Notícias
XII Semana da Pesquisa
Pesquisas da Fundacentro trazem multiplicidade temática
Os pesquisadores da Fundacentro apresentaram 27 trabalhos na XII Semana da Pesquisa, divididos em oito mesas de projetos. Também houve uma mesa com três projetos coordenados pela Presidência. As apresentações mostraram a multiplicidade temática das ações e a interdisciplinaridade, que marca a área de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). O evento ainda trouxe seis relatos de experiências desenvolvidos no estado de São Paulo pela Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (Renast), do Ministério da Saúde.
Se você perdeu alguma dessas discussões, realizadas entre 12 e 14 de dezembro de 2023, é possível assistir às apresentações pelo canal da Fundacentro no YouTube. Divulgaremos os Anais do evento, assim que forem publicados. Nele será possível ler os resumos dos trabalhos.
Riscos físicos, químicos e biológicos
Os riscos físicos, químicos e biológicos estiveram em pauta no primeiro dia da XII Semana da Pesquisa da Fundacentro no período da tarde. Os pesquisadores apresentaram oitos estudos da instituição sobre temas variados: covid-19; agentes biológicos infecciosos; câncer ocupacional; inovação tecnológica e exposição ao calor; exposição em situações de frio e calor; riscos em postos de revenda de combustíveis; avaliação de risco de nanomateriais; e exposição a produtos químicos em laboratórios.
“São temas muito importantes. O Brasil carece de iniciativas científicas, para que resultados sejam colocados em prática para prevenir acidentes e doenças dos nossos trabalhadores”, avalia o presidente da Associação Brasileira dos Higienistas Ocupacionais (ABHO), Luís Carlos de Miranda Júnior, que foi debatedor da mesa mediada pelo coordenador de Projetos da Fundacentro, José Renato Schimidt.
Para o diretor da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), Jeffer Castelo Branco, as pesquisas apresentadas devem fomentar políticas públicas para produzir efeitos práticos na sociedade. Ele foi debatedor da mesa mediada pela coordenadora de Projetos Elizabeti Muto.
Esse espírito esteve presente na pesquisa apresentada pela gerente de Projetos, Leila Posenato, sobre a relação entre covid-19 e trabalho, que buscou investigar a associação entre ocupação e infecção por SARS-CoV-2. O estudo foi realizado com usuários dos serviços públicos de saúde de São Caetano do Sul/SP, de 18 a 65 anos. A amostra de 2.500 casos e 2.500 controles foi coletada entre abril/2020 e maio/2021 e selecionada aleatoriamente, com pareamento por sexo, grupo etário e mês de coleta.
As categorias de ocupações com maior chance de infecção foram: venda e produção de alimentos; cuidado e assistência à saúde; polícia e segurança. Apresentaram situação limítrofe: serviços domésticos e manutenção; indústria, construção e agricultura. Os resultados favorecem o argumento de que a covid-19, em situações de trabalho presencial e contato interpessoal próximo, deve ser considerada uma doença ocupacional.
A questão da saúde também esteve presente na apresentação da pesquisadora Erica Reinhardt: “O papel da gestação para o risco de agravos à saúde de trabalhadoras gestantes presumivelmente expostas a agentes biológicos infecciosos”. O projeto em andamento busca esclarecer o papel da gestação no adoecimento de trabalhadoras gestantes, especialmente as potencialmente expostas a agentes biológicos. Para tanto, avalia dados sobre prevalência do absenteísmo por doença infecciosa, relacionada ao trabalho ou não, de trabalhadoras gestantes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Já o pesquisador aposentado Eduardo Algranti apresentou o Código Latino-Americano e Caribenho do Câncer, publicado em novembro. “Esse código versa basicamente sobre ações de prevenção que podem ser tomadas pelo indivíduo e políticas públicas que levam à prevenção de câncer”, relatou. O médico também trouxe estudos desenvolvidos pela Fundacentro em parceria com outras instituições que mostram a relação entre câncer e ocupação.
