MARCO DE REFERÊNCIA DE SISTEMAS ALIMENTARES E CLIMA PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Órgão: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

Setor: MDS - Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Status: Encerrada

Abertura: 27/05/2025

Encerramento: 22/06/2025

Contribuições recebidas: 309

Responsável pela consulta: Coordenação-Geral de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável

Contato: cgsau@mds.gov.br

Resumo

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) abre consulta pública para contribuições ao documento “Marco de Referência de Sistemas Alimentares e Clima para Políticas Públicas”, que tem por objetivo contribuir para a convergência e a articulação de políticas e ações públicas entre diferentes setores, promovendo a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. 

O documento disponibilizado para Consulta Pública é resultado de revisões científicas, seminários e oficinas com especialistas, e adota como princípios o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), a soberania alimentar, a justiça e o federalismo climáticos, as abordagens sistêmicas e a participação social. Sua elaboração foi baseada nas mais recentes evidências científicas sobre o tema, agrupadas em quatro premissas: 

  • A mudança do clima é uma realidade e seus efeitos já são percebidos em todo o planeta  

  • Sistemas alimentares e a mudança do clima estão interligados   

  • A mudança do clima agrava as injustiças, acentuando a pobreza, ampliando as desigualdades e afetando principalmente pessoas e comunidades mais vulnerabilizadas  

  • O desenvolvimento socioeconômico é amplamente afetado pela mudança do clima, ao mesmo tempo que o atual modelo fomenta tais alterações  

A partir das premissas e dos princípios do Marco, foram propostos caminhos relacionados à governança e à adequação dos modos de produção, abastecimento e consumo.  

As contribuições sobre as premissas e caminhos apontados no documento poderão ser realizadas nesta Plataforma Participa + Brasil no período de 27/05/25 a 21/06/2025.Para apoiar as contribuições, acesse aqui o Marco de Referência completo. 

As mudanças climáticas impõem desafios diretos ao sistema alimentar, atualmente responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. A agricultura, especialmente a familiar e desenvolvida por comunidades tradicionais, sofre com a escassez hídrica e eventos climáticos extremos, afetando a produtividade, a renda e a segurança alimentar de milhões de pessoas. 

Apesar da produção de alimentos ser suficiente, o acesso desigual, o desperdício e os preços elevados fazem com que a fome ainda persista. Os efeitos das mudanças climáticas reduzem a disponibilidade de alimentos saudáveis, impactando especialmente as famílias de baixa renda e agravando quadros de má nutrição, tanto por desnutrição quanto por obesidade. 

Além disso, nas cidades, eventos climáticos extremos intensificam a vulnerabilidade das populações marginalizadas, que enfrentam racismo ambiental e diversas formas de exclusão social. Nesse contexto, torna-se urgente integrar ações de mitigação e adaptação climática às políticas de segurança alimentar e nutricional, com foco especial nas populações mais afetadas. 

A proposta do Marco está sendo elaborada sob coordenação da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan/MDS), em parceria com o Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição (OPSAN), da Universidade de Brasília (UnB), e com o Instituto Clima e Sociedade (ICS). A elaboração do documento foi baseada nas mais recentes evidências científicas sobre o tema e contou a realização de uma oficina com especialistas de diversas áreas. 

O documento é um desdobramento do Planejamento Estratégico do MDS, do Plano Plurianual 2024–2027 e do Plano Brasil Sem Fome, que reconhecem a interdependência entre clima e sistema alimentar, sendo estabelecido o compromisso de propor um marco sobre sistemas alimentares e clima e metas para reduzir os impactos mútuos entre as mudanças climáticas e o sistema alimentar. 

A participação social é essencial para o aprimoramento do documento, garantindo que ele reflita a diversidade de saberes e perspectivas da sociedade brasileira. Todas as sugestões recebidas serão analisadas com o objetivo de fortalecer políticas públicas voltadas à transição para sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas. 

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Contribuições recebidas
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O documento disponibilizado para Consulta Pública é resultado de revisões científicas, seminários e oficinas com especialistas, e adota como princípios o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), a soberania alimentar, a justiça e o federalismo climáticos, as abordagens sistêmicas e a participação social. Sua elaboração foi baseada nas mais recentes evidências científicas sobre o tema, agrupadas em quatro premissas, a partir das quais foram propostos caminhos relacionados à governança e à adequação dos modos de produção, abastecimento e consumo.

