Energia escura dinâmica? Novo estudo sugere evolução ao longo do tempo

Novos resultados do Dark Energy Spectroscopic Instrument - DESI (Instrumento Espectroscópico de Energia Escura) trazem indícios de que a energia escura, responsável pela expansão acelerada do Universo, pode estar variando ao longo do tempo. A descoberta desafia o Modelo Cosmológico Padrão, que considera a energia escura como uma constante cosmológica.

O estudo foi publicado por uma colaboração internacional de mais de 900 cientistas, desenvolvidos pelo Laboratório Nacional de Berkeley (Berkeley Lab), e utilizou o maior mapa tridimensional do Universo já feito para rastrear a influência da energia escura ao longo dos últimos 11 bilhões de anos.

De acordo com os pesquisadores, os resultados do estudo, quando combinados com outras medições, mostram que a densidade de energia escura pode estar variando ao longo do tempo, em contradição ao comportamento esperado pela constante cosmológica de Einstein. Essas outras medições incluem um fundo de radiação remanescente do universo primordial (radiação cósmica de microondas), explosões de estrelas (supernovas) e como a luz de galáxias distantes é distorcida pela gravidade (lenteamento fraco).

Com isso, o modelo padrão de como o universo funciona pode precisar de uma atualização.

DESI mapeia objetos distantes para estudar energia escura. O instrumento está instalado no Telescópio Mayall, mostrado na imagem. (Crédito: KPNO/NOIRLab/NSF/AURA/B. Tafreshi) 

Conforme destacou o Dr. Jailson Alcaniz, diretor do Observatório Nacional e pesquisador em Astronomia com foco em Cosmologia, se esses resultados forem confirmados estaremos diante de uma nova revolução na cosmologia:

“Os resultados da colaboração DESI são, no mínimo, bastante intrigantes. Eles não apenas indicam evidências de uma energia escura dinâmica — em contraste com a constante cosmológica proposta por Einstein — como também sugerem que a densidade dessa componente aumenta com a expansão do universo (!). Naturalmente, esses resultados serão analisados por diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo e poderão ou não ser confirmados. Caso se confirmem, estaremos diante de uma nova revolução na cosmologia, com profundas implicações para a física fundamental — tal como ocorreu em 1998, com a descoberta da expansão acelerada do universo.”

DESI é um instrumento de última geração e pode capturar luz de até 5.000 objetos celestes simultaneamente. (Crédito: Marilyn Sargent/Berkeley Lab)

A hipótese de uma energia escura em evolução surge da combinação dos dados do DESI com outras medições, incluindo a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, supernovas e lentes gravitacionais fracas. Embora os resultados ainda não tenham alcançado o “padrão ouro” de confiabilidade de 5 sigma, eles variam entre 2,8 e 4,2 sigma, sugerindo que algo novo pode estar sendo revelado sobre o cosmos.

“É empolgante pensar que podemos estar à beira de uma grande descoberta sobre a energia escura e a natureza fundamental do nosso universo”, afirmou Alexie Leauthaud-Harnett, porta-voz do DESI e professora da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.

“Parece cada vez mais provável que precisemos modificar nosso modelo padrão da cosmologia para que esses diferentes conjuntos de dados façam sentido juntos”, explicou Will Percival, professor da Universidade de Waterloo e também porta-voz do DESI.

O Doutor em Astronomia e Física do Observatório Nacional, Carlos Bengaly, destacou a importância dessa descoberta:

"Esta descoberta recente do DESI pode ser realmente transformadora para a cosmologia, pois pode indicar uma quebra de paradigma tal qual a descoberta da aceleração cósmica em 1998. Entretanto, há de se ter cuidado com possíveis erros sistemáticos e inconsistências entre diferentes conjuntos de dados cosmológicos -- algo que eu penso que será esclarecido em breve, com mais análises e dados a vir."

A nova análise, baseada nos três primeiros anos de observação, inclui quase 15 milhões de galáxias e quasares. Entre os pesquisadores envolvidos, destaca-se o Dr. Uendert Andrade, doutor em Astronomia e Astrofísica pelo Observatório Nacional (ON/MCTI) e membro da colaboração DESI. O pesquisador, que atualmente realiza pós-doutorado na Universidade de Michigan - EUA,  tem desempenhado um papel de liderança na análise dos dados e na interpretação dos resultados do DESI, ajudando a refinar as medições da energia escura e suas possíveis variações ao longo do tempo. 

"Os novos resultados do DESI DR2 representam um marco na cosmologia observacional. Estamos desvendando detalhes fundamentais sobre a evolução do universo com uma precisão nunca antes alcançada — um momento histórico! Participar desse processo tem sido uma experiência única e inspiradora. Foi incrível estar entre as poucas pessoas no mundo a saber dos resultados antes mesmo de serem divulgados para toda a colaboração DESI. É gratificante fazer parte desse esforço coletivo para desvendar os mistérios do universo. Será especialmente interessante verificar se os dados finais e definitivos do DESI, assim como de outros levantamentos, confirmarão estas descobertas", acrescenta o Dr. Uendert Andrade.

O instrumento DESI, montado no telescópio Nicholas U. Mayall, no Observatório Nacional de Kitt Peak, no Arizona, é um dos mais avançados para o estudo do cosmos. Ele pode captar simultaneamente a luz de 5.000 galáxias e está previsto para medir cerca de 50 milhões de galáxias e quasares até o fim do projeto.

Os pesquisadores seguem analisando os resultados e aguardam dados complementares de outros experimentos nos próximos anos.

“Seja qual for a natureza da energia escura, ela moldará o futuro do nosso universo. É impressionante que possamos olhar para o céu com nossos telescópios e tentar responder a uma das maiores questões que a humanidade já fez”, concluiu Michael Levi, diretor do DESI e cientista do Berkeley Lab.

Os resultados foram apresentados na reunião da American Physical Society (APS) e estão disponíveis para consulta. O conjunto de dados também será disponibilizado para a comunidade científica, permitindo novas pesquisas sobre a estrutura do universo e a natureza da energia escura.

A colaboração começará em breve a trabalhar em análises adicionais para extrair ainda mais informações do conjunto de dados atual. Além disso, o DESI continuará coletando dados e outros experimentos que entrarão em operação nos próximos anos também fornecerão conjuntos de dados complementares para análises futuras.

Para mais informações acessem o site do Berkeley Lab: https://newscenter.lbl.gov/2025/03/19/new-desi-results-strengthen-hints-that-dark-energy-may-evolve/