A exposição ocupacional ao calor esteve em pauta na apresentação de dois trabalhos do pesquisador Daniel Bitencourt. Um voltado para inovação tecnológica, e o outro em projeto inicial que pretende estudar aspectos do trabalho a céu aberto em ambientes tanto com temperatura do ar climatologicamente muito alta quanto muito baixa.
Em relação ao desenvolvimento de tecnologias de monitoramento e alerta de situações extremas de calor e estresse térmico, o destaque é o Monitor IBUTG, sistema que avalia a exposição ocupacional ao calor e está disponível gratuitamente para celulares Android e iOS e para computador pelo site da ferramenta.
O pesquisador Gilmar Trivelato apresentou o projeto “Avaliação e Controle de Riscos em Postos de Revenda de Combustíveis”, que pretende “avaliar o perfil de exposição a benzeno e hidrocarbonetos totais (gasolina) dos frentistas, monitorar possíveis efeitos biológicos precoces e caracterizar os riscos à saúde, com foco no risco de câncer ocupacional associado à inalação de vapores de benzeno”. Os resultados podem subsidiar políticas públicas de redução de riscos ocupacionais.
“Queremos mostrar resultado em duas situações, a atual e com a utilização de sistemas de recuperação de vapores”, explicou Trivelato. Serão colhidas amostras em três regiões metropolitanas – Vitória/ES, Florianópolis/SC e São Paulo/SP. Os pesquisadores já realizaram revisão sistemática da literatura, estimativa do perfil de exposição e comparação com valores de limites de exposição ocupacional. “O perfil de exposição depende do volume total de gasolina comercializado, mas o abastecimento individual de pequenos volumes contribui significativamente para maior exposição”, afirmou Trivelato.
A tarde do primeiro dia da XII Semana da Pesquisa ainda contou com outras duas apresentações envolvendo riscos químicos. O projeto “Comparação de métodos específicos de avaliação de risco de nanomateriais em laboratórios de pesquisa” analisou resultados fornecidos por cada um de 10 métodos em determinada operação com manipulação de nanomateriais, criando dois agrupamentos – um de maior concordância e outro de maior rigor. O CB IMEC foi o único método presente nos dois grupos propostos. Os pesquisadores pretendem desenvolver uma ferramenta de avaliação de riscos ocupacionais envolvendo a manipulação de nanomateriais.
Por fim a pesquisadora Marcela Gerardo Ribeiro apresentou o projeto “Avaliação qualitativa de riscos químicos: Orientações básicas para controle da exposição a produtos químicos em laboratórios de ensino e de pesquisa”, que resultou em um manual, em fase de editoração. O material é dividido em três parte: histórico sobre segurança química e sua inserção no ambiente de ensino e pesquisa; práticas sugeridas (o que fazer); e fichas de orientação (como fazer).
Assista às duas mesas pelo YouTube
Saúde mental no trabalho
O segundo dia da XII Semana da Pesquisa da Fundacentro, no período da manhã, trouxe duas mesas: Saúde Mental e Trabalho, mediada por Marcelo Kimati, e SST na Indústria da Construção, mediada por Rodrigo Roscani, ambos coordenadores de Projetos. Foram apresentados oito estudos da instituição e um relato de experiência do Cerest Santo André (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador). As apresentações podem ser vistas no canal da Fundacentro no YouTube.
A questão da saúde mental partiu de uma apresentação da pesquisadora Ana Rubia Wolf do estudo técnico-exploratório “Referências bibliográficas sobre Mindfulness/Atenção Plena no âmbito do mundo do trabalho”. O Mindifulness começou a ser abordado na Fundacentro em 2017, com a criação de grupos que reuniram não só servidores da instituição como do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Ministério da fazenda, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Ministério da Saúde e DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Trasnportes).