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Essa Consulta Pública visa obter contribuições sobre as premissas e caminhos apontados no documento. Recomenda-se que as propostas, especialmente relacionadas às premissas, sejam referenciadas com evidências científicas.


  1. PREMISSAS

  2. As premissas foram estabelecidas a partir das principais evidências científicas que analisam a relação entre as mudanças climáticas e os sistemas alimentares, incluindo suas causas e consequências. Essas evidências serviram de base para a definição de princípios orientadores e para a proposição de caminhos voltados à transição para sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis. Aqui em premissas, aponta-se como os sistemas alimentares contribuem para a mudança climática e os efeitos para a InSAN e saúde das pessoas. Já em caminhos, como os sistemas alimentares podem fazer parte da solução, com várias iniciativas em curso. Destaca-se que, por se tratar de sistemas complexos, as interações entre clima e alimentação não seguem uma lógica linear ou unidirecional, exigindo abordagens integradas e sistêmicas. Para apoiar as contribuições e ter acesso às referências utilizadas, acesse o link do Marco completo: https://drive.google.com/file/d/1e9fgwxiBpcYx9dVgCXc1zD2ucb8TV35h/view?usp=drive_link


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ORIENTAÇÕES: Ao realizar sugestões sobre as premissas, sinalize o número da justificativa. Caso a sugestão envolva alteração no conteúdo,  é recomendado que sejam apresentadas evidências científicas que a embase.


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PREMISSA 1 - A MUDANÇA DO CLIMA É UMA REALIDADE E SEUS EFEITOS JÁ SÃO PERCEBIDOS EM TODO O PLANETA 

