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VALORIZAÇÃO DA VIDA
O suicídio é a segunda maior causa de morte no mundo, de acordo com a OMS. Saiba como evitá-lo.
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A médica psiquiatra Martha Noal fala sobre a temática escolhida para V Encontro Regional de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio.
Setembro é o mês destinado a prevenção do suicídio, sendo conhecido como Setembro Amarelo. A campanha, iniciada em Brasília no ano de 2015, é uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV) e até hoje mobiliza ações, campanhas e materiais de promoção da vida.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a morte por suicídio é a segunda maior causa de mortes no mundo entre jovens de 15 a 29 anos. Anualmente, mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida. No Brasil, o número é de 11 mil suicídios por ano, em média, segundo dados de 2017 do Sistema de Informação sobre Mortalidade.
Os números são alarmantes e cresceram nos últimos anos. Entre 2011 e 2015, a taxa de mortalidade por suicídio aumentou de 5,3 para 5,7 a cada 100 mil habitantes no Brasil. Em um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 17% dos brasileiros já pensaram seriamente em dar um fim a sua vida.
Vários fatores podem levar uma pessoa a ter sentimentos suicidas, esses motivos podem ser culturais, religiosos ou pessoais. De acordo com a cartilha Falando Abertamente sobre Suicídio, realizada pelo CVV, o primeiro passo a ser dado como medida preventiva é a educação, derrubar tabus e compartilhar informações ligadas ao tema.
Foi no sentido de conscientizar e levantar reflexões sobre o assunto, que a programação do Setembro Amarelo de Santa Maria foi elaborada. Desse modo, das sete atividades previstas para o mês, o dia 26 vai ser destinado para o V Encontro Regional de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio. Com o tema Um olhar sobre a infância e a adolescência no contexto da pós-modernidade, o evento busca trazer para a agenda santa-mariense discussões sobre saúde mental e suicídio na juventude. Confira a entrevista com a médica psiquiatra Martha Noal, coordenadora da AFAB & Espaço Nise da Silveira.
Pessoas em risco de suicídio emitem sinais?
Geralmente emitem, mas muitas vezes são sinais sutis, são mudanças de atitudes. É preciso ficar atento a uma pessoa que fica mais reservada, mais calada, mais intimista. Ou àquelas que tomam providências objetivas, burocráticas, como comunicar senhas de banco, o cartório onde tem firma registrada, o local onde guarda os documentos pessoais. Isso tudo pensando em facilitar, após a morte, que algum familiar tenha acesso às suas questões burocráticas.
Então sim, há sinais, na maioria das vezes. São sinais de mudança, de ansiedade. Pessoas que fumam, passam a fumar mais. Outras ficam mais distraídas. Às vezes o sinal é estar muito bem. Pois pessoas que possuem uma ambiguidade entre tirar sua vida ou não, no momento em que decidem que vão realizar, ficam aliviadas com a decisão. A angústia estava no decidir. No momento em que a pessoa decide, ela fica aliviada. Pode ir trabalhar normalmente e ninguém perceber nada, mas logo após vem a suicidar-se.
Nas crianças e adolescentes, esses sinais são diferentes?
Nas crianças e nos jovens existe uma imaturidade pré-frontal, uma imaturidade no cérebro, de algumas conexões que estão sendo amadurecidas ainda, e isso faz com que crianças e adolescentes sejam mais impulsivos. Então existe uma diferença já estabelecida, que crianças e adolescentes tendem mais a se mobilizarem frente a eventos psicossociais que possam estar acontecendo. Nós adultos nos mobilizamos frente a uma tragédia, a um problema, mas a gente tem mais recurso e mais maturidade funcional para administrar isso. E o jovem não. Houve um problema e ele fica mais estabanado, mais impulsivo e tenta dar a solução rápida. Então, existe essa diferença que expõem as crianças e os adolescentes a um risco maior.
Existem pessoas que não emitem esses sinais?
Existe, mas não é o mais comum. O mais comum é que no inventário psicológico, se detecte que aquela pessoa não estava no seu funcionamento normal. Só que muitas vezes ela não deu nenhum sinal objetivo, mas ela está como falei antes: mais distraída, mais desconectada das coisas, mais “emsimesmada”. Aconteceu alguma tragédia, mas ela está com a tragédia dela, não se mobiliza como a gente com as ações e com as informações que estão rolando. Mas existe, na natureza humana, inumeráveis estados do ser, dizia a Nise da Silveira. Então sim, uns vão ir abruptamente, sem dar sinal nenhum, mas a maioria dá algum sinal, que muitas vezes só é enxergado depois que aconteceu.
O que podemos fazer, caso a pessoa demonstre algum grau de sofrimento?