Já a pesquisa foi realizada até 2022 nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), chegando-se a leitura dos resumos de 277 artigos, dos quais foram excluídos 52 duplicados. A análise do material mostrou estudos com professores, profissionais de saúde/serviço de urgência e emergência/atenção primária à saúde, jornalistas, cuidadores de idosos, crianças e adolescentes enfermos, policiais, mulheres que ocupam cargo gerencial e atletas profissionais. Essas pesquisas citaram diminuição dos níveis de estresse, da fadiga mental, da depressão e da ansiedade, promoção do bem-estar pessoal e da saúde mental, aumento da imunidade, estratégias de enfrentamento e melhora da qualidade do sono.
“Há necessidade de novos estudos, principalmente no que se refere a ações junto aos trabalhadores como forma de promoção da saúde mental e prevenção ao estresse, suicídio, burnout, depressão e ansiedade”, afirmou Ana Rubia. “Sabemos que é preciso modificações na organização para resolver problemas de saúde mental “, ressaltou.
O estudo técnico “Riscos psicossociais do trabalho e a política pública jovem aprendiz” foi apresentado pela pesquisadora Solange Schaffer, que começou a estudar a questão em seu doutorado com pesquisa etnográfica no chão de fábrica em que pôde analisar como a SST era gerenciada e entrevistar 24 aprendizes de 17 a 19 anos.
Os jovens apresentavam queixas como: insônia, cansaço extremo, ganho de peso devido à má alimentação, tensão constante, pouco tempo para descanso fora da fábrica; tristeza recorrente, irritabilidade, agressividade e competição entre colegas aprendizes; sofrimento pelo retrabalho de tarefas finalizadas; cobrança por metas incoerentes com suas atividades; não exercício da criatividade; desprazer nas atividades realizadas; humilhação, discriminação, misoginia e assédio moral e sexual.
No novo estudo, em andamento, Solange avalia como instituições internacionais abordam a exposição ocupacional de jovens aos riscos psicossociais e quais são as recomendações de enfrentamento dos problemas apresentados. A análise abrange documentos da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da União Europeia e o modelo OMS (Organização Mundial da Saúde) /Prima EF sobre fatores de riscos psicossociais no trabalho. “Espera-se que por meio da pesquisa bibliográfica seja possível recomendar aos responsáveis pela política pública de aprendizagem, ações de promoção de ambientes de trabalho seguro e saudáveis aos adolescentes e jovens aprendizes”, afirmou a pesquisadora.
Os professores também estiveram em pauta nesta mesa, com o pesquisador Jefferson Peixoto, que apresentou o projeto “Caminhos para a melhoria das condições de trabalho e saúde dos professores na perspectiva das políticas públicas”. A pesquisa de natureza quali-quantitava se desenvolveu em três eixos - estatístico-epidemiológico, bibliográfico e empírico -, que resultaram em três relatórios: Estatísticas e indicadores epidemiológicos de saúde dos professores: um novo olhar com base em dados públicos oficiais, Condições de trabalho e saúde dos professores no Brasil: uma revisão para subsidiar as políticas públicas e Condições de trabalho e saúde dos professores no Brasil: caminhos e descaminhos das políticas públicas na avaliação de um grupo de pesquisadoras.
Jefferson destacou a realização de novos estudos com ênfase no aprofundamento da compreensão das nocividades relacionadas ao trabalho, visando a ações de prevenção e promoção de saúde. Para ele, a providência inicial mais urgente e categórica, para reverter “esse (des)caminho modulado por pressupostos alheios ao interesse público”, consiste na efetivação da valorização dos professores prevista em lei. “A LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] prevê a valorização do professor e não tem sido cumprida”, apontou.
A mesa ainda contou com a apresentação de Ana Clara Pedrão, do Cerest Santo André, sobre acolhimento aos trabalhadores de saúde vítimas de violência relacionada ao trabalho. Ela trouxe o caso de sete trabalhadores que sofreram agressões físicas e verbais proferidas por acompanhantes de paciente e destacou a importância de se intensificar a notificação de casos como esses.
