Algoritmos, big data e inteligência artificial para prever indicadores de adoecimentos ocupacionais são temas de artigos

A prevenção de acidentes e adoecimentos do trabalho é um dos principais focos da Segurança e Saúde no Trabalho (SST) e envolve diferentes estratégias e métodos. É fundamental acompanhar as mudanças decorrentes de novas configurações e organizações das atividades e de alterações sociais, econômicas, políticas que impactam o mundo do trabalho. O desenvolvimento tecnológico é também um desafio colocado, principalmente pela velocidade com que ocorre, e essa é a temática de três artigos publicados na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO).

As publicações abordam tanto os benefícios, quanto os malefícios da tecnologia para a Saúde do Trabalhador (ST). De um lado, usos de inteligência artificial (IA) e big data para prever com mais precisão indicadores de saúde e possibilitar melhor prevenção e até redução de ocorrência de doenças e acidentes ocupacionais. Do outro, os impactos negativos da intensificação do uso de novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na saúde dos trabalhadores a partir da pandemia da Covid-19.

IA e big data em benefício do trabalhador

Um grupo de pesquisadores comparou diferentes técnicas supervisionadas de aprendizado de máquina, um dos ramos da IA, para prever fatores que mais influenciam na ocorrência de dermatite ocupacional. Os resultados revelam um potencial caminho do aprendizado de máquina para auxiliar e subsidiar a implantação de procedimentos e políticas de Segurança e Saúde e do Trabalhador (SST) mais efetivas. Isso pode refletir na melhoria tanto da gestão de atividades, como na prevenção e até redução na frequência de doenças e acidentes ocupacionais.

O artigo Uso de técnicas de aprendizado de máquina para classificação de fatores que influenciam a ocorrência de dermatites ocupacionais descreve etapas e métodos de seleção dos diferentes algoritmos testados, o treinamento do conjunto de dados e a validação ou teste para avaliação do modelo. Para a análise descritiva pelos algoritmos, utilizaram-se dados contidos em informações do perfil epidemiológico de 616 trabalhadores atendidos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entre 2000-2014 por conta de possível dermatite ocupacional.

A construção do modelo de aprendizagem de máquina considerou os fatores sexo, idade, etnia, escolaridade, profissão, preexistência da doença, síndrome da pele excitada e diagnóstico relacionado ou não ao trabalho. Essas informações permitiram à máquina identificar padrões, classificar fatores e construir aproximações úteis de forma a elaborar previsões. O pressuposto foi a suposição de que os cenários futuros não são suficientemente diferentes dos eventos anteriores, assegurando a confiabilidade do sistema.

O estudo observou que todas as técnicas testadas apresentaram precisão entre 55% e 69,4%, sensitividade entre 49,1% e 80,7% e especificidade entre 50% e 66,7%. O erro médio entre as variáveis foi de 37,5% e a maior prevalência encontrada foi de 64%. Em relação aos fatores que influenciam no desenvolvimento de dermatite ocupacional, sexo e escolaridade foram os mais determinantes, embora não tenha sido possível estabelecer a melhor técnica com os parâmetros default. Apesar disso, outros dados encontrados no estudo indicam o potencial de melhoria de desempenho das técnicas a partir de ajustes adicionais dos hiperparâmetros em vez do uso de parâmetros default.

Outro artigo também destaca a tecnologia como ferramenta potencial para identificar indicadores de saúde e possibilitar previsões precisas que beneficiem decisões governamentais e médicas em Saúde do Trabalhador. Big data em Saúde do Trabalhador: o quão distantes estamos? traz uma revisão com diversos exemplos de como a inteligência artificial (IA) e o big data conjuntamente podem aprimorar investigações de situações ocupacionais. Ao permitir incluir variáveis ambientais, mentais e genéticas e múltiplos preditores de características de trabalhadores, saúde, socioeconômicos e sociais, propicia interações complexas de diversos aspectos relacionados a trabalho e desfechos de saúde.