A primeira coisa é conversar, dizer “Eu estou contigo, seja o que for que esteja acontecendo, estou aqui para te apoiar”. A colher a pessoa em sofrimento é muito importante. Não uma conversa impositiva, que tenha que sair com justificativas, com explicações. Às vezes a pessoa não quer dizer o que está acontecendo. Se tiver uma suspeita de que aquele sofrimento esteja levando a um risco de suicídio, a abordagem da família - o ideal, porque muitas vezes é difícil, a pessoa resiste a buscar ajuda - é mostrar para essa pessoa a importância de buscar um auxílio terapêutico. Pode ser um psicólogo, um psiquiatra.
Por que foi escolhido esse tema para o Encontro Regional deste ano?
Nós já estamos no quinto evento e, a cada ano, é dada relevância a um tema específico. Como a questão de infância e da adolescência tem sido muito pertinente na sociedade. No Brasil inteiro, se tem visto a vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes para riscos de adoecimento emocional, chegou a vez de tocarmos nesse ponto.
Em casos de crianças em risco de suicídio, o procedimento é o mesmo? Como a promoção da vida se dá?
Com criança e adolescentes é a atenção, o olhar, a disponibilidade. E essa construção não acontece quando as coisas não estão bem. A promoção da vida e a prevenção do suicídio se dá quando uma mãe amamenta seu bebê. Com olho no olho, com calor humano. A prevenção do suicídio se faz com a não exposição a violência. Está muito bem estabelecido na literatura que violência na infância expõem a transtornos emocionais na fase adulta. E quando eu falo em violência, eu estou falando em violência psicológica, violência física, violência sexual, ou negligência. O conceito de violência abrange tudo isso. Quer dizer, se uma pessoa negligenciar os cuidados, a amorosidade, a educação de um filho, ela está cometendo um ato de violência.
Como prevenir o suicídio?
Se previne o suicídio promovendo qualidade de vida. Nas crianças da forma que eu já dizia, ou seja, tendo uma qualidade na infância. Brincar é fundamental, saber construir, saber plantar uma sementinha, saber quanto tempo leva para nascer. Então se previne o suicídio desenvolvendo uma cultura de resiliência entre pessoas, desenvolvendo habilidades para solucionar problemas. Porque se um adolescente, por exemplo, passa por algum problema, ele vai ter forças de ego, estruturas para lidar com isso. Ele pode até sofrer, mas não precisa tirar sua própria vida por causa desse problema. Então a gente previne desenvolvendo nas pessoas, de preferência desde que elas se conheçam por gente, habilidades de tolerância à frustração, de autonomia, do lúdico. Aprender a brincar, porque brincar é partilhar. A jogar, porque no jogo tu tem que saber perder, esperar sua vez, saber as regras.
E em adultos, o que se pode fazer?
Em relação a adultos, a principal forma de prevenir o suicídio é propiciando sentidos para a vida, qualidade de vida, projetos de vida, que as pessoas não estejam cumprindo tarefas somente. Mesmo sendo um trabalho, que tenha sentido aquele trabalho para ela. Mas em um nível mais intensivo, digamos assim, existem vários métodos de prevenção do suicídio. Existem métodos mais universais e métodos mais focados naquelas pessoas que já estão com adoecimento. Um dos fatores de prevenção do suicídio para quem já tem o adoecimento é buscar uma ajuda profissional, mas antes, um fator universal é quebrar estigma. Porque se a pessoa tiver vergonha de procurar um psicólogo ou um psiquiatra para buscar ajuda, porque a sociedade em que ela vive é muito preconceituosa, ela não vai conseguir buscar. Então um dos fatores de prevenção universais é nós não termos preconceitos, ou tentarmos quebrar os preconceitos, quebrarmos os estigmas sociais, para que as pessoas tenham coragem para chegar aonde elas precisam chegar.
Falar abertamente com a pessoa sobre seus pensamentos suicidas pode influenciá-la a tentar o suicídio?
De forma alguma, isso é um grande mito. Pelo contrário, a gente não falar pode dificultar que essa pessoa resolva de uma forma mais saudável essa ambiguidade entre morrer e não morrer. Esse é um dos grandes mitos que a gente tenta quebrar “Quem avisa não faz” ou “Não fale para não dar ideia”. O suicídio é um fenômeno muito complexo e ninguém se mata porque teve a ideia numa conversa. Existe de fato o fator imitação, mas acontece quando as pessoas já estão com risco, já estão vulneráveis.
TEXTO: Amanda Xavier, acadêmica do Curso de Jornalismo da UFSM e bolsista da Unidade de Comunicação do HUSM.