Por fim, houve a participação como debatedora da psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Renata Paparelli. Ela destacou que o processo de trabalho é determinante do sofrimento e a necessidade de se mexer na organização. Em relação aos jovens aprendizes, apontou que ao aprender a trabalhar é fundamental que “não aprendam que trabalhar é estar exposto a condições insalubres”. Também problematizou o termo riscos psicossociais, pois a noção de risco traz em seu interior a ideia de variável, de que um risco é descolado de outro e a noção de limite de tolerância, que não existe para a saúde mental.
Indústria da construção
A mesa seguinte trouxe o projeto “Segurança e saúde no trabalho na indústria da construção: Uma abordagem das medidas de proteção coletiva contra queda de altura e choque elétrico”, apresentado pela pesquisadora Maria Christina Félix. A equipe realizou estudo bibliográfico da literatura nacional e internacional, buscando artigos científicos, dissertações, teses, manuais e normativas técnicas produzidas nos últimos dez anos sobre o tema. Também foram realizadas visitas técnicas e reuniões com especialistas e representes do setor para compreender o saber prático dos canteiros de obras.
O projeto possibilitou a realização de cursos sobre SST na indústria da construção em Recife/PE e no Rio de Janeiro/RJ e a elaboração de materiais como a Recomendação técnica de procedimentos nº 05: instalações elétricas temporárias em canteiros de obras - 3ª edição e os folhetos Riscos ocupacionais de origem elétrica em canteiros de obras e Proteção contra choques elétricos em canteiros de obras. Os próximos passos são revisar e atualizar as RTPs 01, 02 e 03, realizar mais três cursos dessa temática e publicar livro sobre PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) no canteiro de obras.
A pesquisadora Cristiane Paim apresentou o projeto “Pintura imobiliária em condições seguras e saudáveis”, que buscou compreender os riscos associados a essa atividade e apoiar pintores profissionais a desenvolverem suas atividades de forma mais segura e saudável. A equipe realizou pesquisa on-line com questionário e recebeu o apoio da Abrapp (Associação Brasileira de Pintores Profissionais).
A ação resultou no folheto Trabalho em altura: saiba como evitar acidentes com queda de altura na pintura imobiliária e no relatório técnico Considerações sobre a base de dados dos associados da Associação Brasileira de Pintores Profissionais (ABRAPP): prospecção e análise exploratória. Outros dois produtos encontram-se em elaboração, um novo folheto sobre riscos químicos nessa área e o manual para o pintor imobiliário, voltado para a saúde e segurança no trabalho de pintura. Também será realizado um relatório final do projeto.
A questão do amianto apareceu na apresentação de dois projetos: “Levantamento de materiais de fibrocimento-amianto com uso de imagens de satélite no município de Florianópolis”, por Gustavo Pottker; e “Desenvolvimento de estratégias para difusão de informações para remoção segura dos materiais contendo amianto de instalações prediais”, por Valéria Pinto.
Segundo Pottker, o projeto propõe o mapeamento dos materiais contendo amianto (MCA) presentes em telhados de Florianópolis por meio do sensoriamento remoto, ou seja, com uso de imagens da terra capturadas por satélite. Um software realizará a classificação das imagens por meio de algoritmos. Foram coletadas informações in loco e pelo Google Maps. Após finalizar a classificação, serão elaborados artigo científico e materiais voltados para a prefeitura dessa cidade.
Sobre o outro projeto, Valéria explicou que realizaram pesquisa documental sobre experiências internacionais de remoção do amianto; interlocução com pesquisadores e agentes governamentais dos países que possuem experiências bem-sucedidas na remoção dos MCA de instalações prediais; publicações voltadas ao trabalhador, com base no Guia de Boas Práticas de Desamiantagem; e criação de estratégias para comunicação do risco de exposição ao amianto para a população em geral. Entre os produtos, estão as cartilhas Ei, tem amianto? e Desamiantagem: o que você precisa saber : trabalhar com materiais contendo amianto e o conteúdo de FAQ (“frequently asked questions” – dúvidas frequentes) para a página da Fundacentro.
