio como as estrelas. Diferentemente das estrelas, as anãs marrons esfriam continuamente ao longo de suas vidas, o que altera suas propriedades observáveis, como temperatura, luminosidade e características espectrais.
Esse processo de resfriamento gera um desafio fundamental na pesquisa de anãs marrons conhecido como o "problema da degeneração massa-idade". Uma anã marrom isolada com determinada temperatura pode ser um objeto jovem e de baixa massa, ou um objeto mais velho e mais massivo. Dessa maneira, os astrônomos não conseguem distinguir entre essas duas possibilidades sem contar com o acesso a informações adicionais.
"Anãs marrons com companheiras estelares distantes, cujas idades podem ser determinadas de maneira independente, são fundamentais para quebrar essa degeneração como referências de idade", explica o professor Hugh Jones, da Universidade de Hertfordshire, coautor do artigo de pesquisa. "O sistema UPM J1040−3551 é particularmente valioso porque a emissão de hidrogênio em 656 nanômetros (H-alfa) do par mais brilhante indica que o sistema é relativamente jovem, com idade entre 300 milhões e 2 bilhões de anos."
Oportunidades para Pesquisas Futuras
A equipe acredita que o par de anãs marrons (UPM J1040−3551 Bab) poderá, no futuro, ser resolvido por meio de técnicas de imageamento de alta resolução, permitindo medições precisas de seu movimento orbital e das massas dinâmicas.
"Este sistema oferece um duplo benefício para o estudo das anãs marrons", afirma o professor Adam Burgasser, da Universidade da Califórnia em San Diego, coautor do artigo científico. "Ele pode servir como referência de idade para calibrar modelos atmosféricos de baixas temperaturas e como referência de massa para testar modelos evolutivos, caso consigamos resolver o sistema binário de anãs marrons e acompanhar sua órbita em distintas épocas.";
A descoberta do sistema UPM J1040−3551 representa um avanço significativo na compreensão desses objetos enigmáticos e dos diversos caminhos para a formação de sistemas estelares na vizinhança solar. O Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), por meio do acesso privilegiado aos telescópios SOAR e Gemini, tem papel fundamental na realização de observações que possibilitam descobertas como essa, reforçando a importância do Brasil no cenário internacional da astronomia.
Link para o artigo:
https://academic.oup.com/mnras/advance-article/doi/10.1093/mnras/staf895/8155088 (MNRAS);
https://arxiv.org/abs/2505.24560 (ArXiV)
Informações para contato:
Professor Zenghua Zhang
Nanjing University
Email: zz[at]nju.edu.cn
Felipe Navarete
LNA/MCTI
Email: fnavarete[at]lna.br
