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Em festa, povo Guarani recebe o registro da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC)
Entrega do registro da Terra Indígena Morro dos Cavalos ao povo Guarani. Foto: Mre Gavião/Ascom MPI - Foto: Mre Gavião I Ascom MPI
Em cerimônia realizada neste sábado (11), o povo Guarani comemorou a homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC) e recebeu o registro das mãos da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana. Esta é a 13º Terra indígena homologada desde a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Organizado pelo povo Guarani, o evento contou com a presença de autoridades do governo para celebrar a homologação do território, realizada em dezembro de 2024, por ato presidencial.
Em sua fala, a ministra comemorou a homologação e comentou sobre os esforços do governo federal para garantir as condições para que o povo Guarani tenha liberdade, dignidade e o usufruto exclusivo da TI, conforme direito constitucional. “A homologação e o registro são passos importantes, mas a gente precisa e vai continuar trabalhando, articulando e buscando formas para garantir a proteção desse território, a segurança desse povo dentro desse território e, mais do que isso, garantir a gestão desse território a partir das iniciativas e dos modos de vida povo Guarani”, defendeu Sonia Guajajara.
O registro da homologação foi realizado pela Funai em cartório do município de Palhoça, em Santa Catarina, onde está localizada a TI. Ele representa a última fase do processo de regularização fundiária, que formaliza a posse permanente e usufruto exclusivo do território pelo povo Guarani. A liderança Guarani Eunice Kerexu foi quem recebeu o registro das mãos da ministra Sonia Guajajara e da presidenta da Funai, Joenia Wapichana. “Essa festa que fazemos hoje é sonhada há muitos anos. Eu me sinto tão pequenininha diante desse momento tão grandioso, ele chegou e ele é real. Eu falo sempre para a minha comunidade: agora a gente vai dizer ‘eu acredito!’ Sempre que a gente faz nossa luta indígena, a gente tem que trazer as palavras do esperançar”, comemorou Kerexu.
Ao entregar o registro da TI Morro dos Cavalos às lideranças Guarani, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, também comentou sobre o esforço do governo federal para a proteção territorial contra novas tentativas de invasão e para o fortalecimento da gestão territorial. “Agora, nós vamos continuar esta missão institucional, que é apoiar a iniciativa das comunidades indígenas a terem um desenvolvimento sustentável e a ter a sua gestão coletiva”, destacou Joenia.
Em sua fala, Eunice Kerexu também agradeceu aos presentes e homenageou as lideranças indígenas da região e do país. “A nossa luta não é de agora, é de muitos anos, muito antes de se falar sobre a demarcação de terras, muito antes de fazermos reivindicação do processo demarcatório. Eu quero agradecer aos nossos ancestrais que já não estão mais aqui, que já partiram e não viram esse processo chegar até o final, na forma física. Quero agradecer a nossa ancestralidade, a todas as lideranças que passaram por esse território, aos povos indígenas de todo o país que somaram nessa luta junto com a gente”, finalizou.
Compromisso de governo
A secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kenarik Boujikian, comentou em seu discurso sobre o compromisso do governo federal com a agenda indígena. “Hoje é um dia de muita alegria para os indígenas da TI Morro dos Cavalos, mas também é um momento de muita alegria para todo o Brasil. Eu digo isso porque cada vez que a gente consegue a conquista de algum direito indígena, seja ela qual for, significa que nós estamos muito mais perto daquele projeto de país e de Estado brasileiro que está na nossa Constituição”, defendeu a secretária.
Durante sua fala, Kenarik Boujikian leu a carta escrita pelas lideranças do povo Guarani, que consta no estudo de identificação da TI, e homenageou aquelas que não sobreviveram para ver os resultados de sua reivindicação. “A luta dos povos indígenas é uma inspiração para todo brasileiro que quer construir esse país. É uma luta de resistência, que só vai terminar quando a última Terra Indígena for homologada. E nós vamos seguir juntos e juntas com vocês para alcançar essa meta”, disse.