Por fim, o tecnologista Luiz Antônio de Melo apresentou estudo técnico sobre SST para os urbanitários do setor elétrico, que deu origem a uma nota técnica para analisar a concessão de aposentadoria especial aos segurados do Regime Geral da Previdência Social, que trabalham no Sistema Elétrico de Potência. Para tanto, foram realizadas reuniões com o Sindicato dos Urbanitários e a inserção do Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho de Pernambuco ao projeto. A nota encontra-se em fase de aprovação pelos envolvidos e será enviada aos canais competentes.
O debatedor Jucelino Souza Júnior, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústrias de Construção, Montagem e Mobiliário de Campinas e Região, avaliou positivamente a Fundacentro desenvolver projetos sobre a construção civil. “Me chamou bastante atenção a questão da precarização do trabalho. Durante a pandemia, não cessamos nosso trabalho”, destacou. Para ele, a questão do MEI (Microempreendedor Individual) para pintores é uma “prática corriqueira das empreiteiras” que os sindicatos tentam combater. Já a bonificação para celetista, em sua avaliação, busca a produtividade. “Nosso cotidiano combate à precarização do trabalho nas relações de trabalho”, concluiu.
Sistemas de Informação em SST
Na tarde de 13 de dezembro, houve a mesa Sistemas de Informação em SST, mediada pelo diretor Rogério Bezerra, com a presença do debatedor José Carlos do Carmo, médico do Centro de Vigilância Sanitária do estado de São Paulo. “São estudos que buscam uma metodologia científica, mas que buscam ser colocados em prática”, destacou o debatedor.
A pesquisadora Maria Maeno apresentou o trabalho “Identificação de óbitos por presumíveis acidentes de trabalho na base de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)”, que analisa a base do SIM do município de São Paulo, de 2006 a 2019, para propor critérios que identifiquem óbitos por acidentes do trabalho não registrados como tal. Essa questão é abordada no campo 49 do registro, que é facultativo.
Dos 102.745 óbitos registrados no período, 553 foram identificados como acidentes do trabalho, dos quais 243 foram reclassificados. Houve a identificação de 18 causas básicas de morte, por exemplo, queda, exposição a corrente elétrica e impacto por objetos. A discussão tem sido ampliada com outros órgãos, em oficinas e reuniões. Um dos limitantes identificados é o pouco preenchimento do campo AT – 88,27% dos óbitos não contavam com o preenchimento.
Já a pesquisadora Cristiane Barbosa trouxe estudo preliminar sobre condições de trabalho e repercussões na saúde do trabalhador em ambiente de frigorífico. “As condições de trabalho expõem os trabalhadores a diversos riscos nesses ambientes”, afirmou. São riscos físicos - frio, calor, umidade, ruído/vibração -, químicos - agentes para higienização e refrigeração -, biológicos - contato com sangue, dejeções, vísceras, ossos etc. -, biomecânicos e psicossocias. “O ritmo do trabalho é excessivo, quase sem pausas regulares, trabalho repetitivo e fragmentado. Na questão do sofrimento, os trabalhadores convivem com morte e desmontagem do animal”, disse.
Os pesquisadores analisaram os benefícios acidentários e previdenciários (B91 e B31), relacionando a CID (Classificação Internacional de Doenças) e os riscos. No caso B91, 73,7% dos benefícios tiveram causas osteomusculares, seguidos por problemas de sistema nervoso (12,8%), do sistema digestivo (4,3%), mentais (3,7%) e do aparelho circulatório (2,7%).
