A Primeira República e a Constituição

De uma Constituição escravocrata, da centralização política e da desigualdade formal entre homens mulheres, pobres e ricos saltamos em 24 de fevereiro de 1891 para uma República, na forma de nossa primeira Constituição republicana. Por óbvio, a mudança constitucional não significou a imediata alteração da realidade concreta subjacente a que estavam submetidos Estado e povo brasileiros. A cultura escravocrata, por exemplo, ainda resiste no Brasil, como previu Joaquim Nabuco e constatou Oliveira Vianna, nas suas análises sobre as instituições políticas brasileiras. Vianna olha para a sociedade e eis o elemento inovador de sua análise: temos tradição escravocrata, gostamos de privilégios e de sermos servidos; a tarefa de fundação de uma república será complexa demais e exigirá esforços especiais da classe política nacional.

Na sua reflexão “Da República”, Marco Túlio Cícero deixava evidente o conteúdo do sentido de república: “coisa do povo considerado como tal, não de todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum”. O que nos alcançou em 1891 foi esta tentativa.

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Do ponto de vista discursivo, não há como negar a relevância do novo texto constitucional e o salto que foi dado, em termos de aproximação com a democratização brasileira. Se ainda não havia voto das mulheres, o fim da escravidão, o direito de voto a todos alfabetizados do sexo masculino, independentemente de sua renda, a extinção da monarquia com seu poder moderador foram inegáveis avanços institucionais. A Constituição de 1981 trouxe o federalismo brasileiro. Um debate já alimentado pelo menos desde a segunda metade do século XIX, especialmente quando da discussão entre Aureliano Cândido Tavares Bastos e Paulino José Soares de Sousa, o Visconde de Uruguay. A descentralização, porém, foi dominada pelas oligarquias estaduais, conduzindo a estrutura política à “política dos governadores”, como ficou conhecida a República Velha. Tal organização teve a participação de todos os poderes, sem que tornasse possível ao País a decisão de construção de um projeto nacional de desenvolvimento rumo à industrialização, o que somente se dará após a Revolução de 1930 e a subsequente Era Vargas.

A República Velha, do “café com leite”, por outro lado, abriu o horizonte nacional para a construção da modernidade e do pluralismo político. A recepção de estrangeiros perseguidos politica e/ou religiosamente; a fundação de partidos políticos vinculados aos movimentos do começo do século XX; as garantias individuais reforçadas pela doutrina brasileira do habeas corpus aplicada e formulada no Supremo Tribunal Federal são tópicos que não podem ser relevados e destacam a luta pela ampliação da democracia brasileira. A Semana da Arte Moderna de 1922 não se restringiu somente a um evento cultural. Foi um evento com significado político que revelou a inspiração dos temas nacionais para a cultura. Não por acaso que a primeira obra sociológica de grande fôlego, a enxergar na miscigenação brasileira um aspecto positivo – e não a causa de nossos atrasos - viria em 1933: Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.

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O sentido mais significativo da ideia republicana de 1891 será aquele da prevalência do público sobre o privado. Se este ponto ainda é um desafio, a ideia posta em vigência ente nós, ao final do século XIX, foi alvissareira e moderna. Esta tradição de ideias alimentou a criação que se tem até hoje: transparência, desenvolvimentismo nacional, defesa do interesse e das riquezas nacionais, dirigismo constitucional, todos estes temas tiveram seu marco na reflexão primeira de uma Constituição que, se não os mencionou expressamente em suas linhas, não limitou a sua futura inclusão e recepção no constitucionalismo brasileiro.

Como não se pode julgar o passado com o metro do presente, não há como desconhecer esta contribuição de 1891 para o Brasil, ao mesmo tempo que também não se pode absolver a mesma Constituição de suas imperfeiçoes e dessintonias com a modernidade de seu tempo.

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