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CIÊNCIA E ACOLHIMENTO
Márcia Rodrigues: uma trajetória de cuidado e transformação no SAE Infectologia
Rio Grande (RS) – Há 35 anos, o SAE Infectologia do HU-Furg/Ebserh começava a escrever sua história, transformando a vida de pacientes, profissionais de saúde e da própria cidade. Entre os protagonistas dessa trajetória está Márcia Rodrigues, médica formada pela Furg e especialista em Infectologia. O que começou como um Serviço voltado ao atendimento de pacientes com HIV/Aids evoluiu para um Serviço de referência regional, reconhecido pela qualidade do cuidado, formação de profissionais e impacto social. Acompanhe as memórias que Márcia compartilha:
Como começou sua trajetória no SAE Infectologia?
“Sou médica formada pela Faculdade de Medicina (FaMed) da Furg. Fiz residência em Medicina Interna também na FaMed/Furg assim como em mestrado em Ciências da Saúde, com foco em Infectologia. Em 1997, fui convidada pela professora Jussara para integrar a equipe médica do SAE de HIV/Aids. Na época, ainda não era o SAE de infectologia ainda, atendíamos pacientes basicamente com HIV/Aids e suas infecções oportunistas, tuberculose e hepatites. O número de pacientes foi crescendo, o Serviço também, e percebemos a necessidade de dividir o conhecimento para que outros médicos nos auxiliassem a cuidar dos pacientes HIV/Aids. Começamos com cursos de capacitação para profissionais de saúde e professores de nível superior. Eram épocas de muito aprendizado, pois lidávamos com algo totalmente novo e desconhecido, tanto para a comunidade científica quanto para a cidade.”
Qual era o cenário para os pacientes vivendo com HIV naquela época?
“O SAE mudou completamente a qualidade de vida desses pacientes. Antes, a maioria se descobria com Aids por meio de infecções oportunistas, que os mantinham internados por longos períodos, sem conseguir voltar para casa. O tratamento de algumas dessas infecções era feito com medicações extremamente tóxicas. A estrutura multiprofissional e organizada do SAE devolveu qualidade de vida a muitos desses pacientes. Com a assistência ambulatorial, o Hospital-Dia e a enfermaria, foi possível encurtar as internações e permitir que os pacientes voltassem para casa, mantendo as medicações para as infecções oportunistas no Hospital-Dia — vinham ao Hospital, faziam exames, recebiam a medicação e retornavam para casa. Naquela época, o Serviço era o único da cidade e referência em toda a região sul do estado.”
E como o Serviço impactou sua trajetória profissional?
“O SAE não transformou somente a vida dos pacientes, mas também a minha. Inicialmente, eu não tinha certeza de qual rumo seguir na Medicina, mas ao estudar HIV/Aids percebi que havia uma subespecialidade da Medicina Interna que me encantava. Isso me levou a estudar Infectologia de forma mais ampla. Trabalhar no SAE foi um benefício profissional, pessoal e moral. A equipe é diferenciada, o saber é muito amplo e tem que haver uma disciplina de estudo diária, pois o grau de exigência é elevado, lidamos com pessoas inicialmente muito doentes, com severa imunossupressão, aliada a uma quebra de conceitos e preconceitos, onde a assistência é integrativa, visando manter a excelência de assistência em todos os sentidos. ‘Como convenceríamos os pacientes a tomarem 30-50 comprimidos/dia sem muito envolvimento?’ Assim, tivemos que aprender a discutir o melhor tratamento, a individualizar cada terapêutica, nos esforçar e até mesmo especializar na adesão a terapêutica, sem nunca abrir mãos do lado humano nesse atendimento. Dessa maneira, o Serviço e sua equipe foram crescendo e evoluindo, sempre agregando novas especialidades, beneficiando a comunidade, os profissionais e, principalmente, os pacientes. Tenho orgulho de ter pertencido a essa história.”
Quais foram os principais desafios e conquistas nesses anos?
“Quando comecei no SAE o tratamento com antirretroviral era muito limitado. Muitos pacientes precisavam de internações prolongadas, e sem acesso a medicamentos adequados, não conseguiam alta. O SAE foi um avanço importante para essa população, pois, na época, os serviços especializados só existiam em grandes capitais. O Hospital-Dia foi um grande ganho, permitindo que pacientes mantivessem acompanhamento adequado e qualidade de vida. Isso transformou a realidade da Infectologia em Rio Grande.”
Pode compartilhar alguma história marcante de paciente que acompanhou?
“Tenho muitas histórias, mas uma que me marcou profundamente foi de uma pessoa que se contaminou no exterior. Quando chegou, acreditava que iria morrer, como muitos soropositivos pensavam na época. Essa pessoa estava muito emagrecida (tinha 20% a menos do mínimo de peso corporal), com imunossupressão avançada, mas sem doença oportunista. Iniciamos a terapia antirretroviral assim que surgiu, com uma adesão perfeita. A carga viral rapidamente se tornou indetectável, o CD4 subiu acima de 500, e manteve o esquema por muitos anos. Hoje, mais de 20 anos depois do primeiro atendimento, sigo acompanhando essa pessoa pelo menos duas vezes ao ano, sem plano de saúde. Essa pessoa é totalmente independente, trabalhando e com boa qualidade de vida. Essa história mostra que a infecção por HIV não é sentença de morte e evidencia o impacto do SAE na vida das pessoas.”
Como o SAE transformou a prática médica e a formação profissional?
“O SAE sempre foi referência, não somente no atendimento, mas também na formação de novos médicos tanto pela residência de Clínica Médica quanto com a de Infectologia, além de capacitar médicos e outros profissionais de saúde da rede pública e/ou privada no Município por meio dos cursos. Trabalhar em equipe é um aprendizado constante. O crescimento intelectual, pessoal e moral proporcionado pelo SAE é incomparável. Aprendemos que o trabalho multidisciplinar é o que faz todos evoluírem continuamente. É impossível voltar a trabalhar sozinho após uma experiência tão intensa.”
E para os próximos anos, quais são suas expectativas para o SAE?
“O SAE tende a crescer continuamente, agregando profissionais de várias áreas e mantendo a filosofia de trabalho em equipe. Hoje, o espaço físico é pequeno para a demanda existente, e daqui a 10 anos será incapaz de suportar a sua equipe e seu contínuo crescimento. As gerências sempre foram visionárias, e a equipe se mantém fiel a essa visão. É um trabalho de doação e crescimento que é difícil de encontrar em outros lugares.”
Como você resume sua ligação com o SAE Infectologia e seu impacto pessoal?
“Minha trajetória no SAE é quase minha história de vida profissional. Desde a graduação até hoje, grande parte do meu tempo foi dedicada a atender pacientes na Infectologia. São múltiplas histórias de superação e aprendizado. Sou otimista e tenho muito orgulho de tudo que construímos. O SAE Infectologia não é somente um serviço de saúde; é uma referência de cuidado, conhecimento e transformação social. Aprendi com os melhores e acredito que o futuro do SAE será ainda mais promissor, sempre beneficiando os pacientes, profissionais e a comunidade do Rio Grande.”
Sobre a Ebserh
O HU-Furg faz parte da Rede Ebserh desde julho de 2015. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por Andreia Pires
Apoio de Leonardo Andrada de Mello/UCR15 e Alan Bastos/UAO5
Coordenadoria de Comunicação Social/Ebserh