Também foram apresentados três trabalhos da Renast: “Prevenção de óbitos por acidentes de trabalho, o sistema Zero Óbito na atuação intersetorial da região de Piracicaba/SP”, por Alessandro Nunes da Silva, do Cerest Piracicaba; “Parceria entre Samu e Cerest: Uma estratégia para superar as subnotificações de acidente de trabalho” e “Driblando a subnotificação de acidentes de trabalho: uma parceria entre o PA-Alvorada e Cerest Regional de Guarulhos”, ambos apresentados por Thiago Oliveira do Cerest Guarulhos.
Pesquisa e extensão em SST
Ainda na mesma data, ocorreu a mesa Pesquisa e Extensão em Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, mediada por Cézar Saito, da Fundacentro, tendo como debatedor Eduardo Bonfim, do Diesat (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho).
O pesquisador José Marçal Jackson Filho fez uma exposição sobre o desenvolvimento da Ergonomia da Atividade no Brasil e na França, tema de seu pós-doutorado. Após imersão etnográfica na cultura francesa, ele delineou o cenário de diferenças que fizeram com que a ergonomia se desenvolvesse de outra forma no Brasil.
Em sua apresentação, destacou a tradição republicana da França, e a ergonomia enquanto intervenção e transformação, que se funda a uma demanda real. Há um caráter público, com participação nas questões sociais que estão colocadas. “Espero que a comunidade ergonômica comece a discutir uma ergonomia brasileira da atividade”, defendeu Marçal.
Já a pesquisadora Tereza dos Santos apresentou o caminho das pesquisas sobre coletores de lixo até a NR 38 (Segurança e Saúde no Trabalho nas Atividades de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos). O aprendizado dos estudos desenvolvidos desde 1990 permitiu que se conhecesse essa atividade e que se subsidiassem políticas e a norma regulamentadora, visando à melhora das condições de trabalho.
A primeira pesquisa de Tereza foi a dissertação de mestrado “Coletores de lixo: a ambiguidade do trabalho na rua”, de 1996. A última, “Condições de trabalho e saúde dos coletores de lixo na limpeza urbana” de 2022, solicitada pela Secretaria de Inspeção do Trabalho para subsidiar a construção da NR 38, que entrou em vigor em janeiro deste ano.
Tereza destacou a importância de olhar a subjetividade dos trabalhadores numa imersão etnográfica. “Pesquisar suas formas de pensar, sentir e agir implica em desvelar suas subjetividades a partir de aspectos objetivos e concretos do trabalho e de seu modo de funcionar”, explicou. “A leitura dos aspectos psicossociais são fundamentais para a elaboração de regulamentos e políticas públicas”, concluiu.
O estudo “Perfil da produção científica em Segurança e Saúde no Trabalho no Brasil e no mundo no período de 2016 a 2020” foi apresentado pelo pesquisador Eduardo Garcia. “Os temas de pesquisas e os objetos de estudo relacionados ao campo da SST devem refletir as recentes e complexas transformações do mundo do trabalho. Conhecê-los pode contribuir para identificar os temas mais pesquisados e os emergentes e contribuir para a definição de prioridades em pesquisa que possibilitem subsidiar a discussão de políticas públicas em SST”, afirmou.
Com foco na produção científica brasileira, os pesquisadores utilizaram as bases bibliográficas BVS e a Coleção SciELO Brasil e elaboraram uma equação de busca, definindo 40 descritores principais e 273 termos. Chegaram a 7.741 artigos, que foram avaliados individualmente por duas pessoas e depois discutidos pelas duplas. Esse número foi reduzido para 3.355 artigos na base final, visando à análise dos dados.
“Chamou-nos a atenção algumas falhas de indexação de metadados e, sobretudo, a falta de correspondência entre as palavras-chave utilizadas nos artigos e os descritores indexados nas bases, o que não nos permitiu analisar essa variável”, avaliou Garcia.
