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HUMANIZAÇÃO
Intervenções em Espiritualidade
A espiritualidade tem se tornado uma aliada importante no processo terapêutico, tendo comprovada sua eficácia por meio de artigos publicados e pesquisas relevantes ao redor do mundo. Ela pode envolver estados cognitivos e emocionais como crenças, motivações e um sentimento de gratidão, podendo ser avaliada por meio de questionários estruturados. Nessa perspectiva, o espiritual é entendido como um aspecto particularmente humano, não se relacionando a algo da sacralidade, mas com algo que possibilita ao homem praticar sua aptidão de unicidade. Alguns podem encontrar essa conexão através da religião, outros podem encontrar em si mesmos ou na convivência com pessoas queridas, nas artes ou em meio à natureza.
– A espiritualidade é supra-religiosa. Entram todos: ateus, agnósticos, religiosos. É a busca pelo sentido da vida, o que tem a ver com a nossa biografia, nossos valores, sempre entendendo que eles podem ser diferentes dos outros. Além disso representa um propósito, já que vai além da gente, quando quem importa não somos apenas nós, quando transcendemos o eu –, explicou Julio Tolentino, cardiologista e professor da Escola de Medicina e Cirurgia.
Durante a palestra realizada na XLI Jornada Científica do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio/Ebserh), o especialista demonstrou, através de resultados científicos, os bens que as intervenções espirituais causam:
– Um estudo de 30 anos longitudinal mostrou que crianças com familiares com risco de ter algum transtorno mental, caso carreguem sentimentos relacionados à religiosidade ou espiritualidade, tem prevenidas, em até 90%, os riscos de desenvolverem depressão no futuro –, continuou.
Uma das formas de alcançarmos essa sensação, de acordo com o médico, seria através do desenvolvimento de nossas potencialidades, identificadas no Modelo P.E.R.M.A, que corresponde a uma estrutura para a felicidade e o bem-estar baseada em cinco elementos: emoção positiva, engajamento, relacionamentos positivos, propósito e realização. Segundo Martin Seligman, psicólogo norte-americano autor do modelo, esses cinco fatores ajudam as pessoas a trabalharem em direção a uma vida de realização, felicidade e significado. Mas é necessário que a prática seja constante e voltada para o agora:
– Se existe alguma chance de experenciarmos algum bem-estar, ele tem de estar relacionado ao momento presente. Esse pêndulo do futuro em que nos preocupamos muito com o que vem, pode desencadear sintomas ligados à ansiedade. Já o pêndulo muito ligado ao passado, em que me prendo a situações negativas, tem a ver com sintomas depressivos. Temos de estar atentos –, disse Julio.
Outra atenção que se deve ter, de acordo com o cardiologista, é quanto à enfermidade moral, caracterizada pela resposta subjetiva do paciente ao fato de não estar bem, mesmo sem confirmação laboratorial ou clínica, mas que pode ser avaliada objetivamente por meio de questionários ou escalas:
– Uma pessoa em estado de raiva, por exemplo, pode ter um infarto agudo do miocárdio. Uma pessoa que tem hostilidade aumenta o risco de formação de placa de ateroma e, consequentemente, aterosclerose. Só que não consideramos isso no nosso modelo biomédico. Nenhum profissional da saúde desconsidera esses fatores de risco que vêm crescendo, mas que, ao mesmo tempo, não fazem parte exatamente de um critério –, informou.
As intervenções espirituais e/ou religiosas, baseadas em estudos científicos, vem, então, para ajudar na busca desse equilíbrio tanto interno quanto externo, auxiliando no processo terapêutico. Em geral, as análises têm mostrado que este tipo de tratamento diminui os sintomas de depressão, ansiedade, consumo de álcool, excesso de peso, estresse e melhoram quadros de diferentes doenças.
– Além do benefício em saúde mental, há ganhos na saúde física e na qualidade de vida. Não se trata de uma questão filosófica, mas de ciência. Por exemplo, já foi comprovado que a prece de conexão interage com a modulação autonômica cardíaca de maneira positiva. Ou seja, nosso foco, enquanto profissional da saúde, tem de sair da doença e se voltar para a pessoa. Não importa o que eu penso e sim o outro, no caso nosso paciente, caso contrário ficaremos autocentrados –, continuou Julio.
As intervenções exclusivamente em religiosidade envolvem psicoterapia e apoio à prática espiritual, já que isso aumenta a resiliência. Além disso, um estudo do qual o próprio palestrante fez parte demonstrou que pessoas com maior fé diminuíram a chance de ter mais ansiedade durante a pandemia de Covid-19.
Já as intervenções exclusivamente espirituais trazem práticas não religiosas como meditação e yoga, auxiliando como práticas integrativas complementares.
Ademais, de acordo com Tolentino, existem os mediadores que servem para a prática do melhor bem-estar, através do exercício de algumas virtudes humanas, como o perdão:
– Não se trata de esquecimento, nem de reconciliação. O perdão tem muito a ver com a gente e não com outro. É para você se libertar e ter a possibilidade de seguir em frente. Não é uma questão épica e sim do nosso dia a dia o tempo todo. O ressentimento afeta a saúde biológica, mental e impacta em mortalidade, por isso temos de largar o ressentimento. O perdão sai cada vez mais do campo filosófico/religioso e começa a ser visto como questão de saúde pública –, contextualizou.
A gratidão também é outro valor, apontado pelo especialista, que pode ser trabalhado para que se consiga encontrar significado nas coisas que acontecem e aparecem no dia a dia. Desta maneira cria-se um elo de alegria dada e alegria recebida. Esse elo positivo também auxilia na sensação de bem-estar.
- Quando estamos com qualquer problema de saúde mais sério, nos desconstruímos. Nós profissionais de saúde temos de ser, então, aqueles que ajudam a reconstruir a outra pessoa quando ela está destruída pelo sentimento e pela dor. Temos de saber que nem sempre conseguiremos ajudar na cura, mas pelo menos ajudar no processo de reerguimento -, concluiu Julio.
Sobre a Rede Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência.
Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e, principalmente, apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas.
Devido a essa natureza educacional, os hospitais universitários são campos de formação de profissionais de saúde. Com isso, a Rede Ebserh atua de forma complementar ao SUS, não sendo responsável pela totalidade dos atendimentos de saúde do país.