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CIÊNCIA
Laboratório de Neuroimagem do Huol-UFRN/Ebserh é referência em pesquisas para tratamento da depressão
O Laboratório de Neuroimagem do Hospital Universitário Onofre Lopes, vinculado ao Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e à Rede Hospitalar Ebserh (Huol-UFRN/Ebserh), é um dos seis integrantes do Núcleo Avançado de Pesquisa e Inovação Tecnológica em Saúde (NAPS). Desde 2009, estrutura funciona no RN.
Sob coordenação do prof. Dráulio Barros de Araújo, tem como propósito avaliar os efeitos antidepressivos de substâncias psicodélicas, e as bases fisiológicas desses efeitos. Atualmente, o laboratório atua em duas linhas de pesquisa e conta com equipe de quatro pesquisadores.
Linhas de pesquisa e técnicas de neuroimagem
Uma das linhas de pesquisa do Laboratório de Neuroimagem tem como objetivo avaliar aspectos do funcionamento do cérebro, de maneira não-invasiva. “Um dos processos fundamentais da neurociência é entender o funcionamento do cérebro ao desempenhar certas tarefas”, enfatiza o coordenador do laboratório.
Nesse contexto, os pesquisadores utilizam técnicas de neuroimagem funcional, para identificar características do funcionamento do cérebro, tais como:
1. Equipamento de eletroencefalografia: composto por touca com eletrodos capazes de detectar a atividade dos neurônios, propiciando identificar alguns aspectos de funcionamento do cérebro.
2. Estimulação magnética transcraniana: equipamento permite a neuroestimulação de áreas específicas, identificando impacto causado em cada região estimulada, e possibilitando identificar a função daquela região cerebral específica.
3. Imagem funcional por ressonância magnética: técnica mais utilizada pelo laboratório, cujo equipamento de ressonância magnética monitora enquanto paciente executa tarefas conforme objetivos de cada estudo. Foco é identificar centros cerebrais relacionados com cada tarefa, constatando quais regiões tiveram aumento de atividade ao longo do desempenho. Todas as técnicas são complementares entre si e o domínio dessas ferramentas possibilita conhecer características de funcionamento do cérebro.
Histórico
O Laboratório de Neuroimagem iniciou suas atividades em 2002, na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Desde então, abordou diferentes objetos de estudo, como processos de memória, epilepsia, AVC, atenção, regulação da emoção, processamento de dados, entre outros. Em 2009, quando se mudou para Natal, o grupo de pesquisa estabeleceu foco único no estudo das substâncias psicodélicas, especificamente a ayahuasca.
Ayahuasca
A ayahuasca é um chá feito da mistura de plantas amazônicas. Comumente utilizada em rituais religiosos, representa sacramento em três religiões brasileiras: União do Vegetal, Santo Daime e Barquinha. Seu uso altera as funções cognitivas.
Primeiros estudos
O primeiro objetivo da pesquisa do Laboratório de Neuroimagem foi identificar as bases neurais do efeito da ayahuasca. A experiência inicial recrutou voluntários com pelo menos 15 anos de uso da substância. Vários deles relataram a reversão de quadros severos de dependência química, depressão e alcoolismo, graças ao uso da ayahuasca em suas religiões. Todos os participantes passaram por ressonância magnética, para comparativo dos estados sem efeito da ayahuasca e pós ingestão da mesma.
Os resultados indicaram alterações no sistema visual dos voluntários – quando sob efeito da ayahuasca, a atividade visual é indistinguível, seja de olhos abertos ou fechados. O trabalho rendeu a publicação de um artigo chamado “Seeing with the eyes shut” (“Vendo com os olhos fechados”, em tradução livre). Observou-se que a experiência visual da pessoa de olhos fechados segue idêntica à verificada quando de olhos abertos.
A partir dessas conclusões, uma segunda linha de pesquisa foi aberta, em 2008, com o objetivo de avaliar o benefício terapêutico da ayahuasca em uma patologia específica: a depressão. Agora, ao invés de voluntários experientes com o uso da substância, foram selecionadas pessoas com depressão resistente ao tratamento medicamentoso e que jamais haviam experimentado substâncias psicodélicas.
A depressão refratária ou resistente ao tratamento é caracterizada pela utilização de dois ou mais antidepressivos, em dose plena, sem melhoras. De acordo com o médico psiquiatra e coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria do Huol, Emerson Arcoverde Nunes, aproximadamente 1/3 dos pacientes sofrem com essa condição. “Essas pesquisas podem tornar-se alternativas viáveis do ponto de vista logístico para esses pacientes”, afirma o especialista.
O estudo relacionado com a depressão identificou melhora significativa com apenas um dia após a sessão com ayahuasca, além da manutenção dos benefícios ao longo dos 21 dias de acompanhamento do estudo. Para o professor Dráulio, “a melhora rápida dos pacientes é um dos aspectos mais relevantes da pesquisa, pois todas as medicações antidepressivas convencionais demoram na ordem de 15 dias para surtir efeito. Na Psiquiatria, é importante existir tratamentos de resposta rápida, diminuindo os riscos de suicídio dos pacientes. E até existem alternativas de resposta rápida, mas que são limitadas em termos de acesso ao tratamento”, explica o cientista.
Ampliação da pesquisa e uso de placebo
De janeiro de 2014 a junho de 2016, o grupo de pesquisadores realizou novo ensaio, ampliando quantitativo de voluntários e introduzindo o placebo na pesquisa. “Cada pessoa vinha ao Huol e ficava quatro dias, dormia duas noites, fazia uma bateria de exames e a intervenção com ayahuasca/placebo. Foram 85 semanas de coleta de enorme quantidade de dados”, explica o pesquisador.
