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Com construção participativa, povos indígenas desenvolvem plano nacional inédito de adaptação à mudança climática
- Foto: Diogo Zacarias
Pela primeira vez na história, os povos indígenas do Brasil contarão com um plano nacional específico para enfrentar os impactos da emergência climática. Coordenado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI, o Plano Temático Povos Indígenas é um dos 16 planos de adaptação que integram o novo Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Plano Clima) 2024-2035, aprovado na última segunda-feira (15/12) pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM).
O instrumento, que consolida o roteiro do Brasil para cumprir sua meta climática internacional (NDC) sob o Acordo de Paris, preenche uma lacuna de dez anos e atualiza a política nacional após 17 anos de sua primeira versão. A construção, conduzida pelo MMA com a participação de 25 ministérios, durou mais de dois anos e foi marcada por ampla participação social, com mais de 24 mil pessoas envolvidas.
Demarcação como eixo central da adaptação
O Plano Clima Adaptação - Povos Indígenas foi construído de forma participativa, com destaque para o envolvimento de povos indígenas de todos os biomas. O processo contou com contribuições de 16 organizações, entre órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, e incluiu a realização de oficinas, seminários e reuniões técnicas, como forma de assegurar ampla inclusão e participação social.
Durante esses encontros, foram identificados riscos, vulnerabilidades e estratégias de adaptação prioritárias, com destaque para a demarcação de terras como meta prioritária para a conservação ambiental e o fortalecimento da resiliência climática.
A participação da sociedade civil foi ampliada por meio de duas rodadas de Consulta Pública através da Plataforma Brasil Participativo, que recebeu na primeira rodada 63 contribuições sobre riscos, impactos e medidas de adaptação necessárias, possibilitando a identificação de temas prioritários. Em uma segunda rodada de consulta pública, realizada em 2025, foram recebidas 34 novas contribuições, das quais 75% puderam ser total ou parcialmente acolhidas e incorporadas à versão final do documento.
Esse processo garantiu uma participação diversificada e qualificada, refletindo as demandas e necessidades das comunidades indígenas mais impactadas pela mudança do clima. O protagonismo das organizações indígenas, aliado ao diálogo constante com representantes do governo, possibilitou a construção de um plano alinhado às realidades locais e às especificidades desses povos, fortalecendo sua participação na governança climática nacional.
O plano estabelece quatro objetivos setoriais: fortalecer o Bem-Viver e a Saúde Coletiva; aprimorar a Resiliência e Segurança Alimentar; proteger o Patrimônio Territorial e Cultural; e aumentar a Resiliência da Infraestrutura e dos Serviços Essenciais. A partir deles, foram definidas 17 metas e 67 ações.
A partir desses objetivos, 17 Metas e 67 ações, sendo que as 5 principais são:
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Concluir e aprovar 40 Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCID);
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Emitir 21 portarias declaratórias de Terras Indígenas;
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Constituir novas Brigadas Federais em Terras Indígenas;
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Implementar um protocolo integrado de resposta a emergências climáticas;
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Fortalecer a capacidade das comunidades, especialmente de mulheres e jovens, para gerir seus territórios frente à crise.
Consultas presenciais
Além das consultas públicas, a Oficina Setorial Povos Indígenas, realizada pelo MPI em parceria com MMA em setembro de 2024, em Brasília, teve por objetivo garantir a consulta e a participação dos povos indígenas no processo de elaboração dos capítulos do Plano Clima Adaptação, incorporando suas contribuições ao documento.
Na Oficina, representantes indígenas das organizações regionais e articulações nacionais elencaram uma série de ações de adequação para as mudanças climáticas que vêm afetando o modo de vida e os territórios dos indígenas. A ação eleita como prioritária dentro dos temas Saúde e Bem-estar, Produção de Alimentos e Segurança Híbrida, Infraestrutura e Serviços Essenciais e Patrimônio Cultural e Territorial foi a demarcação de terras indígenas
Os indígenas também contribuíram para o Plano Clima Mitigação durante o 3º Seminário de Justiça Climática, que reuniu 116 participantes, incluindo lideranças indígenas, gestores públicos, pesquisadores, técnicos e sociedade civil. O seminário abordou a urgência de integrar os conhecimentos tradicionais, o reconhecimento e a governança territorial indígena às metas nacionais de descarbonização, em especial ao Plano Clima 2024-2035 e à NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Brasil.
O contexto de emergência climática – com 2024 confirmado como o ano mais quente da história (1,55°C acima dos níveis pré-industriais) – reforçou a necessidade de ações concretas alinhadas à justiça climática. Um dos painéis da programação do seminário consistiu no intitulado “NDC Indígena”, o qual apresentou os Eixos da NDC Indígena, construídos coletivamente por povos de todos os biomas.
Plano transversal e metas setoriais de mitigação
Embora não houvesse um plano setorial específico para indígenas no eixo de mitigação (redução de emissões), as contribuições dos povos indígenas permearam transversalmente os debates. Os setoriais de mitigação estão relacionados aos oito setores responsáveis pelas emissões, como agricultura, energia e mudanças no uso da terra, que inclui áreas públicas e territórios coletivos – onde se inserem os territórios indígenas.
O Plano Clima estabelece a meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa de 2,04 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente (volume de 2022) para 1,2 bilhão de toneladas em 2030, chegando a uma faixa entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas em 2035. O objetivo final é a transição para uma economia com emissões líquidas zero até 2050.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou que o plano “é um roteiro orientador” para que governo, setor privado e sociedade civil trabalhem juntos por um “desenvolvimento sustentável inclusivo e resiliente”.
O plano também reconhece os impactos desiguais da mudança do clima, que atingem com mais força as populações mais vulneráveis, e busca soluções baseadas nos princípios da justiça climática. Além do eixo indígena, há outros 15 planos temáticos de adaptação, que vão de saúde pública e cidades à igualdade racial e agricultura familiar, totalizando 312 metas setoriais e mais de 800 ações.
O Plano Clima será revisado sistematicamente a cada quatro anos, com avaliações bianuais, a partir das contribuições documentadas ao longo de seu processo de construção coletiva.
* Com informações do MMA