Relatos e Historias
RELATOS DE QUEM CUIDA
"Semeando a mesma semente que um dia foi plantada em meu coração"
Francisco Figueiredo Netto atua no HU-UFSCar há oito anos e é filho de Maria do Carmo Figueiredo, técnica do ambulatório do mesmo hospital há quase seis anos.
São Carlos (SP) — “Nossa missão na Enfermagem certamente foi determinada muito antes da nossa existência neste plano. Me chamo Francisco Figueiredo Netto, sou enfermeiro há 18 anos, sendo oito deles na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), atuando na Unidade da Criança e do Adolescente do Hospital Universitário da UFSCar (HU-UFSCar). Sou filho de Maria do Carmo Figueiredo, técnica do ambulatório deste mesmo hospital há quase seis anos — mulher que me inspira, todos os dias, a ser um cuidador na essência: com olhar humano e acolhedor, atitude empática e solidária, e prática assertiva e prudente no cuidado em saúde.
Meu avô materno, Manoel (Sr. Mané Piauí), ainda jovem, emigrou de São Raimundo Nonato – PI para São Paulo, buscando uma vida melhor. Segundo ele contava, morando em SP, ainda solteiro e sem familiares por perto, certa vez adoeceu gravemente e foi levado por populares a um hospital da capital, onde permaneceu internado por várias semanas. Ao término da internação e por não ter condições financeiras de pagar pelo seu tratamento, ele se dispôs a trabalhar na lavanderia e na limpeza daquela instituição até que seus ganhos pudessem “quitar o débito com seu próprio tratamento”. Foi nessa época, convivendo com os profissionais da Enfermagem, que, segundo ele, aprendeu a cuidar de pessoas.
Seguindo a vida, com a lida no campo, sem instrução formal e com poucos recursos financeiros, mudou-se para o interior do norte do Paraná, onde conheceu minha avó e constituiu família nos anos 1950. Vovô sempre manteve um espírito de liderança nas comunidades onde viveu. Inteligente e perspicaz, projetou-se como um cuidador, mesmo sem ter formação em saúde. Com os conhecimentos adquiridos por meio de suas vivências, cuidava de pessoas, administrava medicamentos prescritos por médicos, monitorava condições de saúde, levava doentes dos sítios e fazendas até a cidade — e, em casos mais graves, até Curitiba.
Após vários anos no campo e com os filhos entrando na adolescência, no final da década de 1970 mudou-se para Londrina, para que todos pudessem estudar. Com poucos recursos e uma grande família (pai, mãe e dez filhos), as filhas mais velhas começaram a trabalhar como babás de famílias tradicionais da cidade para ajudar nas despesas.
Cuidando de crianças com dedicação e afeto, certa vez foram indicadas a participar de um processo seletivo para o setor de Berçário e Pediatria do Hospital Universitário da UEL, em Londrina. Na época, havia uma formação básica para a função de atendente de enfermagem.
Assim começaram três gerações de cuidadores e cuidadoras: Tia Belinha, Tia Cida, Tia Antonia, Tia Inês, minha mãe (Maria do Carmo)... todas se dedicaram à Enfermagem. Na geração seguinte, fui eu e minha prima Gabriela.
Particularmente, em nossa história familiar, minha mãe abriu mão temporariamente da profissão para se dedicar à maternidade e à criação dos filhos. Somos três, e eu sou o mais velho. Ela sempre diz que fui gerado no seu ventre dentro de uma unidade de Pediatria/Berçário — talvez isso explique minha paixão pelo cuidado às crianças hoje.
Aos 17 anos, passei no vestibular e comecei a cursar Enfermagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina. Eu e meu pai motivamos minha mãe a voltar a estudar e, aos 44 anos, enquanto eu ainda estava na faculdade, ela passou numa seleção para cursar o técnico de enfermagem numa escola pública do Paraná. Inclusive, como convidado e para cumprir atividade extracurricular da graduação, ministrei duas disciplinas no curso dela: Anatomia e Fisiologia dos Sistemas Cardiovascular e Urinário.
Enfim, a vida seguiu. Me formei e atuei como enfermeiro por cinco anos no Nordeste (Paraíba e Rio Grande do Norte), depois por mais 5 anos em São José do Rio Preto (SP). Minha mãe passou em um concurso público do município de Londrina aos 50 anos, atuando por 5 anos num Pronto Atendimento Infantil. Em 2017, vim para São Carlos após ser convocado no concurso de 2015. Incentivei minha mãe a prestar o concurso de 2018 (dei a apostila de presente e paguei a inscrição). Ela passou e foi convocada em 2019.
Como eu já atuava na Pediatria quando ela chegou, a chefia preferiu não deixar mãe e filho no mesmo setor e a convidou a atuar no ambulatório — onde, inclusive, há consultas de especialidades pediátricas. Ali, ela se realiza no cuidado à criança. Mas também se dedica com afinco ao atendimento de adultos: tria pacientes, realiza procedimentos de Enfermagem, auxilia em procedimentos médicos, organiza consultórios, insumos, materiais e equipamentos. Também contribui na formação de tantos estudantes — missão essencial de um HU.
Eu sigo na UTI Pediátrica, me dedicando ao cuidado da criança grave, tentando promover um cuidado humano, acolhedor, empático e assertivo ao paciente e suas famílias. Também contribuo com o ensino, acompanhando alunos todos os dias e semeando aquela mesma semente que um dia foi plantada em meu coração há tantos anos.
Nas horas vagas, nos dedicamos ao nosso autocuidado, fortalecendo nossa espiritualidade e nossa mente. Uma das coisas que, para nós, tem grande efeito terapêutico são as artes. A mãe costura, escreve e canta. Eu gosto de tocar, escrever e também fazer cantorias — inclusive para as crianças hospitalizadas e na sala de aula com os alunos.
Finalizo nossa história com um pedacinho de uma música que compus, inspirado nessa missão de cuidar das crianças e suas famílias:
“O cuidar de uma criança é olhar toda a família
E entender o seu contexto deve ser tão natural
Acolher com empatia as suas necessidades
Promover afeto diante das dificuldades é fundamental;
Acolher os pais, olhar pros irmãos e dialogar pode ser solução;
A nossa essência não perder de vista
Todas as pessoas podem ser artistas,
Criança e família são protagonistas.””
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Coordenadoria de Comunicação Social da Ebserh