O pesquisador Marco Antonio Bussacos apresentou o estudo “Condições de saúde e segurança no trabalho dos profissionais da educação no Grande ABC paulista”, que abrange as cidades de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul . Para tanto, são usados dados secundários.
“Aqueles coletados através de métodos pré-estabelecidos, por outros pesquisadores, com finalidade específica, e que estejam à disposição para os estudos epidemiológicos, obtidos de fontes já existentes”, explicou.
Na análise, os pesquisadores notaram casos em que não é possível separar ocorrências B91 e B31, CIDs mal preenchidas ou com preenchimentos heterogêneos, múltiplos CBOs (Código Brasileiro de Ocupação) ou ausência deles e dificuldade para separar professores.
Por fim, Patrícia Perini da Silva, do Núcleo de Vigilância Epidemiológica em Saúde do Trabalhador (DVSAT/Covisa/SMS/SP) apresentou o trabalho “Vigilância em saúde de óbitos por acidentes de trabalho no município de São Paulo”, que busca qualificar melhor essa base de dados.
Gestão de SST e Trabalho Informal
O último dia de evento contou com duas mesas de apresentação de projetos pela manhã: Gestão de SST, mediada por Daniel Bitencourt e debatida por José de Miranda, coordenador de Saúde Ocupacional do Serviço Social da Indústria (Sesi-SP); e Segurança e Saúde dos Trabalhadores Informais, por Cristiane Paim e Thaís Cremasco, da Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas (AATC) e Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat).
O projeto “Gerenciamento de riscos ocupacionais na pequena empresa”, que busca desenvolver uma ferramenta para auxiliar na elaboração do Programa de Gerenciamento de Risco (PGR) de estabelecimento com até 49 funcionários, foi apresentado pelo pesquisador Luís Renato Andrade.
Já o pesquisador José Damásio de Aquino trouxe o trabalho “Sistema de gestão de segurança e saúde no trabalho e certificação segundo a ISO 45001 no Brasil”. Pretende-se identificar as organizações certificadas segundo a ISO 45001/2018 no país e enviar questionário on-line, com posterior contato com responsáveis, para saber: tempo para implantação dos requisitos do SGSST previstos na norma; índice de acidentes antes e após a implantação; e possíveis ganhos financeiros.
O relatório final do projeto poderá mostrar os benefícios relacionados à melhoria das condições dos ambientes de trabalho nas empresas brasileiras certificadas. Por enquanto, a equipe produziu o relatório técnico “Identificação das ações que o governo poderia adotar para estimular a adoção de sistemas de gestão em segurança e saúde no trabalho (SST)”.
Por fim, houve a apresentação da “Pesquisa sobre a integração do PCMAT [Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria de Construção] na Gestão de Obras”, por Eduardo Buoso, do Cerest Piracicaba.
A última mesa de projetos de pesquisa trouxe o pesquisador Flávio Bentes para falar sobre “Agricultura Familiar na região serrana do Rio de Janeiro: estudo das condições de segurança e saúde no trabalho”. A região conta com 16 municípios, e os pesquisadores já realizaram visitas em unidades familiares de produção agrária em Nova Friburgo/RJ para reconhecimento do campo de trabalho.
Busca-se identificar os principais riscos e propor melhorias para condições de trabalho, além de se realizar estudos referentes aos fatores psicossociais associados ao trabalho na agricultura familiar. O uso de pulverizador costal de aplicação manual de agrotóxicos foi um dos problemas já observados.
A pesquisadora Laura Nogueira apresentou o Projeto “SST para jovens trabalhadores do setor informal: estudo de caso com entregadores ciclistas de mercadorias. Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva e transversal realizada com entregadores ciclistas entre 18-29 anos que atuam utilizando plataformas que conectam estabelecimentos fornecedores com clientes para a entrega de alimentos.
