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DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Apoio familiar e acompanhamento multiprofissional fazem a diferença no tratamento da doença
A data, que vem logo após o carnaval, pode até parecer irônica. Mas é importante lembrar que o uso abusivo e dependente do álcool e outras substâncias é, sim, uma doença. “Sabemos que até 80% das pessoas usuárias de algum tipo de substância que ocasione prejuízos em sua saúde e/ou funcionalidade apresentam alguma doença psiquiátrica associada”, afirma o psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília, da Universidade de Brasília (HUB-UNB/ Ebserh), Guilherme Veiga.
O médico atua no Serviço de Estudos de Álcool e outras Drogas (SEAD) do HUB-UNB, que oferece acompanhamento e tratamento àqueles com demandas relacionadas ao uso de substâncias psicoativas. Veiga alerta que o uso de drogas lícitas ou ilícitas por pessoas menores de 18 anos configura um grande fator de risco para o possível desenvolvimento de transtorno, seja na adolescência ou na idade adulta.
PÓS-PANDEMIA
O especialista do HUB-UNB adverte que estamos vivenciando reflexos da pandemia. “Ainda estamos lidando com as consequências daquelas pessoas que iniciaram o uso disfuncional de substâncias psicoativas durante a pandemia ou que aumentaram o seu consumo durante esse período. Temos lidado, também, com aquelas pessoas já abstêmias antes da pandemia, mas que voltaram a usar a substância neste período”, frisa.
Alexandre de Rezende, psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Álcool e Drogas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/ Ebserh), concorda que a pandemia trouxe uma certa modificação no padrão de consumo, inclusive aumentando a prevalência de alcoolismo entre mulheres.
“Pode ser que, daqui a alguns anos, a gente venha a perceber o aumento da prevalência da dependência de álcool. Tivemos com a pandemia um aumento do consumo de ansiolíticos (calmantes utilizados para tratamento de ansiedade), assim como de maconha e outras substâncias. Então, o impacto que isso ocasiona é a possibilidade de aumento da prevalência da dependência dessas substâncias”, afirma Alexandre.
CIGARRO x CIGARRO ELETRÔNICO
Segundo os especialistas, é possível notar a redução do tabagismo e a prevalência do alcoolismo. Em contrapartida, é possível notar aumento no consumo de cigarros eletrônicos, principalmente na população mais jovem.
“Esse aumento do uso de cigarro eletrônico, além de ter um impacto na saúde mental, no sentido de levar uma maior dependência do cigarro, tem impactos importantes da saúde, como problemas respiratórios, dentre outros problemas de saúde física”, salienta o psiquiatra do HU-UFJF.
ACOMPANHAMENTO MULTIPROFISSIONAL
O psiquiatra no ambulatório do HU-UFJF alerta que a dependência química não é somente o uso disfuncional de substâncias, é uma doença, um transtorno mental muito grave, que pode causar um impacto muito significativo para a vida da pessoa e de muito difícil abordagem. Por isso, se faz necessária uma boa intervenção por uma equipe multiprofissional, para abordar esse problema complexo, com os múltiplos olhares.
O psiquiatra em Brasília defende a mesma ideia: “ao falarmos sobre dependência de substâncias o acompanhamento psicológico é imprescindível para maiores taxas de sucesso. Porém, tal trabalho em conjunto não se dá apenas entre Psiquiatria e Psicologia, mas, também, há extrema necessidade do Serviço Social, Enfermagem e Terapia Ocupacional. Isto não significa que a pessoa atendida necessitará, obrigatoriamente, de cada um desses profissionais, mas, sim, que eles estarão disponíveis para abordar o paciente e para elaborar um projeto terapêutico viável para cada etapa do tratamento”.
FAMILIARES E AMIGOS
Você já deve ter ouvido que a família toda também adoece quando há um dependente químico no núcleo familiar, por isso adotar uma postura de acolhimento, suporte e compreensão é sempre o primeiro passo.
O psiquiatra Alexandre explica que existem múltiplas variáveis influenciando esse consumo: questões biológicas, genéticas, predisposições, relacionadas com aspectos de personalidade e aspectos ambientais envolvidos.
Os especialistas concordam ser necessário a família compreender que a dependência de substâncias psicoativas não é uma escolha, mas uma doença complexa, que precisa ser tratada. Alexandre explica: “É claro que também não é aceitar todos os comportamentos. Muitas vezes a família acaba se colocando numa posição até de dependência. A gente percebe claramente em estudos e na prática que, quando a família acolhe de maneira adequada, estando presente no tratamento, a chance de uma recuperação, de uma evolução satisfatória, é muito maior. Então, é fundamental a participação da família e dos amigos”.
“Ofertar ajuda emocional, mas também diretiva, mostrando que a pessoa necessita de suporte profissional, sendo possível sair daquela situação, é importante. Para familiares e amigos, são necessárias também a paciência e a compreensão para se lembrar que não é sempre na primeira oferta de ajuda que o paciente a aceitará”, defende o psiquiatra do SEAD.
CONSEQUÊNCIAS
Guilherme chama a atenção para, do ponto de vista neuropsiquiátrico, no geral, o comportamento aditivo ser semelhante entre as substâncias psicoativas, independentemente da substância. “Isto porque a área de recompensa em nosso cérebro e os neurotransmissores envolvidos no prazer e bem-estar são os mesmos. Porém, para o organismo, as repercussões irão depender da substância consumida e da via utilizada para o consumo, por exemplo, se via oral, inalatória, injetável etc.”. Cada substância tem um padrão de consequências nocivas para o organismo. No álcool, desde problemas hepáticos (esteatose hepática, cirrose hepática), problemas pancreáticos, dificuldade de controle da pressão arterial, deficiências nutricionais, até problemas neurológicos.
PROCURE AJUDA
Se identificar como dependente não é tarefa simples. Mas os especialistas alertam para não ignorar qualquer tipo de incômodo: para você, para as pessoas que estão ao seu redor, seu funcionamento no trabalho ou seu relacionamento com a sua família. Para identificar a presença de sintomas de abstinência, é necessário observar: a tolerância (que é a necessidade de usar quantidades cada vez maiores daquela substância, para obter o mesmo efeito), ou uma perda do controle sobre a quantidade que se usa e a hora de parar; uma vontade muito grande de usar; aumento do tempo gasto, seja pra usar substância ou para se recuperar dos efeitos; negligência contra outros interesses e atividades e a necessidade de continuar usando as substância mesmo diante da percepção das consequências nocivas desse uso.
“É muito importante destacar que o uso de álcool, de tabaco e, até mesmo, de substâncias consideradas ilícitas estão presente na nossa sociedade, de alguma forma na nossa cultura e, muitas vezes, é difícil para o próprio indivíduo perceber o quanto aquilo está impactando negativamente a sua vida. Então, quando você percebe que está perdendo o controle e prejudicando sua capacidade de determinação, significa estar na hora de pedir ajuda”, afirma o coordenador do Ambulatório de Álcool e Drogas do HU-UFJF.
Alexandre tranquiliza, ressaltando ser o mais importante lembrar que há tratamento. “Existem formas de você fazer o enfrentamento dessas substâncias. Então, o mais importante é ter um espaço de acolhida, em que você pode receber apoio, ajuda e suporte para enfrentamento dessa condição”. Guilherme finaliza: “Quanto antes se der o início do acompanhamento, menores serão as repercussões clínicas, funcionais e interpessoais”.
Sobre a Ebserh
O Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) faz parte da Rede Ebserh desde 2014. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.