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INOVAÇÃO
Hospital da Ebserh usa larvas para melhorar a cicatrização de feridas
Foto: Trata-se de uma técnica de desbridamento biológico, ou seja, da limpeza e retirada dos tecidos mortos de feridas
Natal (RN) – José Damasceno de Aquino tem 50 anos e é morador do município de Santa Cruz, na região agreste do Rio Grande do Norte. Transplantado de rins e diabético, tinha um ferimento no pé que não cicatrizava e cuja infecção se agravava. A situação do paciente levou à necessidade de amputação do pé que poderia se estender à perna (incluindo a coxa), se não fosse a Terapia Larval, um tratamento inédito no país, realizado apenas no Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte e à Rede Ebserh.
José Damasceno está entre os 18 pacientes que já receberam esse tratamento no Huol. Trata-se de uma técnica de desbridamento biológico, ou seja, da limpeza e retirada dos tecidos mortos de feridas, reduzindo a quantidade de microorganismos nelas existentes e contribuindo no processo de cicatrização. Popularmente aplicada em países como Alemanha, Holanda, Estados Unidos, Israel, Canadá e México, a técnica consiste na utilização de larvas de moscas vivas, esterilizadas em laboratório, aplicadas sobre as feridas, que digerem apenas o tecido morto da ferida, mantendo o tecido vivo intacto e estimulado a cicatrizar. A espécie de mosca utilizada se chama Chrysomya megacephala.
De acordo com a enfermeira e coordenadora da Comissão de Curativos do Huol, Julianny Barreto, as larvas atuam na cicatrização das feridas porque, ao se alimentarem de bactérias e tecido necrosado, estimulam a produção de tecido de cicatrização. Elas esterilizam o material que passa por seu tubo digestivo e secretam agentes terapêuticos, como a alantoína e uréia. Para a enfermeira, o diferencial da aplicação desta técnica, em detrimentos das demais, está na otimização do tratamento. “A relevância da Terapia Larval é que você consegue combater processos infecciosos locais. Damos ao portador de uma ferida crônica complexa a possibilidade de ver uma luz no final do túnel”, ressaltou.
José Damasceno comemorou a melhora. “Tive a proposta de fazer a Terapia Larval e eu aceitei. Recomendo para quem precisar fazer, porque eu estou muito bem. A terapia foi quem salvou a minha perna”, afirmou.
Pioneirismo
A Comissão de Curativos do Huol é destaque no Brasil por ser a única unidade médica no país a oferecer a Terapia Larval como um método de tratamento para os pacientes. Isso se deu pela parceria entre o Huol e o Laboratório de Insetos e Vetores, que funciona no Centro de Biociências da UFRN. “Eu já conhecia a Terapia Larval, e pensei que seria uma boa ideia desenvolver aqui [no Huol]”, lembra Renata Antonaci, entomóloga responsável pelo Laboratório.
Dinâmica de trabalho
Os pesquisadores do Laboratório de Insetos e Vetores coletam as moscas em campo, e, depois, as criam no laboratório, onde se alimentam de uma dieta específica com o objetivo de estimular que a fêmea ponha ovos. A partir desses ovos, começa a criação das larvas.
A quantidade de larvas utilizadas em cada aplicação depende do tamanho da lesão do paciente e do estoque que o laboratório vai disponibilizar. As larvas são aplicadas na lesão, e então é feito um curativo, colocando uma gaze não aderente e umidificada por soro em cima das larvas, seguida de uma gaze seca e atadura. Os pacientes assinam um termo de consentimento que garante que eles serão submetidos a terapia até o momento em que assim permitirem.
“Em seis anos de aplicabilidade de Terapia Larval não tivemos nenhuma recusa. Os pacientes se encantam mais do que nós profissionais, porque era a saúde deles que estava em jogo. Conseguimos por meio do nosso trabalho desmistificar o asco em relação ao uso do inseto no ser humano”, comemora Julianny.
Para as profissionais que trabalham com a terapia no Huol, o principal empecilho para que a Terapia Larval seja amplamente aplicada nos serviços de saúde no país é o preconceito. Julianny Barreto diz que é preciso desmitificar a mosca como algo sujo. “O fato dela ser vista como algo asqueroso é o maior empecilho para que a gente consiga fazer Terapia Larval no resto do país”.
Perspectivas
Com a proposta de otimizar o trabalho da equipe de enfermagem, Bruno Santana e Bruno Mota, professores do Instituto Metrópole Digital (IMD) e do Departamento de Informática e Matemática Aplicada (Dimap), respectivamente, contribuem com o trabalho de Julianny Barreto e Renata Antonaci, compondo uma equipe multidisciplinar que alia Biologia, Saúde e computação.
O primeiro fruto dessa parceria foi o trabalho de Conclusão de Curso do estudante de Tecnologia da Informação da UFRN, Vitor Marques. O estudante realizou um estudo sobre um algoritmo capaz de identificar os tipos de tecidos presentes numa lesão, e, a partir disso, desenvolveu um aplicativo para smartphone que realiza a aferição da área de necrose e indica quantas larvas e aplicações devem ser realizadas em cada paciente.
“O cálculo de larvas que as enfermeiras conseguem fazer é uma estimativa. Nós pensamos que poderíamos contribuir para otimizar o trabalho. Agora, temos de trabalhar para que o software fique mais fácil de usar, ocupe uma memória menor e seja mais eficiente”, explica Bruno Santana.
Durante o seu desenvolvimento, o trabalho recebeu, em 2017, o prêmio de melhor trabalho em andamento no 17º Workshop de Informática Médica (WIM), realizado na cidade de São Paulo.
Sobre a Ebserh
Desde agosto de 2013, o Huol-UFRN faz parte da Rede Ebserh. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) administra atualmente 40 hospitais universitários federais. O objetivo é, em parceria com as universidades, aperfeiçoar os serviços de atendimento à população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e promover o ensino e a pesquisa nas unidades filiadas.
A empresa, criada em dezembro de 2011, também é responsável pela gestão do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), que contempla ações em todas as unidades existentes no país, incluindo as não filiadas à Ebserh.
Com informações do Huol-UFRN