Notícias
Julgamento do Marco Temporal no STF: Insconstitucionalidade da tese é reafirmada
- Foto: Victor Piemonte/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, em sessão virtual iniciada na segunda-feira (15), o julgamento de quatro ações que questionam a validade da lei do marco temporal (14.701) para demarcação de Terras Indígenas. O relator, ministro Gilmar Mendes, foi o primeiro a votar, posicionando-se pela inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso em 2023. Contudo, apesar de afastada a tese do marco temporal, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) observa com preocupação diversos trechos do voto do ministro.
A tese do marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que já estivessem sob sua posse física ou em disputa judicial na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. O tema é alvo de intenso debate entre os Poderes desde 2023, quando o próprio STF declarou a inconstitucionalidade da aplicação desse critério.
Apesar da decisão do Supremo, o Congresso aprovou um projeto de lei que instituía o marco temporal (Lei 14.701/23). O presidente Lula vetou uma série de trechos, que foram derrubados pelos parlamentares, mantendo a norma em vigor. A validade da lei, que contraria o entendimento anterior da Corte, é agora o cerne do julgamento em curso.
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes argumentou que a regra é desproporcional e não traz segurança jurídica, além de ter validade retroativa. Ele destacou a dificuldade de comprovação para comunidades que foram removidas à força de seus territórios antes de 1988. Contudo, o relator votou para manter dispositivos da lei que permitem ao ocupante não indígena permanecer na área até ser indenizado e que autorizam a participação de estados e municípios nos processos demarcatórios.
Pontos de alerta
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) destaca pontos específicos no voto do relator que geram retrocessos e ferem os direitos constitucionais dos povos indígenas, mesmo com a rejeição do marco temporal. São eles:
- Marco temporal
Voto do relator: Afasta o marco temporal, mas sustenta que a obrigação de restituir o território tradicional não é absoluta, citando a Corte Interamericana (CIDH). Argumenta que, em casos de "utilidade pública e interesse social", pode ser necessária a oferta de terras distintas aos indígenas como compensação.
Posição do MPI: No direito brasileiro, o direito indígena é originário e precede qualquer outro. A mera ocupação não indígena, mesmo titulada, não se sobrepõe a esse direito. A excepcionalidade só se justificaria em casos extremos, como obras de grande infraestrutura irreversíveis, e não para substituir a devolução do território tradicional ocupado ilegalmente.
- Consulta e consentimento
Voto do relator: Reconhece o direito à consulta prévia, mas defende que ele não tem o caráter de obrigação de obter o consentimento das comunidades, especialmente para atividades econômicas.
Posição do MPI: O direito à livre determinação é a base da consulta e do consentimento. A CIDH reconhece que o consentimento é obrigatório em casos específicos e graves, como translado forçado, atividades militares e projetos de grande escala. Negar seu caráter vinculante abre espaço para violações.
- Indenização e "justo título"
Voto do relator: Utiliza um conceito amplo de "justo título" para fins de indenização a ocupantes, não se limitando a títulos válidos.
Posição do MPI: Essa posição causaria lentidão no procedimento demarcatório, ao ampliar o número de potenciais indenizáveis, e geraria prejuízo à União, que teria que indenizar por terras que são de seu patrimônio e nunca foram legalmente destacadas.
- Complexificação do procedimento demarcatório
Voto do relator: Constrói um novo e complexo rito para a demarcação, alegando a mora do Poder Público na regulamentação do tema.
Posição do MPI: Não há omissão regulatória, pois o Decreto 1.775/96 já estabelece o procedimento. Qualquer nova regulamentação deveria simplificar o processo, garantindo efetividade e celeridade à devolução das terras, sem criar novas camadas burocráticas.
- Ampliação de terras já demarcadas
Voto do relator: Reafirma a possibilidade de ampliação, mas impõe como critério a "proporcionalidade entre o território e a população".
Posição do MPI: A previsão contraria o direito indígena. A revisão deve observar os critérios constitucionais do art. 231 da Constituição Federal. O critério da "proporcionalidade" é mais restritivo e alheio à Carta Magna, podendo inviabilizar ampliações necessárias.
Vale destacar que o MPI e a Advocacia-Geral da União (AGU) já se posicionaram contra todos esses pontos nas mesas de conciliação. Caso sejam incorporados ao voto do relator, a discordância oficial deverá ser reforçada.
Cenário institucional
O julgamento no STF ocorre em meio a uma disputa institucional. Enquanto o Supremo analisa a constitucionalidade da lei, o Senado aprovou, na semana passada, uma proposta de emenda à Constituição (PEC 48) para incluir expressamente o marco temporal na Carta Magna. O texto seguirá para análise da Câmara dos Deputados com previsão para esta semana.
O MPI rejeita integralmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023 por se tratar de evidente retrocesso e uma violação aos direitos fundamentais, já que o direito territorial indígena é originário e anterior ao próprio Estado.
A sessão virtual no STF ficará aberta para votos até a próxima quinta-feira (18). O recesso do Judiciário começa na sexta-feira (20). Caso haja pedido de destaque ou vista por parte de algum dos demais ministros, a análise final poderá ser transferida para o plenário físico e adiada para 2025.