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Seminário nacional reúne indígenas pesquisadoras de todos os biomas do Brasil na UnB
- Foto: ASCOM/MPI
O Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) é a sede, de 10 a 12 de dezembro, do 1º Seminário Nacional Indígenas Pesquisadoras. O evento é organizado pelo Instituto de Estudos Avançados em Iniquidades, Desigualdades e Violências de Gênero e Sexualidade e suas Múltiplas Insurgências (INCT) Caleidoscópio em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
A programação conta com sete mesas redondas que debatem temas como Mulheres, Justiça, Ciência, Educação, Resistência, Saúde e Linguagem. A participação inclui pesquisadoras indígenas de todos os biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa. Uma mesa de encerramento será dedicada à avaliação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, por participantes indígenas da conferência climática.
Compondo a mesa de abertura estiveram presentes: a secretária de Direitos Humanos da UnB, Cláudia Regina Renault; a diretora de Proteção de Direitos do Ministério das Mulheres, Eutália Barbosa Terlúcia Silva; a diretora executiva e cofundadora da Anmiga, Josileia Kaingang; a representante da comissão organizadora do seminário, Simone Terena; e a coordenadora do INCT Caleidoscópio, professora Viviane Rezende. O secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, também integrou a mesa.
Em meio a um dia de tensão política após a aprovação da PEC do Marco Temporal no Senado e o julgamento do tema no STF, o secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, compareceu ao evento, na quarta-feira (10), e delineou a contribuição da nova intelectualidade indígena em três dimensões interligadas: a conquista política do acesso à universidade, o caráter coletivo dessa trajetória e o compromisso de colocar o conhecimento a serviço da defesa dos territórios.
A primeira dimensão, destacou, é reconhecer o acesso à educação superior como uma conquista política recente e duramente disputada. "Boa parte de nós somos indígenas que tivemos acesso a cotas, ao ProUni, à bolsa de permanência", afirmou, lembrando que sua geração pioneira enfrentou o racismo em instituições que não foram feitas para eles. "Tudo isso que tem hoje foi resultado de muita luta", ressaltou, alertando para a necessidade de defender essas políticas contra retrocessos.
O segundo pilar é entender essa trajetória não como individual, mas como fruto de um esforço coletivo e de um projeto maior eleito por nossos caciques. Ele explicou que, após a Constituinte de 1988, as lideranças indígenas identificaram a necessidade estratégica de formar seus próprios advogados, antropólogos e engenheiros. "Nós não caímos aqui. Nós somos resultados desse esforço coletivo", disse, conectando a luta atual à herança das lideranças que lutaram "sem a caneta na mão".
A terceira e central dimensão, elaborada a partir de sua própria trajetória acadêmica, é o compromisso político do conhecimento produzido. Eloy Terena, que é advogado e doutor em Antropologia pelo Museu Nacional com pós-doutorado na França, criticou os dogmas clássicos da disciplina. "Nós, indígenas, não vamos a campo no sentido tradicional. Nosso caminho é inverso: a gente já tem o conhecimento tradicional", argumentou, defendendo uma epistemologia que contraste os saberes originários com a ciência ocidental.
Concluindo, lançou um questionamento direto ao público: "Se nossos caciques conquistaram tantos direitos sem a caneta na mão, por que nós, com nossos diplomas e escritos, vamos abaixar a cabeça para quem quer pisar em nossos direitos?". O secretário reafirmou o apoio do ministério às pesquisadoras e ao evento, que ocorre em um momento crítico de definições sobre os direitos territoriais indígenas no país.
MEC
Rosilene Tuxá, diretora de Políticas de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação (MEC), afirmou que a academia ainda é um espaço com pensamento racista em relação aos povos indígenas. "Quando nós entramos neste espaço, inclusive na pós-graduação, a gente enxerga muito claramente esses enfrentamentos", disse. Ela defendeu que a sistematização do conhecimento escrito ainda é um lugar muito novo e muito contemporâneo para povos de tradição oral.