A ministra Sonia também comemorou os avanços na política indigenista desde o início da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a homologação de 13 Terras Indígenas e a assinatura de 11 portarias declaratórias. “No MPI, temos o compromisso de continuar avançando com os processos demarcatórios em todas as suas etapas. Nós tomamos posse após uma gestão em que a decisão política era de que não haveria um centímetro de terra demarcada para povos indígenas. O que, de fato, foi cumprido. Na gestão do presidente Lula, conseguimos superar os 10 anos anteriores em número de homologações e vamos continuar avançando”, disse Sonia Guajajara.
Também participaram da cerimônia, o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, a secretária adjunta de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Débora Nogueira Beserra, o secretário de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, o diretor de Promoção de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça, Pedro Henrique Martinez, a diretora de Proteção Territorial da Funai, Janete Carvalho, o coordenador da Coordenação Regional Litoral Sul da Funai, Hyral Moreira, Coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa e representante da Articulação dos povos Indígenas do Brasil (APIB), José Benites, entre outras autoridades do governo e outras lideranças indígenas.
Histórico
A ocupação do litoral de Santa Catarina pelo povo Guarani é reconhecida desde o século XVI, de acordo com os estudos que subsidiaram o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), feito pela Funai. A partir de 1960, com a criação da BR 101, que atravessa o território, a área passou a sofrer pressão ambiental e política, por atividades econômicas de uso predatório do ecossistema, e pelo aumento da ocupação não indígena na região.
A partir da década de 1970, foi intensificada a vulnerabilidade social do povo Guarani Mbyá e Nhandeva, assim como o esbulho territorial. Em 2001, foi criado o Grupo de Trabalho de identificação e delimitação da Terra Indígena, que teve sua portaria declaratória publicada em 2008. Em 2010, foi publicada a Demarcação Física dos Limites da TI. Desde então, as comunidades convivem com ameaças e violências sistemáticas de setores contrários ao reconhecimento pelo Estado da ocupação tradicional Guarani neste território.
Hyral Moreira, que é do povo Guarani e coordenador da Coordenação Regional Litoral Sul da Funai, também falou sobre a pressão e oposição exercida por forças políticas locais e comentou sobre os impactos negativos ao povo indígena pela instabilidade gerada com a lei do marco temporal (lei 14.701/23).
“Há alguns anos criaram uma CPI para nos investigar, pois havia um questionamento muito forte na sociedade de que Morro dos Cavalos não era Terra Indígena. E esteve aqui no território uma comissão que investigava isso, com alguns deputados ruralistas. Eu tive a oportunidade de ser indicado pelas lideranças e eu disse: se há questionamento sobre a nossa territorialidade, eu mostro para vocês a minha certidão de nascimento, que é anterior a essa história do marco temporal. Eu nasci aqui no Morro dos Cavalos, fui registrado aqui. Nós já estamos há 1.500 anos aqui, em luta”, disse”
Durante o evento, a professora e antropóloga Maria Inês Ladeira, que coordenou os estudos da TI, falou sobre o histórico de pressões e violações de direitos sofridas pelo povo e enfatizou a importância de se reconhecer a ética indígena como referência para um futuro viável não só à população indígena, mas para toda a sociedade. “Ao longo desse período, a ética da generosidade Guarani vem se contrapondo com a ética do pensamento não indígena, que valoriza apenas a propriedade privada e a acumulação”, disse em seu discurso.
“Quando se luta por uma Terra Indígena, se luta pelo futuro de um povo. Ao ser regularizada uma TI e reconhecidos os direitos territoriais dos povos indígenas, estamos reconhecendo a necessidade de que cada sociedade possa viver, se reproduzir e manter a riqueza da sua sabedoria, da sua ciência, da sua visão de mundo, que resulta em benefícios para todo o país”, reforçou a antropóloga.