  1. As atividades realizadas pela humanidade, que resultam nas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), são as principais causas do aquecimento global.Entre 1990 e 2019, mundialmente, houve aumento de cerca de 54% nas emissões de GEE, principalmente devido aos combustíveis fósseis e processos industriais. Desde a Revolução Industrial até 2022, estima-se que as emissões aumentaram cerca de 182 vezes. Ouso insustentável de energia, as mudanças no uso da terra e os padrões de produção, consumo e estilo de vida somam-se aos fatores responsáveis pelo aquecimento global.33,34 
  2. Os limites para o equilíbrio e a manutenção dos ciclos na Terra estão sendo ultrapassados, devido ao desmatamento, ao uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes, às emissões de CO2 e à poluição química e escassez de água35,36. A mudança do clima ? um desses limites ? agrava outros problemas, como perda de biodiversidade, falta de água e degradação do solo, pressionando ainda mais o meio ambiente37.  
  3. As correlações entre a mudança do clima e os impactos sobre os habitats naturais que decorrem das dinâmicas socioeconômicas são altamente significativas. A crise climática, como um dos principais fatores das mudanças na natureza ocorridas nos últimos 50 anos, representa um risco crescente devido à velocidade com que vem se desenvolvendo e à sua interação com outros elementos que contribuem para a degradação ambiental38 
  4. A biodiversidade, que inclui a variedade de espécies e ecossistemas, está ameaçada e sua perda agrava a mudança do clima. Apesar de ser essencial para o planeta, o bem-estar humano e a economia39, 25% da biodiversidade já foi extinta,40 tornando a produção de alimentos menos eficiente e mais vulnerável e afetando o solo, a polinização e a água41 
  5. Globalmente, cerca de 79% das emissões globais de GEE provêm de combustíveis fósseis, enquanto 21-37% são causadas pela agricultura e uso da terra42. A principal causa das emissões deGEE no mundo é a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, usados na produção de eletricidade, no transporte e na indústria, sendo a maior fonte de dióxido de carbono (CO2), o gás que mais contribui para o aquecimento global43. 
  6. No Brasil, o perfil de emissões de GEE difere do restante do mundo. O principal emissor em 2022 foi em função do uso da terra, mudança do uso da terra e florestas, com emissões totais em 39,5% (805.694 ktCO2eq) o segundo, a agropecuária, com 30,5%(622.014 ktCO2eq);e o terceiro, energia, com20,5% (418.451ktCO2eq)44. 
  7. Estima-se que a emissão vinda de sistemas alimentares pode chegar a até61%do total. Em 2022, as emissões totais contabilizaram 2.039.236 ktCO2eq (GWP AR5). Os setores da agropecuária e uso da terra e mudança do uso da terra e florestas, implicados nos sistemas alimentares, foram responsáveis por emissões líquidas totais na ordem de 1.427.465,2ktCO2eq (GWP AR5)45.Esses números se refletem na totalidade do setor agropecuário, que está inserido nos sistemas alimentares, e no fato de que o subsetor campo e pastagem, refletindo principalmente a conversão de florestas para campo e pastagem, representa o maior impacto em relação a mudança no uso da terra(949.958 ktCO2eq), demonstrando, também, sua relação com os sistemas alimentares, representando a soma de até 61% das emissões totais de GEE.Cabe destacar que, nesse subsetor, também foram contabilizadas asmaiores remoçõeslíquidas quecontribuíram com -312.125 ktCO2eq, resultantes, principalmente, da vegetação protegida dentro de Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Outras estimativas apontam que os setores somados podem representar até 70% das emissões de GEE46. 
  8. O limite de aumento de temperatura em 1,5¿°C, estabelecido pelo Acordo de Paris47, foi superado48. O aumento da temperatura é causado pela acumulação de GEE, falta de medidas eficazes e fenômenos naturais, e essa ultrapassagem revela que as ações climáticas atuais não estão sendo suficientes para evitar maiores impactos49.  
  9. Os aumentos da temperatura média global e de eventos extremos, como ondas de calor, secas e chuvas intensas, afetam gravemente os serviços ecossistêmicos, especialmente a disponibilidade de água. Em 2024, o Brasil teve o ano mais quente desde 196150. Os serviços ecossistêmicos são essenciais para a produção de alimentos, matérias-primas e água, além de regular o clima, purificar o ar e proteger contra desastres naturais51,52. Projeções indicam que, até 2040, a disponibilidade de água no Brasil pode cair até 40%, aumentando o risco de escassez, principalmente em regiões semiáridas53. 
  10. São evidentes os impactos da mudança do clima no território nacional e nos ecossistemas. O Brasil é extremamente suscetível à mudança do clima, em razão de sua extensa área costeira, de uma economia com forte vínculo no setor primário e dos efeitos do aumento de temperatura global sobre o clima tropical. A intensificação da desertificação no Nordeste e de secas na Amazônia, os incêndios no Pantanal, secas graves na Bahia e as inundações no Sudeste e Sul do país são resultados tanto da intervenção humana nos ecossistemas quanto do aquecimento global ? fatores que se combinam e se retroalimentam ?, gerando severos impactos sociais e ambientais54,55. 
  11. As poluições resultantes dos sistemas de produção atuais têm agravado os impactos ambientais. A poluição é uma das principais fontes de impactos ambientais, contaminando o ar, a água e o solo, o que prejudica os ecossistemas e contribui para o aquecimento global e mudança do clima. Poluentes tóxicos, como agrotóxicos, produtos químicos e plásticos, afetam a biodiversidade, enquanto a poluição também tem graves efeitos na saúde humana, causando doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer. Esse aumento da poluição compromete a regeneração dos ecossistemas, agravando crises ambientais e sociais.56,57.
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PREMISSA 2 - OS SISTEMAS ALIMENTARES E A MUDANÇA DO CLIMA ESTÃO INTERLIGADOS  