A diretora, que é egressa da primeira licenciatura intercultural indígena do Brasil, traçou um histórico da luta por uma escola indígena específica. "Antes da Constituição de 1988, nós não tínhamos escola", afirmou, explicando que as tentativas anteriores falharam por não serem pensadas a partir das epistemologias indígenas. Com a Carta, a responsabilidade foi transferida da Funai para o MEC, que assumiu o desafio de ofertar educação básica e formar professores simultaneamente. "Nós conseguimos avançar na alfabetização, mas não no ensino médio. Ainda temos muitos territórios sem escolas de ensino médio", destacou.
A diretora enfatizou que a conquista crucial pós-Constituição foi os indígenas assumirem as suas escolas e a alfabetização nas línguas nativas. Por fim, a diretora ilustrou os desafios da pesquisa indígena com sua própria trajetória acadêmica. Seu trabalho de graduação estudou o impacto de uma barragem que submergiu o território original de seu povo, tornando a pesquisa sobre um lugar físico inexistente um grande desafio. Seu doutorado, por sua vez, teve de ser reformulado durante a pandemia, passando a investigar como a educação comunitária indígena consegue manter sua epistemologia própria dentro das orientações nacionais, pensando os sujeitos na relação com o sagrado e com o território.
Ministério das Mulheres
Terlúcia Maria da Silva, diretora de Proteção de Direitos do Ministério das Mulheres, iniciou sua fala com um minuto de silêncio pelas vítimas de feminicídio e alertou sobre a gravidade da violência de gênero no país. "Estamos vivendo um momento muito difícil. O que tem acontecido nos últimos dias no Brasil tem mexido com a gente de uma forma muito diferente", afirmou.
Representando a secretária executiva Eutália Barbosa, ela saudou o momento histórico do primeiro Seminário Nacional Indígenas Pesquisadoras. "É um encontro de indígenas pesquisadoras e não de pesquisadoras indígenas. Para mim isso é tão afirmativo", disse, ressaltando a importância da identidade no processo científico. Ela relacionou a luta das mulheres indígenas à das mulheres negras, lembrando uma irmandade construída desde a Conferência Nacional de Mulheres de 2007.
A diretora afirmou que o Ministério das Mulheres tem portas abertas para parcerias e citou ações em conjunto com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). "A gente está no processo de elaboração do primeiro plano nacional de política para mulheres indígenas", revelou. Ela também mencionou a criação de um observatório para monitorar territórios específicos e a atenção do ministério a demandas locais, como as das mulheres Pataxó no sul da Bahia.
ANMIGA
Jozileia Kaingang, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), destacou uma pesquisa pioneira sobre violência contra mulheres indígenas como um resultado direto da atuação política do movimento. Ela revelou que o estudo foi realizado em parceria com o Ministério das Mulheres e pesquisadoras da UnB, com financiamento ministerial, e os resultados foram apresentados na 4ª Marcha das Mulheres Indígenas. "A Anmiga nasce a partir desse incômodo que nós temos da violência sobre os nossos corpos, do racismo, das agressões e das intrusões no nosso território", afirmou, acrescentando que a iniciativa é uma forma de dizer: "Nós somos capazes, sim".
Ao defender o lugar das mulheres indígenas na produção científica, Kaingang fez um resgate histórico, afirmando que a educação chegou ao Brasil para os povos indígenas através dos missionários, com o objetivo assimilacionista de “transformar os povos indígenas em gente”, porque não eram vistos assim. Ela ressaltou que a virada ocorreu com a Constituição Federal de 1988, que, além dos artigos 231 e 232, também garantiu no artigo 210 o direito à educação diferenciada para os povos originários.
"É importante a gente referenciar que a Constituição Federal também falou sobre a educação dos povos indígenas", declarou, situando este marco como a base para as políticas afirmativas dos anos 2000 que permitiram o ingresso massivo nas universidades.
Por fim, a liderança conectou o protagonismo acadêmico contemporâneo ao papel histórico das mulheres como transmissoras do conhecimento tradicional dentro das comunidades. "Historicamente, nós, mulheres indígenas, temos essa responsabilidade. E várias sociedades dos povos indígenas é assim", disse, definindo essa prática ancestral como um "sinônimo de resistência" e uma "ferramenta de luta" que agora se expande para o campo científico.