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ARTIGO
Saúde do trabalhador é direito constitucional
Qual o lugar da saúde do trabalhador na sociedade? Como esse direito é tratado na legislação e no âmbito das políticas públicas? Que caminhos precisam ser trilhados para que trabalhadoras e trabalhadores possam vivenciá-la? Essas são algumas das questões que a médica e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno, busca responder no texto Saúde do Trabalhador no âmbito da Saúde Coletiva, publicado como capítulo do livro Distúrbio da Voz Relacionado ao Trabalho: conquistas e desafios na América Latina, organizado por Leslie Piccolotto e Marta Assumpção.
O trabalho é um dos determinantes sociais da saúde e da doença e as ações de saúde do trabalhador são atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o artigo 200, inciso II, da Constituição Federal. Também se coloca no art. 196 que a saúde deve ser garantida “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
“A Constituição Federal incorporou o conceito de que a saúde não é definida predominantemente por aspectos biológicos e genéticos e sim por condições sociais de vida e trabalho das pessoas, processo possível graças à intensa efervescência social na década de 1970 e 1980”, explica Maria Maeno.
Segundo a Lei Orgânica da Saúde (LOS), a saúde do trabalhador é entendida como “um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho,...”. Assim a saúde do trabalhador é introduzida como parte da saúde coletiva, sendo válidas as diretrizes do SUS de universalidade, integralidade e participação da comunidade.
Precarização do trabalho
A pesquisadora aponta que, apesar de a saúde do trabalhador ser um direito constitucional, alterações na legislação trabalhista, por meio da Lei nº 13.467/17, “aprofundaram a precarização da vida e das relações de trabalho, fazendo prevalecer o negociado sobre o legislado, com evidentes repercussões sobre a saúde dos trabalhadores e de suas famílias”.
Um dos exemplos é o contrato de trabalho intermitente, no qual trabalhadores ficam à disposição das empresas para serem convocados conforme as necessidades delas para prestar serviços por horas, dias ou meses. “Essa instabilidade leva o trabalhador à situação de, em caso de adoecimento, minimizar os sintomas e as limitações para não perder oportunidades de se manter em atividade laboral o máximo de tempo possível, premissa para que possa se sustentar materialmente. A tendência será de aumento do presenteísmo com cronificação de doenças e agravamento de incapacidades, resultantes de interrupções de tratamentos e acompanhamento inadequado”, avalia a médica.
A mesma lei exclui o teletrabalho da regulação da jornada de trabalho, que acaba sendo prolongada e conta com a conexão continuada. Outra dificuldade pode ser caracterizar acidentes traumáticos como ocupacionais, mais facilmente caracterizados no trabalho presencial.
“A instabilidade nos contratos de trabalho aumenta a possibilidade de o trabalhador perder sua condição de segurado e ser jogado para a informalidade, o que o torna desprovido de direitos”, avalia Maeno. “Baseadas em estudo realizado em 194 países, de 2000-2016, a OMS e a OIT estimam que pessoas submetidas a jornadas de trabalho de 55 horas ou mais por semana têm risco aumentado para a ocorrência de doença cardíaca isquêmica e acidente vascular cerebral”, completa.
A pesquisa discute outros aspectos do direito no trabalho e previdenciário; as repercussões na saúde mental causadas por longas jornadas, sistema de metas e avaliação de desempenho, submissão a condições perigosas, insalubres, penosas e humilhantes, ritmo extenuante, instabilidade e possibilidade de desemprego por tempo prolongado e transtornos psíquicos relacionados ao trabalho; e a história da construção de políticas nacionais voltadas para a saúde do trabalhador e suas limitações.
Saiba mais
O capítulo Saúde do Trabalhador no âmbito da Saúde Coletiva faz parte do livro Distúrbio da Voz Relacionado ao Trabalho: conquistas e desafios na América Latina. Acesse a obra na Biblioteca da Fundacentro.