  1. A mudança do clima afeta a disponibilidade de alimentos. Os prejuízos causados à agropecuária nacional pelo excesso ou falta de água, entre 2014 e 2023, foram da ordem de R$ 282 bilhões58. Na mesma perspectiva, entre 2005 e 2015, as perdas agropecuárias representaram 67% das perdas econômicas do país59. Globalmente, aproximadamente 65% das perdas decorrentes de secas ocorrem no setor agropecuário60. 
  2. Os cenários climáticos indicam impactos altamente relevantes para a produção de alimentos. São esperados impactos na produção e no abastecimento de alimentos no país, da ordem de 10 a 40%, assim como na disponibilidade de áreas aptas para cultivos e na demanda por água para irrigação, que deve crescer em mais de 66% até 204061,62. 
  3. A forma como produzimos alimentos pode impulsionar o aquecimento global. A mudança do clima afeta a produção, qualidade e acesso aos alimentos, impactando o Direito Humano à Alimentação Adequada63,64. Sistemas alimentares baseados em monoculturas, no uso intensivo de recursos naturais, de agrotóxicos, sustentados por circuitos alimentares longos, potencializam as emissões de CO2 no Brasil65. 
  4. A mudança do clima está deslocando as zonas de cultivo com impactos diretos na produção de alimentos básicos. Cada 1°C de aumento na temperatura pode deslocar áreas agrícolas em até 200 km66, pressionando territórios da agricultura familiar e reduzindo a produção de culturas essenciais como arroz e feijão. Eventos climáticos extremos e a conversão de áreas preservadas em fronteiras agrícolas67podem impactara segurança alimentar e a biodiversidade, especialmente em países em desenvolvimento68,69. 
  5. A mudança do clima tem causado perdas de culturas alimentares tradicionais, como ervas medicinais e sementes crioulas, essenciais para a diversidade genética e a segurança alimentar e nutricional. O aumento da temperatura, alterações nas chuvas e eventos climáticos extremos afetam a viabilidade desses cultivos, especialmente em comunidades indígenas e rurais70. A variabilidade climática ameaça a conservação da agrobiodiversidade, levando à extinção de variedades locais71. Além disso, culturas como milhos crioulos e plantas medicinais estão diminuindo devido ao estresse hídrico e mudanças na temperatura, o que compromete a soberania alimentar72, ameaçando conhecimentos ancestrais e sistemas agrícolas sustentáveis desenvolvidos por gerações.  
  6. O uso excessivo de agrotóxicos contribui para a mudança do clima ao contaminar o solo e a água, prejudicando o meio ambiente. O uso indiscriminado de agrotóxicos prejudica o solo, contamina a água, reduz a biodiversidade e afeta a variedade de espécies73. Além disso, resíduos de agrotóxicos já foram encontrados em produtos ultraprocessados74. A exposição a níveis elevados desses produtos, pode causar problemas graves nas áreas social, ambiental, econômica e na saúde7576,77,78Em 2023 ainda foram encontrados em alguns alimentos resíduos de carbofurano, um agrotóxico cujo uso está proibido no Brasil79. 
  7. As criações concentracionárias de animais, típicas da produção intensiva, ameaçam a Saúde Única ? abordagem que integra a saúde humana, animal e ambiental ? ao favorecerem a propagação de vírus e bactérias devido à alta densidade animal e condições sanitárias precárias80. Para conter surtos, recorre-se ao uso massivo de antimicrobianos, o que intensifica a resistência antimicrobiana, considerada uma grave ameaça à saúde global81. Sem ações eficazes, essa resistência poderá causar até 10 milhões de mortes por ano até 205082, agravada ainda pela transferência de genes resistentes entre animais, humanos e o ambiente83. 
  8. Os eventos climáticos extremos comprometem a produção agrícola, o abastecimento e a distribuição dos alimentos dificultando o seu acesso e consumo, especialmente para a população mais vulnerabilizada. Mudanças nos ciclos climáticos, que resultam em irregularidades das chuvas, aumento da frequência de eventos extremos, alteração nas estações de crescimento, surgimento de pragas e degradação do solo, tornam a agricultura mais imprevisível e vulnerável, dificultam o abastecimento e a distribuição de alimentos, afetando, assim, a produção e o acesso a alimentos frescos e incentivando o consumo de produtos ultraprocessados.84,85,86 
  9. O acesso aos alimentos saudáveis é prejudicado em situações de emergência climática. Estudo realizado no Rio Grande do Sul, com 92 municípios, avaliou como o acesso à comida foi afetado durante a maior emergência registrada no estado. Foi identificado que 16% dos comércios de alimentos estavam localizados em áreas inundadas, e em 11 cidades, mais de 40% dos estabelecimentos foram atingidos pelas águas. Os locais mais afetados foram aqueles que vendem alimentos frescos ou pouco processados, como frutas, verduras, carnes e peixes. As peixarias foram as que mais sofreram (quase 29% ficaram em áreas alagadas), seguidas pelos restaurantes (cerca de 18%). Esses dados mostram que as enchentes prejudicaram bastante o acesso da população a alimentos saudáveis e frescos87.  
  10. A falta de água, causada por eventos climáticos extremos como secas, dificulta a produção e o acesso a alimentos frescos, como frutas e verduras. A água é essencial para o cultivo, e sua escassez reduz a oferta, aumenta os preços e afeta o acesso a uma alimentação adequada e saudável. Além disso, a água é necessária no processamento e distribuição dos alimentos, agravando o problema88,89,90. 
