Pesquisa analisa os impactos das fake news na pandemia

Imagem: Arquivo pessoal

Doutor em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Elderson de Souza Santos foi um dos 12 selecionados mundialmente para apresentar sua tese na 18th International Pragmatics Conference, realizada Bruxelas (Bélgica). Sua pesquisa analisa a disseminação e os impactos das fake news durante a pandemia de Covid-19, estudo que conta com o financiamento da CAPES. Com formação multidisciplinar, é mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC), graduado em Letras pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), e especialista em Alfabetização e Multiletramentos pela Universidade Aberta do Brasil (UAB)/CAPES na Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Sobre o que é a sua pesquisa? Explique de forma mais detalhada o conteúdo do trabalho.

Em 11 de março de 2020, diante dos altos índices de contágio e mortes provocadas pela Covid-19 no planeta, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo enfrentava uma pandemia. Junto ao agravamento do problema biológico, diversos problemas sociais emergiram ou se intensificaram, entre eles a proliferação de fake news relacionadas ao tema. A tese, orientada pela professora Anna Christina Bentes, investiga esse fenômeno danoso, partindo do pressuposto de que tais textos contribuíram significativamente para que o Brasil acumulasse, ao final de 2022, mais de 690 mil mortes por Covid-19. Para análise, foram coletados e observados 148 textos checados como falsos pelas agências Lupa e Aos Fatos entre junho e novembro de 2020, juntamente com seus metadados digitais. Desse conjunto, delimitou-se um corpus de 30 textos: sete com performances noticiosas e 23 sem performances noticiosas.

Após análises reiteradas do corpus e considerando as discussões teórico-contextuais da pesquisa, elaborou-se o seguinte problema de pesquisa: quais operações textuais-discursivas presentes na fake news sobre a pandemia de Covid-19 no Brasil contribuíram de forma mais destacada para que esses textos funcionassem, para diferentes grupos sociais como (re)construtores de conhecimentos em disputa sobre o evento? A conclusão foi que essas operações são: a organização composicional; a construção/mobilização de fontes; a utilização de citações e/ou paráfrases; e a construção de objetos de discurso.

O que você destacaria de mais relevante na sua pesquisa?

O primeiro ponto que destaco como relevante é a inovadora abordagem que realizamos das fake news e, a partir dela, a caracterização que desenvolvemos: fake news são textos que matam – textos feitos para e com o potencial de efetivamente levar pessoas à morte, seja de forma simbólica, seja material. Nossa pesquisa se desenvolve a partir de um deslocamento analítico do estudo das fake news da Comunicação para a Linguística, e nesta, mais precisamente, nossa ancoragem é na Linguística Textual.

Analisamos as fake news como textos, o que tem repercussões inevitáveis em todo o nosso trabalho, uma vez que os textos são formas privilegiadas de construção do conhecimento. Controlar sua produção, especialmente em larga escala, permite regular o que as pessoas conhecem sobre o mundo e, consequentemente, como o interpretam e agem nele. É a partir desse deslocamento que podemos ajustar nossa lupa investigativa para as operações textuais-discursivas que constituem esses textos – operações que, em última instância, lhes conferem existência material.

Ademais, as análises executadas demonstram os padrões linguísticos de organização e funcionamento das fake news, o que contribui para desconstruir a noção de que se trata de textos caóticos ou desestruturados. Também, evidenciamos em que medida as fake news estão conectadas ao campo jornalístico e ao campo político – uma relação amplamente debatida na literatura, mas que, muitas vezes, torna-se obscura quando se busca estabelecer vinculações mais objetivas.  

De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?

Ao estudarmos sobre as fake news produzidas durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, a pesquisa apresenta respostas a questões sociais que dizem respeito tanto à natureza e ao funcionamento desses conteúdos falsos quanto ao seu papel específico no contexto pandêmico – que completa cinco anos e foi marcado por milhares de mortes evitáveis.

Primeiramente, a pesquisa contribui para a compreensão dos mecanismos textuais que sustentam o funcionamento desses textos, elucidando especificamente como tais mecanismos são operacionalizados para produzir seus efeitos discursivos e impactos sociais característicos. Ademais, nossas análises demonstram que, embora à primeira vista – sob um olhar menos atento – as fake news possam parecer produções caóticas, aleatórias e desorganizadas, na realidade não o são. Mais ainda: essa aparência de caos pode, inclusive, favorecer a circulação desses conteúdos

Em se tratando especificamente da pandemia de Covid-19 no Brasil, nossas análises revelam que, esses textos não apenas valeram de viesses de confirmação, mas também contribuíram para milhares de mortes. Isso ocorreu porque legitimaram como válidos conteúdos que, ao serem considerados confiáveis, expuseram a população a elevados riscos de contaminação e óbito. Tal efeito decorre do fato de que, apesar de apresentados como formas legítimas de conhecimento, tais conteúdos careciam de qualquer base em parâmetros socialmente reconhecidos de verificação da verdade.

As fake news vão paulatinamente provocando rupturas em nossas formas de comunicar, em nossos padrões de construção textual e de interação social, que podemos denominar microrrupturas, as quais se acumulam dia após dia, até resultarem, de fato, em macrorrupturas, como as mortes por motivos coincidentes de centenas e centenas de pessoas. Fica estabelecida, de forma mais precisa, então, a partir de uma análise linguística, a conexão entre os textos que são as fake news e as mortes por Covid-19 no cenário brasileiro. 

De que forma a bolsa da CAPES contribuiu para sua formação? 

Da graduação ao doutorado, a CAPES foi essencial para minha formação, concedendo-me bolsas de estudo e incentivos educacionais que foram decisivos para o êxito desta trajetória. Sem esse apoio, não teria sido possível concluir meus estudos com os mesmos resultados. Como estudante de baixa renda, a bolsa de mestrado foi fundamental para minha dedicação integral ao curso.

No doutorado em Linguística pela Unicamp, fui beneficiado pelo Programa de Excelência Acadêmica (PROEX). Essa etapa, que exige dedicação exclusiva às disciplinas e à elaboração da tese, contou com o suporte indispensável da CAPES. Graças a esse incentivo, pude concluir o curso e entregar à sociedade uma pesquisa de alto impacto científico e social, cumprindo assim o papel público da pós-graduação.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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