O estudo pesquisou publicações nas bases Medline, Embase, BVS e SciELO, cobrindo todos os anos disponíveis até dezembro de 2022. De 505 artigos localizados, apenas 16 atendiam os critérios de inclusão na pesquisa. Desses, somente um relatava experiência com big data para gerar informações sobre saúde ocupacional e dois, usos de modelos de aprendizado de máquina para prever doenças em trabalhadores.

Apesar do potencial dessa tecnologia, o artigo observa que a escassez de estudos pode decorrer da falta de padronização e da incompletude dos registros de agravos à saúde relacionados ao trabalho. Um problema já há muito debatido e que figura entre as principais barreiras para a aplicação de big data e métodos de aprendizado de máquina na saúde ocupacional. Essa falha nos dados pode resultar de subnotificações para evitar sanções, visto que, na maioria dos países, é a própria empresa que registra os dados. Há também fatores como inserção incorreta de dados pelos profissionais da saúde e falta de qualidade nos sistemas de informação.

Impactos das TIC na saúde do trabalhador

Assim como pode possibilitar um caminho em busca de melhorias na prevenção e redução de doenças e acidentes ocupacionais, a tecnologia pode também ser fator de risco à saúde dos trabalhadores. É o que aborda o artigo de revisão Tecnologias de informação e comunicação: revisão de escopo dos instrumentos de avaliação dos fatores de risco psicossociais no trabalho contemporâneo.

A publicação destaca que a apropriação, pelo capitalismo, das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) a partir da pandemia da Covid-19 intensificou e aprofundou a precarização do trabalho mediado por essas ferramentas. Mais vigilância, controle e cobrança por resultados individuais, conectividade contínua, sobrecarga de informações, utilização excessiva de celulares para trabalho, acúmulo de tarefas e necessidade de reorganização mental constante. Esses são alguns dos geradores de tecnoestresse e telepressão que contribuíram para o aparecimento de novos fatores de riscos psicossociais no trabalho e para o aumento de transtornos mentais em trabalhadores.

Nesse cenário, o estudo analisou instrumentos de avaliação dos fatores de riscos psicossociais no trabalho para verificar se contemplam as novas demandas psicossociais do trabalho mediado por TIC. Conclui que diversos fatores de estresse digital não estão adequadamente considerados nos questionários, sendo escassos aqueles com ênfase em TIC, isso porque os mais utilizados foram desenvolvidos para o trabalho presencial.

A pesquisa se concentrou em artigos publicados de 1990 até 2023 nas bases científicas PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde, Embase, Scopus e Web of Science. Similarmente ao estudo citado acima, de 3.424 artigos, apenas 18 tratavam de instrumentos para a avaliação de fatores de riscos psicossociais no trabalho, reforçando a escassez de estudos que tratam da saúde do trabalhador considerando fatores tecnológicos. Desses 18, seis são específicos para o uso das TIC. O período de publicação também é próximo ao artigo citado acima, 2004 e 2021, sendo 44% nos últimos cinco anos e quase 90% de origem europeia. No Brasil, apenas o RED-TIC, adaptado transcultural para o país em 2010, é adequado para avaliação de TIC. No entanto, por ter mais de 15 anos, não contempla aspectos atuais de sobrecarga de trabalho associada ao uso das TIC.

Saiba mais

Leia os artigos na íntegra:

Uso de técnicas de aprendizado de máquina para classificação de fatores que influenciam a ocorrência de dermatites ocupacionais

Big data em Saúde do Trabalhador: o quão distantes estamos?

Tecnologias de informação e comunicação: revisão de escopo dos instrumentos de avaliação dos fatores de risco psicossociais no trabalho contemporâneo

Leia os demais artigos dos volumes 48 e 49.

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Texto:

Karina Penariol Sanches

Imagem:

Imagem de Reto Scheiwiller por Pixabay