  11. A sustentabilidade dos recursos pesqueiros globais está gravemente ameaçada pela pesca intensiva, que já excedeu o limite máximo de captura sustentável, pela poluição, extração de minerais e combustíveis fósseis, pela degradação dos habitats costeiros, aumento da temperatura dos oceanos e pela acidificação dos oceanos, processos que, juntos, comprometem a produção de alimentos marinhos, alteram cadeias alimentares e forçam a migração de espécies91. 
  12. A fermentação entérica da criação bovina (404.062ktCO2eq) foi a principal responsável pela emissão líquida de CO2 relacionada à agropecuária no Brasil em 2022. Em 2022, houve uma leve redução na participação da pecuária (21% do total nacional), embora mantendo seu padrão dominante: 64,5% das emissões agropecuárias vieram da fermentação entérica92.Já as mudanças de uso da terra permaneceram como principal fonte (48% em 2022), confirmando os setores mudanças no uso do solo, e agropecuária, como as principais fontes de emissões de GEE no Brasil93,94..Outros dados sugerem que 90-99% do desmatamento tropical está associado à expansão agropecuária, com o rebanho bovino (93% das emissões pecuárias) como o principal vetor95. 
  13. Cadeias alimentares longas, com maior distância entre produção e o consumo, dentro do país, emitem mais CO2 do que cadeias médias e curtas. As emissões das cadeias médias e longas são 4,21 e 15,41 vezes maiores, respectivamente, do que as cadeias curtas de abastecimento96.Isso acontece porque exigem mais transporte, armazenamento, processamento, refrigeração e embalagens, aumentando o uso de combustíveis fósseis e de energia. 
  14. A mudança do clima compromete o transporte de alimentos ao danificar infraestrutura, elevar custos logísticos e causar atrasos na distribuição. Eventos climáticos extremos bloqueiam rotas e o aumento da temperatura prejudica o armazenamento, ampliando perdas. A queda na produção agrícola exige transporte de longas distâncias para abastecer os locais afetados, emitindo mais GEE, encarecendo os alimentos e agravando a insegurança alimentar e a mudança do clima97. 
  15. A mudança do clima pode agravar os desertos alimentares, áreas com acesso limitado a alimentos frescos e saudáveis.Com as mudanças de temperatura e os eventos extremos, a produção local diminui, as redes de abastecimento podem ser danificadas e a cadeia de transporte se torna mais longa, reduzindo a disponibilidade desses alimentos, especialmente em regiões vulneráveis, e dificultando o acesso a uma alimentação adequada e saudável98,99. 
  16. A mudança do clima afeta a qualidade nutricional dos alimentos. O aumento do CO2 reduz a concentração de proteínas, ferro, zinco e vitaminas do complexo B em cereais, como trigo e arroz. Isso pode agravar a desnutrição e as deficiências nutricionais, especialmente em populações que têm cereais como base de suaalimentação100101. 
  17. A alimentação gera impacto ambiental aferido pela quantidade de CO2 liberado e pela água usada na produção dos alimentos. O consumo de alimentos de origem animal corresponde pelas maiores emissões, considerando o contexto geral de uma alimentação102.Uma dieta com mais carne pode gerar até 6,4 kg equivalente de CO2 e usar 6.293 litros de água por pessoa por dia, mais que o dobro em comparação com uma alimentação saudável103. 
  18. O consumo de produtos ultraprocessados prejudica a saúde e produz impacto ambiental. O consumo de produtos ultraprocessados no Brasil apresenta impactos ambientais alarmantes, gerando emissões de 4,2 kg de CO2 e consumo de 3.789 litros de água diários por pessoa, devido à sua dependência de monoculturas (milho, soja, trigo) e cadeias produtivas complexas que demandam grande quantidade de água, energia e combustíveis fósseis104,105. Entre 1987-2018, as pegadas de carbono, hídrica e ecológica dos ultraprocessados aumentaram 245%, 233% e 183%, respectivamente, com destaque para o crescente impacto das carnes processadas. 
  19. O plástico usado nas embalagens de produtos ultraprocessados também contribui para a poluição do meio ambiente. Anualmente, são produzidas cerca de 430 milhões de toneladas de plásticos no mundo, e mais de 60% desse total é considerado como ?de uso único?, como embalagens descartáveis que poderiam ser evitadas106.A produção de plástico depende de combustíveis fósseis, contribuindo para as emissões de CO2 e agravando a mudança do clima107,108,109,110,111,112,113,114,115,116,117.O descarte inadequado de resíduos plásticos também contribui para a poluição do meio ambiente, por demorar a decompor, gerar microplásticos, causar danos à vida marinha, contaminar solo e água e emitir poluentes, gerando impactos negativos de longo prazo118. 
  20. A perda e o desperdício de alimentos estão diretamente ligados à emissão de GEE nos sistemas alimentares. A perda ocorre ao longo da cadeia de produção, desde a colheita, o abate ou a captura, enquanto o desperdício acontece principalmente no varejo e no consumo. Juntos, cerca de 30% dos alimentos são perdidos ou desperdiçados. Esse problema contribui para a emissão de 500 milhões de toneladas de CO2, o que representa 10% do total de emissões de CO2 geradas pelos sistemas alimentares119,120. 
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PREMISSA 3 - A MUDANÇA DO CLIMA AGRAVA AS INJUSTIÇAS, ACENTUANDO A POBREZA, AMPLIANDO AS DESIGUALDADES E AFETANDO PRINCIPALMENTE PESSOAS E COMUNIDADES MAIS VULNERABILIZADAS 