Segundo Laura, a gestão por algoritmos, com controle do trabalho humano, garante mais produtividade e está na base do capitalismo. As empresas exercem o controle com bloqueios e retirada dos trabalhadores da plataforma de forma arbitrária, sem que as razões para exclusão sejam conhecidas. Os critérios para distribuição de pedidos, ranqueamento (score) e as taxas de deslocamento também não são claros para os trabalhadores. É um trabalho precarizado sem proteção social. O sofrimento ainda aparece na relação com os clientes e nas humilhações vivenciadas.
Por fim, o pesquisador Leo Vinicius Liberato apresentou a pesquisa “Fatores para uso de mochilas ou baús na entrega de alimentos por motociclistas”. O objetivo foi apreender os fatores imediatos que levam os motociclistas que trabalham com entrega de refeição por aplicativo a usarem a mochila (bag) ou baú. “Há pressuposto de que baú é mais adequado à saúde, mas maioria trabalha com bag”, explicou.
Os pesquisadores aplicaram questionário a 192 motoboys e motogirls nas cidades de Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Curitiba/PR e Florianópolis/SC. “A associação significativa entre uso da bag e dor nas costas e/ou ombros, encontrada nessa amostra de conveniência, reforçou a premissa de que o uso da bag é um fator de risco à saúde desses trabalhadores”, apontou Liberato. O motivo mais frequente para uso da bag foi a integridade da refeição. Outros fatores destacados para o uso foram o custo financeiro e a facilidade para a utilização da garupa.
Algumas sugestões foram apresentadas para se pensar em conjunto e mudar a situação: adequação das embalagens e do embalamento dos produtos; adaptação de baús para transporte de refeições - redesenho ou bolsa térmica; custo do baú pago pelos que se beneficiam; desenvolver baú de fácil retirada e colocação na moto; e ações de informação e transferência de experiência para o uso do baú
Debates finais
A Semana da Pesquisa foi encerrada com uma mesa de debate sobre Saúde Mental e Trabalho, mediada pelo diretor Rogério Bezerra da Silva. Participaram Marcelo Kimati e Juliana Oliveira, ambos pesquisadores da Fundacentro, Gláucia Moraes, do Ministério da Saúde, e Fabíola Zani, do Ministério Público do Trabalho. José Augusto (Guto) Camargo, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), foi o debatedor.
Marcelo Kimati destacou que é fundamental criar rede para que boas iniciativas possam ser replicadas. Já Juliana Oliveira trouxe informações acerca do Grupo de Estudos Tripartite sobre Riscos Psicossociais no Trabalho, do qual faz parte, com a finalidade de produzir subsídios técnicos para políticas públicas do Ministério do Trabalho e Emprego em relação ao tema.
A Conferência de Encerramento “Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil vocês existem e são valiosos para nós” foi ministrada por Jorge Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e desembargador aposentado da Justiça do Trabalho. Ele defendeu a revogação da reforma trabalhista e a regulação do trabalho por aplicativo. Também criticou a reforma previdenciária e apontou a necessidade de uma reforma administrativa que valorize os servidores e o serviço público, diferente do que tem sido proposto.
“É momento de dizer as coisas. Nós precisamos fazer o enfrentamento e a crítica”, afirmou Souto Maior. Para tanto, defendeu um “enfrentamento real”. “Temos que mobilizar os movimentos sociais, mas eles precisam de uma utopia, não a lógica da reeleição”, completou.
Em sua avaliação, no Brasil, “o trabalhador não é visto nem como mercadoria, porque mercadoria tem valor”, o que é fruto de um histórico colonialista e escravagista. “Estamos numa disputa entre conhecimento e barbárie”, concluiu.
“Que resgatemos a nossa utopia coletiva. Isso que nos move e que nos une”, concluiu o diretor de Pesquisa Aplicada da Fundacentro. Rogério Bezerra.
Saiba mais
Parcerias marcam retomada da Fundacentro
XII Semana da Pesquisa da Fundacentro enfoca estudos e intervenções em SST