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SAÚDE MATERNO-INFANTIL
Pesquisa revela presença de metais pesados em recém-nascidos
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Rio de Janeiro (RJ) – Celebrado em 14 de agosto, o Dia do Combate à Poluição levanta um alerta sobre os impactos dos poluentes ambientais na vida cotidiana. No Brasil, um dos maiores estudos sobre esse tema acontece dentro da rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh): é o Projeto Infância e Poluentes Ambientais (PIPA), desenvolvido na Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Focado na saúde materno-infantil, o PIPA acompanha cerca de 800 crianças nascidas entre julho de 2021 e julho de 2022, desde a gestação até os quatro anos de idade.
Metais tóxicos foram encontrados em recém-nascidos
O objetivo do PIPA é compreender como a exposição pré e pós-natal a contaminantes como metais pesados, pesticidas, microplásticos e substâncias com potencial desregulador endócrino influenciam o desenvolvimento neurológico, o crescimento, o risco de doenças respiratórias e até mesmo o comportamento infantil.
Destaca-se a alta prevalência de metais tóxicos em recém-nascidos: chumbo foi detectado em 99% das amostras de sangue do cordão umbilical analisadas; mercúrio, em 94,5%; arsênio, em 61%; e cádmio, em 15%. Em um dos estudos conduzidos pela equipe, essas exposições foram associadas a alterações no desenvolvimento neurológico das crianças, com um terço dos bebês apresentando pelo menos uma falha nos testes de triagem do neurodesenvolvimento, aplicados nos primeiros meses de vida.
Segundo o estudo, o mercúrio está associado ao consumo de peixe pela gestante durante a gravidez. Já o arsênio e o chumbo têm uma correlação mais significativa com o tabagismo, não apenas quando a própria gestante fuma, mas também com a chamada exposição passiva, ou seja, quando há fumantes no ambiente doméstico.
Além disso, a coordenadora geral do PIPA e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, Carmen Fróes Asmus, explica que há uma associação esperada entre altos níveis de chumbo e a exposição a áreas com tráfego intenso. “A alta densidade urbana aliada ao baixo percentual de áreas verdes foi um dos principais fatores associados aos níveis elevados de chumbo encontrados em gestantes”, pontua.
O que importa mais é o território, não a renda
Carmen pondera que algum nível de exposição a metais é esperado, o problema é o excesso de resíduos gerado pelo nosso modelo de desenvolvimento. “Os metais existem na crosta terrestre desde antes de existir o ser humano como tal. Então, a gente tem normalmente uma exposição a metais. Porém, nossa sociedade tem uma lógica de produção e consumo, que gera uma quantidade absurda de resíduos, acima das concentrações que o nosso organismo é capaz de metabolizar e excretar”, explica.
Há uma tendência de se associar esse tipo de exposição apenas a populações de baixa renda. No entanto, outro dado foi observado na pesquisa. “Quando analisamos a exposição aos metais, não observamos diferenças significativas nos níveis de exposição em função da renda, raça autodeclarada, nem por escolaridade. A única diferença consistente observada, ao considerar fatores socioeconômicos clássicos, foi em relação à zona de moradia, ou seja, ao território, e isso está diretamente relacionado à proporção de áreas verdes”, esclarece a professora.
Ganho de peso infantil e os efeitos dos metais no metabolismo
Pesquisadores do PIPA observaram ainda que as crianças que apresentaram, durante a vida intrauterina, concentrações acima da mediana de chumbo, arsênio e mercúrio, tiveram maior ganho de peso. “Esses metais parecem atuar como disruptores endócrinos. Isso significa que eles têm a capacidade de alterar o metabolismo hormonal e endócrino. Estamos dosando os hormônios dessas crianças para tentar entender o que exatamente está sendo alterado, pois todo e qualquer processo de adoecimento é sempre multicausal”, afirma Carmen.
Envolvimento das famílias e impacto social do estudo
O projeto possui uma alta taxa de retorno, cerca de 70%, ao longo dos atuais quatro anos de existência. Foi criado ainda um conselho de mães para receber comentários sobre o projeto, do qual Ester Moura, 32 anos, faz parte. “Eles têm um carinho e um cuidado muito grande com a gente. Ouvem e absorvem nossas ideias. Além disso, esse estudo é para o bem do nosso filho. É até um privilégio, porque nossos filhos estão sendo acompanhados e estudados, mas com um objetivo maior que é melhorar a situação de outras crianças também, né?”, comenta Ester, que participa do projeto desde o pré-natal.
Resíduos do passado ainda presentes
A persistência de poluentes banidos há décadas também foi evidenciada. Amostras de sangue materno e do cordão umbilical apresentaram vestígios do inseticida DDT e de bifenilas policloradas (PCBs), substâncias proibidas no Brasil desde os anos 1980, mas que continuam presentes no meio ambiente e na cadeia alimentar.
Além de contribuir para o conhecimento científico, o PIPA desempenha um papel estratégico na formação de recursos humanos. Mais de 100 estudantes participam diretamente da iniciativa, entre bolsistas de iniciação científica, mestrandos, doutorandos e pós-doutores. Os dados gerados pelo projeto também poderão embasar políticas públicas que integrem variáveis ambientais às estratégias de vigilância e promoção da saúde infantil.
Sobre a Ebserh
A Maternidade Escola faz parte do Complexo Hospitalar da UFRJ, gerido pela Ebserh desde junho de 2024. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por Claudia Holanda e Felipe Monteiro, com edição de Danielle Campos
Coordenadoria de Comunicação Social da Rede Ebserh