  1. Os sistemas alimentares hegemônicos,interligados à mudança do clima, agravam também as desigualdades sociais. Sistemas dependentes da monocultura, afetam a empregabilidade no campo, a distribuição de terras, a produção e o preço dos alimentos, além defazerem uso intensivo de água e energia. Com isso, há desigualdade no acesso a terras, aos recursos naturais, ao crédito e a tecnologias, limitando a competição e a adaptação de pequenos agricultores à mudança do clima121. 
  2. A crise climática afeta a vida das pessoas, especialmente as mais vulnerabilizadas, como povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, moradores de áreas periféricas, mulheres e crianças.Isso ocorre porque essas pessoas são mais expostas à crise climática, conflitos no território e aos eventos extremosEmbora contribuam menos para a crise, são as mais afetadas, sofrendo com o aumento da pobreza e da insegurança alimentar e com a dificuldade de acesso a uma alimentação adequada.  
  3. Os sistemas alimentares e a mudança do clima são componentes centrais e determinantes da Sindemia Global de desnutrição, obesidade e mudança do clima. Nesse fenômeno, em que esses problemas coexistem e se reforçam mutuamente, há compartilhamento de causas comuns, como sistemas alimentares insustentáveis e desigualdades socioeconômicas. Esse ciclo impacta a saúde humana e a sustentabilidade dos sistemas alimentares, especialmente em países vulneráveis, com o agravamento vindo também de fatores como transporte, urbanismo e uso da terra122.  
  4. A mudança do clima ameaça a segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, que dependem diretamente da biodiversidade para a caça, pesca, coleta e agricultura tradicional. Alterações nos padrões de chuva, secas prolongadas, aumento de temperaturas e eventos extremos reduzem a disponibilidade de alimentos naturais, como peixes, frutas e animais de caça, enquanto pragas e doenças afetam cultivos tradicionais123,124. Além disso, a invasão de terras indígenas por atividades como agropecuária e garimpo agrava a escassez de recursos125. Essas mudanças levam à desnutrição, perda de saberes tradicionais e maior dependência de alimentos processados e produtos ultraprocessados. 
  5. Mulheres e meninas, especialmente negras, são mais afetadas pela mudança do clima e insegurança alimentar e nutricional. O trabalho não remunerado, como cuidados familiares e tarefas domésticas, limita seu tempo para atividades produtivas, capacitações e inovação, reduzindo sua capacidade de lidar com a mudança do clima126,127,128,129. Produtoras rurais enfrentam dificuldades de acesso a crédito e a terras. Embora representem 43% da força de trabalho agrícola, possuem menos de 20% das terras. A falta de financiamento e a exclusão digital dificultam o acesso a insumos modernos, tecnologias e informações essenciais para a adoção de práticas agrícolas resilientes e sustentáveis130. 
  6. A crise climática também é uma crise dos direitos das crianças. As crianças são as menos responsáveis pela mudança do clima, mas são as mais afetadas, especialmente nas áreas mais vulneráveis. Elas sofrem mais com a exposição ao clima do que os adultos e podem ter a frequência escolar impactada por eventos extremos. No Brasil, mais de 40 milhões de crianças e adolescentes (quase 60%) estão expostas a riscos climáticos131.Crianças de famílias chefiadas por mulheres negras, indígenas e quilombolas enfrentam mais riscos de desastres como secas, inundações e queimadas. Ainda, 12,2 milhões de crianças e adolescentes vivem sem saneamento básico adequado, enquanto 2,8 milhões não têm acesso regular à água, principalmente nas áreas rurais. Desse total, cerca de 1,5 milhão vivem sem água canalizada em suas residências, e outros 1,2 milhão dependem de fontes localizadas fora de suas moradias132.   
