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NOTA TÉCNICA
O retrocesso ambiental no regime do licenciamento ambiental: Congresso Nacional aprova PL n° 2.159/2021
Licenciamento Ambiental em Risco/Card de divulgalção
O Projeto de Lei (PL) n° 2.159/2021, que objetiva criar uma lei geral do licenciamento ambiental no Brasil, foi aprovado em 17/07/2025 pela Câmara dos Deputados. Anteriormente, em maio de 2025, o Senado já havia aprovado o texto com emendas.
Ocorre que as modificações introduzidas pelo PL são capazes de esvaziar o instrumento licenciamento ambiental, comprometendo a sua função essencial de compatibilizar a atividade econômica com a preservação dos recursos naturais.
O PL é positivo por buscar a criação de uma lei federal para regulamentar todo o processo de licenciamento ambiental, o que, na teoria, tornaria mais fácil compreender e aplicar o instrumento. No entanto, embora uma legislação federal sugira a uniformização das normas no território nacional, o PL delega indiscriminadamente para as autoridades licenciadoras subnacionais a regulamentação dos casos em que são necessários os estudos ambientais, a definição dos seus termos de referência e até quais atividades estão sujeitas ou não a licenciamento. Essa descentralização excessiva pode resultar em uma “guerra ambiental”, na qual os entes federativos competem entre si flexibilizando o licenciamento para atrair investimentos.
Mesmo que de forma “escondida”, o texto esvazia mecanismos do licenciamento quando: cria novos tipos de licença que facilitam a conduta irregular do empreendedor, como a licença por adesão e compromisso e a licença de operação corretiva; torna a manifestação das autoridades envolvidas meramente opinativas; diminui os prazos de resposta das autoridades licenciadoras e envolvidas; permite a renovação da licença com simples declaração do empreendedor, sem o monitoramento da administração; cria a licença ambiental especial para atividades ou empreendimentos definidos como estratégicos; e estabelece uma lista de atividades não sujeitas a licenciamento ambiental.
A licença ambiental especial, incluída recentemente no texto do PL pelas emendas do Senado, é preocupante, pois permite que as atividades estratégicas definidas em decreto mediante proposta bianual do Conselho de Governo, ou seja, por um grupo no poder, precisem apenas de um procedimento de licenciamento simplificado, o que pode não ser suficiente para avaliar e mitigar possíveis impactos ambientais.
O regime jurídico ecológico deve operar de maneira progressiva, para ampliar a qualidade de vida e tutelar a dignidade da pessoa humana de forma cada vez mais rigorosa, o retrocesso, em termos fáticos e normativos, não pode ser admitido. Esvaziar instrumentos que garantem o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado, como o licenciamento ambiental, é grave.
Ocorrendo a sanção do PL pelo Presidente da República, espera-se que essas normas possam ser revistas e aprimoradas, porque os efeitos de um licenciamento ambiental enfraquecido serão catastróficos para as atuais e futuras gerações.
Estamos à beira do colapso, a qualquer tempo podemos sofrer as consequências de uma catástrofe ambiental. O Pantanal sofre com os impactos das mudanças climáticas, o desmatamento, as queimadas, a expansão da agropecuária e de atividades como mineração e turismo predatório. Esses fatores resultam na diminuição da cobertura vegetal, o que compromete a integridade da bacia hidrográfica e prejudica a capacidade do bioma de fornecer serviços essenciais, como a regulação do clima, o controle de enchentes e a manutenção da biodiversidade.
Está em risco a característica marcante do Pantanal de ser uma planície alagável. A diminuição das áreas alagadas na região também é agravada pelo desmatamento de outros biomas. Os rios voadores da Amazônia ajudam a irrigar o Pantanal e o Cerrado, mas com menos área florestada na Amazônia, o potencial de levar chuvas para outras regiões é reduzido.
Com um licenciamento enfraquecido, perde-se a capacidade de realizar um controle prévio eficaz e de monitorar atividades com potencial impacto ambiental, tornando o processo um rito minimalista a ser cumprido. O licenciamento ambiental é essencial para acompanhar e controlar a realização de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e, assim, prevenir e mitigar os impactos em biomas, como o Pantanal.
É nesse contexto que é necessário enfatizar o princípio da proibição do retrocesso ambiental. Ele visa garantir a efetiva proteção das condições ambientais existentes, impedindo a regressão dos padrões de preservação já alcançados e estabelecidos em lei. Diante disso, ele deve ser invocado para avaliar a legitimidade de iniciativas legislativas que busquem diminuir o patamar de tutela do meio ambiente, o que é o caso do PL n° 2.159/2021.
O princípio da proibição do retrocesso ambiental é um chamado ético e político à responsabilidade intergeracional, um chamado pela não sanção dessa lei ou ao menos pela melhor regulamentação federal de pontos ainda obscuros.
Nathalia Peres Bernardes, Analista de Ciência e Tecnologia no Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP). Mestre em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente pela Universidade de Coimbra. Advogada e Engenheira Ambiental.