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MPI e AGU validam segunda etapa da tradução da Constituição para línguas indígenas
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Advocacia-Geral da União (AGU) validaram a segunda etapa de traduções da Constituição Federal para três línguas indígenas. A conclusão desta fase foi formalizada em um evento na segunda-feira (15), na Retomada Laranjeira Ñanderu, território tradicional Guarani Kaiowá, no município de Rio Brilhante-MS.
O diretor do Departamento de Línguas e Memórias (DELING) do MPI, Eliels Benites, relata que o trabalho faz parte do programa Língua Viva no Direito. A iniciativa prevê a tradução do texto constitucional para as línguas dos três povos com maior número de falantes no país: Guarani, especificamente na variante Kaiowá, Tikuna e Kaingang.
Devido à extensão da Carta Magna, o conteúdo foi dividido em três blocos temáticos para tradução. O primeiro, focado em temas diretamente relacionados aos direitos indígenas, foi entregue e divulgado no final de outubro no município de Amambaí, no Mato Grosso do Sul, e durante a Conferência dos Povos Indígenas (COP). O segundo bloco, validado na semana passada, aborda a estrutura do Estado, como organização e orçamento. O terceiro e último bloco está previsto para o início de 2025, com a conclusão total do projeto em setembro de 2026.
O evento de validação em Mato Grosso do Sul reuniu cerca de 70 pessoas, incluindo representantes do MPI, da AGU, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de associações indígenas, do poder legislativo local e da instituição executora do projeto.
Durante o encontro foi realizada uma leitura conjunta da tradução para o Guarani Kaiowá. Os participantes puderam debater e ajustar pontos de ortografia e vocabulário, em um processo que o diretor do DELING classifica como a construção de uma "metodologia nova de tradução". O método prioriza a consulta livre e informada, com a participação ativa de anciãos e da comunidade, e entende a língua como algo vivo, que pode se adaptar ao traduzir novos conteúdos.
"O importante que está se construindo é a metodologia de tradução, onde os mais velhos vão participando do processo, assim como a comunidade por meio da apresentação e a validação", destacou o diretor.
O diretor também mencionou que a tradução da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas é um projeto distinto, em tratativa separada entre MPI, Ministério da Justiça e AGU, dentro do escopo do Língua Viva no Direito, porém em processo de concepção.
Execução
O MPI aportou recursos para a AGU, que, por meio de edital, selecionou a instituição IDGlobal para operacionalizar as traduções. A IDGlobal, por sua vez, articula-se com associações indígenas de cada povo para recrutar e definir a equipe de tradutores.
Dados sobre Línguas Indígenas - O diretor citou a recente publicação do IBGE sobre línguas e territórios indígenas - O Brasil Indígena -, que aponta a existência de 295 línguas indígenas no Brasil, reforçando a dimensão e a importância de iniciativas de tradução de documentos fundamentais.
Kaiowá, Tikuna e Kaingang
O Mato Grosso do Sul é o estado que concentra a maioria dos 38,6 mil falantes da língua Kaiowá, que pertence à família Tupi-Guarani e apresenta variações dialetais que refletem as diferentes realidades das comunidades.
Os Tikuna, mais numeroso povo indígena na Amazônia brasileira, foram os primeiros a conhecer a versão em sua língua de trechos da Constituição Federal de 1988. A tradução foi submetida a consulta junto à comunidade em encontro realizado no dia 12 de setembro, na Comunidade Santo Antônio, em Benjamin Constant (AM), na região do Alto Solimões.
O povo Tikuna está localizado principalmente no estado do Amazonas, ocupando seis municípios na região do Alto Solimões: Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins. Com presença também na Colômbia e no Peru, os Tikuna têm uma história marcada por ocupações violentas de suas terras por seringueiros, pescadores e madeireiros – seus territórios só foram oficialmente reconhecidos nos anos 1990.
Já os Kaingang, um dos cinco povos indígenas mais numerosos do País, receberam no dia 19 de setembro as primeiras traduções de textos constitucionais. A entrega ocorreu durante encontro na Comunidade Indígena situada na Floresta Nacional do Município de Canela, no Rio Grande do Sul.
Com uma população estimada em 50 mil pessoas que pertence à família linguística Jê. Atualmente, eles ocupam 30 Terras Indígenas distribuídas entre os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde alguns grupos migraram para a capital Porto Alegre e seus arredores.
Superando barreiras
O programa Língua Indígena Viva no Direito é fruto de uma parceria entre a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e está sendo executado pela organização da sociedade civil Instituto de Direito Global (IDGlobal), vencedora de edital de chamamento público lançado pela AGU em novembro de 2024.
O instituto atua em rede com outras organizações da sociedade civil que trabalham diretamente com os povos indígenas aos quais o projeto é voltado. A gestão e o monitoramento do programa estão sob a responsabilidade da AGU.
O projeto tem como meta a tradução da Constituição Federal, da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas para as três línguas indígenas mais faladas no Brasil.
As traduções buscam superar barreiras linguísticas e culturais e consideram como os sistemas legais indígenas podem interagir e complementar a legislação oficial brasileira. A ideia é permitir que os povos indígenas compreendam plenamente seus direitos, participem ativamente do processo democrático e protejam suas tradições e modos de vida.
A tradução e integração de normas, documentos, termos, conceitos e institutos jurídicos é um dos eixos do programa Língua Indígena Viva no Direito. O outro envolve a formação e capacitação em conteúdos relacionados à legislação nacional e internacional e a valores sociais e culturais das diferentes comunidades indígenas.
Os primeiros trechos da Constituição traduzidos para as línguas indígenas incluem os seguintes artigos: Art. 5º (inteiro teor): Direitos Fundamentais; Art. 6º (inteiro teor): Direitos Sociais; Art. 20, XI: Terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas como bens da União; Art. 49, XVI: Autorização do Congresso Nacional para exploração de recursos em terras indígenas; Art. 231: Nulidade das ocupações de terras indígenas contrárias à Constituição; Art. 232: Direito dos povos indígenas de ingressar em juízo para defesa de seus direitos, com participação do Ministério Público.
IBGE
De acordo com o Censo Demográfico 2022, o total de 295 línguas indígenas foram identificadas com 474.856 falantes de dois anos ou mais de idade. As quatro línguas com maior número de falantes são: Tikuna (51.978); Guarani Kaiowá (38.658); Guajajara (29.212); e Kaingang (27.482), mas a pesquisa captou línguas faladas por grupos menores e até por uma única pessoa. Em 2010, foram identificadas 274 línguas entre os indígenas de cinco anos ou mais.
Entre 2010 e 2022, houve um aumento de falantes de língua indígena entre as pessoas indígenas de cinco anos, passando de 293.853 para 433.980 falantes. Contudo, percentualmente ocorreu uma redução no período: passando de 37,35% para 28,51%. Por outro lado, dentro da Terra Indígena, o peso dos falantes de língua indígena se ampliou, passando de 57,35%, em 2010, para 63,22%, em 2022.
Nheengatu
A Constituição Federal Brasileira já foi traduzida também para o Nheengatu, também chamado de “Língua Geral Amazônica”, e foi lançada em 19 de julho de 2023 em cerimônia realizada em São Gabriel da Cachoeira-AM.
O Nheengatu é a única língua descendente do Tupi antigo viva ainda hoje e que permite a comunicação entre comunidades de distintos povos indígenas espalhados por toda a região amazônica.
A tradução da Carta Magna para o Nheengatu foi um processo promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal de Justiça do Amazonas e a Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam). É resultado do trabalho de um grupo de 15 indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, em promoção ao marco da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas.