Notícias
Saúde mental
Pesquisas abordam captura da subjetividade e assédio moral institucional
O Dossiê Saúde Mental e Subjetividade, da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO), traz estudos que podem contribuir para a compreensão das formas de dominação no cenário de avanço neoliberal e da precarização do trabalho. Também se observam as repercussões desse contexto na subjetividade e na saúde mental de trabalhadores e trabalhadoras.
Os olhares se voltam para diferentes áreas. Há análises tanto do setor privado quanto público. São os casos do artigo de pesquisa “A captura da subjetividade de bancários como tecnologia gerencial: estudo de um instrumento de avaliação de desempenho” e do relato de experiência “Assédio moral institucional: o caso dos servidores administrativos do Ministério do Trabalho e Previdência”, respectivamente.
Controle da subjetividade
O artigo “A captura da subjetividade de bancários como tecnologia gerencial: estudo de um instrumento de avaliação de desempenho” aponta como esse tipo de sistema quebra a solidariedade entre colegas e estabelece a competição, que divide os funcionários em vencedores e fracassados.
O instrumento de avaliação de desempenho, utilizado até recentemente em um banco privado brasileiro, avalia metas quantitativas (dimensão objetiva), denominadas X, e a conformidade em relação aos comportamentos prescritos, Y, que são valorizados pela organização (dimensão subjetiva). A análise mostrou que a estrutura dele proíbe de antemão que todos vençam e que ninguém seja derrotado.
Isso porque, mesmo no cenário mais positivo permitido, no mínimo 5% dos trabalhadores devem ser classificados nos quadrantes de "performance baixa em X", "performance baixa em Y" e "performance crítica". O instrumento de avaliação também exclui pelo menos 50% dos concorrentes de alcançar a classificação máxima.
Nesse cenário, os trabalhadores passam por “um constante e ininterrupto monitoramento de si e dos outros”. A pretensa neutralidade que esse tipo de instrumento apresenta, como se fosse regido exclusivamente por parâmetros matemáticos, faz com que o “sujeito ativo da dominação” seja “introjetado no próprio dominado” em vez de “estar atrelado a uma figura externa (o patrão/o capital)”.
“Tal situação faz com que o trabalhador não perceba que seu fracasso na avaliação de desempenho não decorre de insuficiências subjetivas, mas é causado por uma arquitetura objetiva estruturalmente excludente”, afirma o autor. “Hoje, mais do que nunca, o poder se manifesta pelo controle da subjetividade. Alinhado à essa tendência de dominação, a sofisticação das técnicas de gestão é capaz de produzir sérios efeitos psicossociais”, conclui.
Assédio moral institucional
Se de um lado há a captura da subjetividade, como mostra o estudo sobre bancários, de outro tem sido recorrente no serviço público o assédio moral institucional. Essa é a pauta do relato de experiência “Assédio moral institucional: o caso dos servidores administrativos do Ministério do Trabalho e Previdência”. Na pesquisa, acompanharam-se 27 reuniões de servidores administrativos do então MTP entre março e junho de 2022, com registros em diários de campo e a sistematização de situações problemas, que apresentavam características de assédio moral institucional.
“O assédio moral institucional é caracterizado por cortes de recursos, desvios de função, burocratização e hipernormatização dos processos, dificuldade de interpretação das regras, rompimento dos fluxos de trabalho, ausência de concursos públicos, cobranças excessivas por produtividade, falta de capacitação, equipamentos antigos e de difícil operabilidade, falta de limpeza dos setores e falta de segurança dos funcionários”, segundo definição da Anfipea (Associação dos Funcionários do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), utilizada pelos autores.
Na época da pesquisa, a Secretaria do Trabalho (Strab) contava com 3.266 servidores administrativos. A Strab foi criada em 2019, quando o Governo Bolsonaro extinguiu o então Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Inicialmente vinculada ao Ministério da Economia (ME), em 2021, passou a fazer parte do então recriado MTP. Nesse período, o assédio moral institucional aparecia como ação política, de forma a minar as próprias instituições.
O grupo de servidores estudado também organizou e liderou algumas paralisações pontuais durante os meses de março e abril, que resultaram em uma greve ocorrida entre maio e junho de 2022. As reuniões foram acompanhadas por dois pesquisadores, que buscaram compreender as reivindicações, as condições reais de trabalho e os possíveis sofrimentos vivenciados naquele contexto.
“A percepção dos servidores era de aumento da intensidade do trabalho com consequente sensação de esgotamento. Os desvios de função e a degradação das condições de trabalho, somados ao aumento das demandas nos canais digitais (pela pandemia) e presenciais (pós-pandemia), trouxeram angústias de diferentes ordens, as determinações definidas pelos governos federais nos últimos anos gerou a percepção, pelos servidores da Strab, de assédio moral proveniente das instâncias superiores, ou seja, de assédio institucional”, apontam os autores.
A movimentação dos trabalhadores possibilitou a recriação do Grupo Permanente de Discussão das Condições de Trabalho (GPCOT), criado em 2010 e extinto em 2019, e a retomada de discussão histórica sobre plano de carreira decorrente do desvio de função.
“Se o trabalho pode ser considerado uma possibilidade de produzir novas normas, ou novas formas de vida, faz-se necessário criar espaços de debate e confrontação, internos e protegidos às organizações, acerca das contradições e angústias vividas no trabalho, para que outros modos de trabalhar, favorecedores de saúde, possam se instituir”, concluem os autores. Dessa forma, revela-se o trabalho humano e o nosso engajamento subjetivo nele.
Saiba mais
Leia os textos na íntegra:
Acompanhe as publicações da RBSO nos portais: Fundacentro e SciELO. Também é possível ter acesso pelo X ou pelo aplicativo da revista, disponível para os sistemas IOS e Android.
Texto:
Cristiane Oliveira Reimberg