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Simulação de Monte Carlo: entenda a sua aplicação no campo nuclear
Interior do Cassino de Monte Carlo, que inspirou a criação de uma teoria matemática
Na década de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, os cientistas europeus John von Neumann e Stanislaw Ulam desenvolveram uma técnica de computação matemática que auxiliaria o Governo dos Estados Unidos na tomada de decisões em situação de elevada insegurança. Essa técnica seria batizada de Simulação de Monte Carlo, que passou a ser aplicada em diversas áreas do conhecimento, incluindo a nuclear.
O nome da teoria faz referência ao distrito de Monte Carlo, localizado no Principado de Mônaco, cidade-estado que fica entre o sul da França e o Mar Mediterrâneo, conhecida mundialmente por sediar uma das provas mais tradicionais da Fórmula 1, o GP de Mônaco, e por abrigar os mais luxuosos cassinos, que estão entranhados na cultura local. É justamente a imprevisibilidade de jogos de cassino, com dados, roleta e caça-níqueis, que levou Ulam a iniciar os trabalhos de criação dessa técnica, compartilhando-os posteriormente com Neumann.
A Simulação de Monte Carlo seleciona uma variável com incerteza e lhe atribui um valor aleatório, para que um determinado resultado seja fornecido. Esse método é repetido milhares de vezes, atribuindo diversos valores distintos à variável em questão. Ao concluir essa simulação, os resultados são calculados novamente para se obter uma grande estimativa de soluções possíveis.
Por exemplo, tendo dois dados de um cassino, ambos com seis faces (de 1 a 6), a referida simulação propõe que eles sejam lançados cerca de 10 mil vezes, para se conseguir resultados mais precisos. Desse modo, a teoria testa uma série de variáveis aleatórias para, depois, calcular suas médias, ao invés de começar com uma média.
Para que isso aconteça, independente da ferramenta usada, a Simulação de Monte Carlo envolverá três etapas básicas:
1 – Configuração de modelo preditivo, identificando tanto a variável dependente a ser prevista quanto as variáveis independentes (conhecidas como variáveis de entrada, de risco ou preditoras) que gerarão a previsão.
2 – Especificação das distribuições de probabilidade das variáveis independentes, por meio de dados históricos e/ou o julgamento subjetivo, para definir um intervalo de valores prováveis e atribuir pesos de probabilidade para cada um deles.
3 – Nessa etapa final, ocorre a repetição das simulações, para gerar valores aleatórios das variáveis independentes, até que se tenha resultados suficientes para formar uma amostra representativa do número quase infinito de combinações possíveis.
A Presença da Simulação de Monte Carlo em projetos e pesquisas da área nuclear
Essa teoria probabilística, desde a sua gênese, avaliou o impacto do risco em muitos cenários do cotidiano, como nas técnicas de inteligência artificial, na área comercial, por meio da precificação de ações, previsão de vendas, gerenciamento de projetos e preços, entre outras.
Na tecnologia nuclear, por sua vez, a Simulação de Monte Carlo contribui:
- Análise em projetos de reatores nucleares;
- Segurança de criticalidade dos reatores;
- Blindagem contra radiação;
- Cinética/Dinâmica de Reatores;
- Neutrônica de Fusão.
O tema foi bastante explorado também em estudos e teses em alguns campos do setor nuclear. Na Medicina Nuclear, por exemplo, a técnica matemática serviu de base teórica para o “Estudo dosimétrico de braquiterapia da próstata utilizando técnicas de Simulação de Monte-Carlo, medidas experimentais, e comparação com um procedimento de plano de tratamento”, apresentado no IX Congresso Regional Latino-Americano do IRPA sobre Proteção Radiológica e Segurança, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, em 2013, e que tem, entre os seus autores, o Dr. Alessandro Facure Soares, diretor de radioproteção e segurança nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Vale citar também a tese de doutorado produzida pelo pesquisador do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/CNEN), Abner Duarte Soares, publicada em 2018 com o título “Metodologia para o Cálculo de Blindagem em Medicina Nuclear”, em que simula, através do Monte Carlo e de fantomas de voxel (que são modelos computacionais tridimensionais do corpo humano), o cálculo das taxas de doses semanais de radionuclídeos no organismo humano.
Na área industrial, o Método Monte Carlo foi analisado nos estudos que compõem a recente publicação “Aplicação de técnica nuclear e rede neural artificial na indústria petrolífera: estudos de casos”, idealizada pelo tecnologista do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/CNEN), Dr. César Marques Salgado, de maneira a estimar distribuições probabilísticas e comportamentos de sistemas físicos, especialmente no transporte de radiação, inseridos no campo da Física Nuclear Aplicada e no contexto operacional de uma indústria de petróleo e gás.
Projeto do Super Computador do IEN/CNEN
Por fim, a ferramenta criada nos anos 1940 servirá para agilizar a resolução de problemas complexos de engenharia a serem entregues ao cluster de computação paralela, que está em implantação no IEN/CNEN. De acordo com o Dr. Guilherme Jaime, que é chefe do Serviço de Engenharia de Sistemas Complexos (SEESC/DINUC) deste instituto, o projeto do Supercomputador (Cray Supercomputing) que potencializará o uso da Simulação de Monte Carlo, uma vez que permitirá significativamente a redução do tempo para obtenção de resultados . “Outra possibilidade é o aumento do nível de detalhe dos modelos desenvolvidos, o que torna possível tratar problemas mais complexos”, explica Guilherme.
Atualmente, segundo o especialista, o cluster já se encontra no data center do IEN/CNEN, aguardando ajustes finais para entrar em operação. Com a colaboração da Divisão de Radiofármacos (DIRA/IEN), a equipe do projeto do Supercomputador está estabelecendo um acordo institucional com o Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) para obtenção do acesso ao código fonte do software Fluka, que tem sido utilizado pela DIRA/IEN em substituição ao acelerador de partículas Ciclótron CV-28 para dar continuidade às pesquisas.
Dr. Guilherme Jaime explica que o objetivo é adaptar o código fonte do Fluka para torná-lo capaz de explorar todo o potencial do Cray Supercomputing, especificamente através de aceleração em GPU. Esse tema, por sinal, é abordado na tese de doutorado do aluno Alessandro Calin, do PPGI/UFRJ, orientado pelo pesquisador do IEN/CNEN, Dr. Paulo Victor Rodrigues de Carvalho, e coorientado pelo Dr. Guilherme Jaime e Dr. Marcos Santana Farias:
“Com a adaptação do FLUKA para operar com aceleração por GPU, o intuito é passar a contar com uma ferramenta capaz de realizar simulações com muito mais velocidade. O processamento de alto desempenho viabiliza não apenas a redução do tempo de execução, mas também a exploração de modelos mais realistas e abrangentes, otimizando a tomada de decisões em ambientes críticos”, explica Calin.
Para o doutorando, a disponibilização do Cray Supercomputing no IEN/CNEN representa um marco tecnológico, consolidando uma infraestrutura nacional de ponta para a realização de pesquisas computacionais avançadas.
“Trata-se não apenas de disponibilizarmos a infraestrutura para quem quiser usar, como comumente vemos, mas sim fornecermos a mão de obra necessária em computação avançada para atender às necessidades de setores e pesquisadores interessados em acelerar seus experimentos”, complementa Guilherme Jaime.
Escrita por: José Lucas Brito (Setcos/ IEN)
