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Como a política de investimentos em energia nuclear no Japão pode inspirar o Brasil?
Usina Nuclear de Onagawa, Japão, em 2012. Foto: Reuters
O ano de 2025 começou com um anúncio importante para o setor nuclear vindo da Ásia e que pode influenciar decisões estratégicas em outros países, inclusive no Brasil. O Governo do Japão decidiu rever sua atual política energética para ampliar a utilização de fontes nucleares para o abastecimento de energia no país, seguindo uma demanda global voltada para a energia de baixo carbono.
A nova proposta prevê que o fornecimento de energia nuclear no Japão salte de 8,5% em 2023, para 20% até 2040, além de ampliar o uso das fontes de energias renováveis para 40% a 50% (que hoje são de 22,9%) e reduzir o abastecimento da energia movida a carvão, que era de quase 70% em 2023, para uma faixa entre 30% e 40%.
Um painel de especialistas comissionado pelo governo japonês havia apoiado, em dezembro, de forma ampla a nova política energética do país. Eles avaliaram que as medidas apresentadas ajudam a reverter uma política de eliminação gradual do uso das fontes nucleares que foi adotada após o desastre com a Usina Nuclear de Fukushima, que ocorreu em março de 2011.
Entre as intenções do novo plano de investimento para a geração de energia do Japão é o de eliminar a ideia de diferença entre fontes de energia limpa e energia nuclear, pois ambas são benéficas para o desaceleramento das mudanças climáticas: “É hora de parar de discutir entre energia renovável e energia nuclear. Devemos maximizar o uso de energias renováveis e nuclear", afirmou o ministro da Indústria, Yoji Muto, durante reunião com o mesmo painel de especialistas.
A mudança de posicionamento sobre o uso dessa fonte de energia para os próximos anos poderá contribuir para melhorar a aceitação pública japonesa sobre a energia nuclear, segundo defende o Dr. Paulo Augusto Berquó de Sampaio, pesquisador do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/CNEN), unidade a qual ele dirigiu entre os anos de 2012 e 2016.
“Cabe lembrar que, a partir do acidente de Fukushima, as usinas nucleares do mundo inteiro passaram por processos de revisão de suas instalações e procedimentos operacionais, visando melhorar a segurança e prevenir que situações semelhantes pudessem voltar a acontecer. No médio e longo prazo, porém, a expectativa é de que a expansão da energia nuclear no Japão se dê utilizando novas tecnologias de reatores nucleares, as chamadas gerações III+ e IV, com sistemas ainda mais seguros e economicamente mais competitivos do que os atuais”.
A aposta na energia nuclear para enfrentar as mudanças climáticas
O Japão estabeleceu também como meta atingir zero emissões líquidas de gases que causam o aquecimento climático até 2050 e uma redução de 73% até 2040. De acordo com dados da Climate Watch, do instituto de pesquisa WRI, o Japão se encontra no ranking dos países que mais emitem gás carbônico na atmosfera, ocupando a sexta posição (nesse ranking, o Brasil encontra-se em 10º lugar).
Além de apostar na energia nuclear para mudar esse cenário, o plano apresentado pelo governo japonês prevê o desenvolvimento de fontes de energia de última geração, como baterias solares e painéis solares portáteis.
Na avaliação de Berquó, no entanto, a realidade evidencia, cada vez mais, a importância da energia nuclear como uma fonte confiável, livre de sazonalidades, e que não emite gases do efeito estufa, causadores das mudanças climáticas antropogênicas, as quais impactam a vida dos cidadãos em várias partes do planeta.
O Brasil também deve investir na energia nuclear?
Para o pesquisador, o Brasil, assim como o Japão e outros países, também enfrentará os mesmos desafios para equilibrar desenvolvimento econômico e social com a sustentabilidade. Mas analisando as movimentações feitas no extremo oposto do planeta em relação à energia nuclear, ele acredita que o Brasil, com suas peculiaridades, também pode ampliar seus esforços em favor dessa tecnologia.
Vale lembrar que no início de dezembro, o Ministério de Minas e Energia estabeleceu uma política de investimentos para a área nuclear, em parceria com a empresa russa Rosatom, voltada para a mineração do urânio e produção de pequenos reatores nucleares, o que representa que o país está atento às recentes tendências globais do setor de energia.
Além do fato de o Brasil ser detentor de uma das mais expressivas reservas de urânio do planeta e por ser um dos poucos países a possuírem tecnologia de enriquecimento desse minério, Berquó cita outros fatores que justificam o potencial nuclear brasileiro:
“A Eletronuclear opera com competência as usinas nucleares de Angra I e Angra II. Temos uma já bem estabelecida experiência na área de regulação e licenciamento. Também temos cursos de graduação e de pós-graduação, em universidades e centros de pesquisa espalhados pelo país, que estão formando as nossas futuras gerações de profissionais para a área. A Marinha do Brasil desenvolve projeto autóctone de um reator de propulsão naval, tecnologia própria que poderá servir no futuro como base para o desenvolvimento de um pequeno reator modular nacional”.
Sobre a participação do IEN/CNEN nessa política, Berquó afirmou que o instituto, desde a sua origem em 1962, esteve envolvido com a pesquisa e desenvolvimento tecnológico no campo da energia nuclear. Atualmente, a unidade técnico-científica da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) se dedica à pesquisa sobre pequenos reatores modulares e dessalinização nuclear, e atua de forma ativa no “Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Reatores Nucleares Modulares e Inovadores”, rede de pesquisa de excelência apoiada pelo CNPq.
“Enfim, o Brasil tem sim condições de almejar o domínio dessa tecnologia que será imprescindível ainda durante o século XXI”, complementa Berquó.
Escrita por: José Lucas Brito