O placebo criado reproduzia características e sintomas presentes na ayahuasca. “O placebo produz vários sintomas presentes na ayahuasca, como náusea e vômito. Reproduzimos a cor marrom do chá da ayahuasca e características do paladar e olfato, como azeda, amarga e com gosto de terra”, descreve Dráulio.
O ensaio encontrou dados que relacionam o quadro de depressão com um processo inflamatório. "O que percebemos é que boa parte dos pacientes apresentava marcadores de inflamação muito elevados, antes da intervenção com a ayahuasca. Assim, estabelecemos correlação entre os marcadores anti-inflamatórios e os sintomas de depressão. Ou seja, os pacientes que mais reduziram os marcadores de inflamação, foram os que mais melhoraram”, aponta.
O médico psiquiatra do Huol destaca que este estudo obteve bons resultados com os pacientes em tratamento contra depressão, que seguem em acompanhamento pelo Huol. “Tivemos casos com mais de seis meses de efeito, com pacientes que seguiam bem, incluindo praticamente inexistir efeitos colaterais. No acompanhamento dos pacientes, percebemos a persistência da melhora, com boas evoluções na maioria dos casos”, avalia Emerson Arcoverde.
Substâncias presentes na ayahuasca
A ayahuasca possui alta concentração da substância dimetiltriptamina (DMT). O DMT é uma triptamina (semelhante a serotonina e dopamina) e está presente no organismo humano e em outras plantas. Quando o DMT é ingerido, a substância é automaticamente degradada por uma enzima (monoaminoxidase) ao chegar no estômago. Os indígenas misturaram a ayahuasca com outra planta contendo inibidores da enzima (IMAO - inibidores da monoaminaoxidase). A substância conhecida por ser psicodélica é a dimetiltriptamina (DMT).
Próximos passos
Os próximos trabalhos do Laboratório de Neuroimagem envolvem, além da continuidade na análise de dados do último estudo, o entendimento da origem do efeito antidepressivo obtido com a ayahuasca. “Já começamos a trabalhar na perspectiva de continuidade. Temos um composto rico em DMT e IMAO. Queremos descobrir quem é o responsável pelo efeito antidepressivo", esclarece o professor Dráulio.
Considerando que já existem antidepressivos com base nos inibidores IMAO, o laboratório almeja realizar um ensaio clínico utilizando a DMT em pacientes com depressão resistente ao tratamento. “Vamos testar outra via de administração – a intramuscular. Com a injeção da DMT, você terá um efeito agudo na ordem de 1 hora. O próximo passo é tentar encurtar esse efeito usando uma formulação inalada. Com a formulação inalada, a DMT tem o efeito psicodélico na ordem de 15 minutos”, explica o pesquisador.
Hoje, os estudos do laboratório estão na fase II de pesquisa clínica. Quando em fase III, o laboratório recrutará um número ainda maior de pacientes. “Dentro dessa perspectiva, o estudo tem conexão direta com a projeção da Ebserh, pois a rede hospitalar tem sob seu guarda-chuva um número enorme de hospitais universitários. Para fase III, será fundamental um apoio institucional organizado e direcionado para conduzir o trabalho de forma coordenada”, analisa o professor.
Importância da pesquisa e impacto na assistência
O Huol-UFRN/Ebserh oferece aos pacientes com depressão diferentes possibilidades de tratamento, tanto convencional quanto alternativas experimentais. “É importante contar com outras opções de tratamento. Ao mesmo tempo que contribuímos para o conhecimento e evolução das pesquisas, nossos pacientes são beneficiados com novas opções de cuidado”, analisa o psiquiatra Emerson Arcoverde.
Para o coordenador do Neuroimagem, “o hospital já ocupa espaço de vanguarda, que nos torna referência internacional em protocolos experimentais para tratamento da depressão. O Huol tem condição de oferecer aos pacientes do tradicional ao que há de mais vanguarda”.
Para a Unidade de Atenção Psicossocial do hospital, esta pesquisa foi um marco para evolução do serviço em Psiquiatria. “Quando os estudos iniciaram, ainda não tínhamos um ambulatório específico para tratamento da depressão. Assim, o Ambulatório de Depressão do hospital veio da necessidade dos estudos”, explica o médico psiquiatra Emerson Arcoverde.
De acordo com o coordenador do Laboratório de Neuroimagem, a criação do Ambulatório é comprovação do impacto da pesquisa no hospital, “pois a pesquisa contribui diretamente para extensão e assistência", destaca professor Dráulio.
Curiosidade
O cientista Dráulio Barros de Araújo participou de um dos episódios do documentário “A Indústria da Cura”, disponível na plataforma de streaming, Netflix. A série apresenta tratamentos alternativos para diferentes condições humanas e um dos episódios trata especificamente sobre o uso da ayahuasca em centros de terapia e igrejas. “Fomos convidados para fazer parte do documentário, para apresentar o aspecto científico dos efeitos da ayahuasca no cérebro, assim como os tratamentos alternativos existentes, através dos ensaios clínicos”, explica o professor.
Sobre a Rede Ebserh
O Huol faz parte da Rede Hospitalar Ebserh desde agosto de 2013. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi criada em 2011 e, atualmente, administra 40 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência.
Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e, principalmente, apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas. Devido a essa natureza educacional, os hospitais universitários são campos de formação de profissionais de saúde. Com isso, a Rede Ebserh atua de forma complementar ao SUS, não sendo responsável pela totalidade dos atendimentos de saúde do país.