  7. Protagonistas do movimento climático, jovens do Sul Global sofrem com carga desproporcional da crise ambiental.Jovens de países em desenvolvimento lidam com desafios como pobreza, falta de serviços básicos e dependência de recursos naturais, o que limita seu acesso à educação, renda e saúde. Mesmo atuando ativamente por justiça climática, são frequentemente excluídos dos processos políticos, o que aprofunda sua vulnerabilidade frente à mudança do clima133. Essa exclusão, aliada aos impactos ambientais, contribui para o aumento de transtornos mentais como a ecoansiedade e o medo constante de catástrofes climáticas134. Tal cenário evidencia uma injustiça intergeracional135, já que as futuras gerações enfrentarão consequências climáticas severas sem terem sido responsáveis pelas emissões históricas que as causaram. 
  8. O acesso à água potável é um desafio significativo para populações vulnerabilizadas, que enfrentam riscos como insolação e desidratação devido à falta de hidratação adequada. Globalmente, 1,8 bilhões de pessoas bebem água contaminada, enquanto no Brasil, mais de 32 milhões de pessoas carecem de acesso à água potável136. A população em situação de rua enfrenta condições ainda mais precárias, resultando muitas vezes no consumo de água de baixa qualidade e segurança. O acesso adequado à água por essa população não é tratado como direito, mas sim como assistencialismo e caridade137, fazendo com que essas pessoas obtenham água por meio de favores, cobrança ou doações, ferindo a dignidade e o princípio da não-discriminação138. 
  9. O racismo ambiental e a mudança do clima estão intrinsecamente ligados.  Com a mudança do clima, comunidades historicamente marginalizadas, como negras, indígenas, quilombolas e povos de terreiros, são desproporcionalmente afetadas. A segregação e discriminação racial frequentemente as levam a viver em áreas mais vulneráveis a desastres, enfrentar maior exposição a poluentes e ter menos acesso a serviços essenciais, como saúde, água potável e saneamento. Choques climáticos afetam o acesso ao alimento e destroem ervas de povos de matriz africana. Com a crise climática, as condições de saúde e insegurança alimentar são agravadas, ampliando as desigualdades raciais e socioeconômicas existentes139,140 
  10. Além do racismo ambiental, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais são afetados pelo racismo fundiário e alimentar, o que agrava sua exposição à mudança do clima. A violação no acesso à terra e ao território está diretamente relacionada à raça. Pessoas negras e indígenas têm menos acesso à regularização fundiária, o que impacta diretamente na qualidade dos alimentos produzidos e consumidos141. Assim, os alimentos saudáveis estão ficando mais distantes dos territórios ocupados por eles, gerando um nutricídio dessas populações, bem como um Apartheid alimentar. 
  11. A irregularidade na distribuição de chuvas, seja por sua falta ou grande volume, acarreta riscos à alimentação das famílias. As mudanças têm afetado o fluxo hídrico142, gerando escassez de água para beber, cozinhar, produzir e atender outras demandas básicas, como a higiene pessoal. Além disso, a poluição das fontes de água disponíveis afeta a saúde humana e planetária143 e a segurança alimentar e nutricional, pois a água contaminada pode prejudicar a produção agrícola, a saúde, as criações de animais e os recursos pesqueiros.  
  12. As populações rurais estão enfrentando cada vez mais dificuldades para garantir sua subsistência. A mudança do clima tem provocado perdas na produção de alimentos, sua fonte de renda, escassez de alimentos, com aumento de seu custo, e redução da diversidade alimentar, especialmente para mulheres e pequenos agricultores, o que tende a agravar a fome no campo144 
  13. Conflitos por terra e recursos naturais têm se intensificado devido à mudança do clima, impactando, especialmente, populações rurais. Associados a eventos climáticos extremos, esses conflitos reduzem recursos essenciais e afetam a produção agrícola, aumentando a competição entre grupos sociais, agricultores e povos indígenas, gerando disputas violentas. Comunidades vulneráveis enfrentam conflitos com corporações e governos pela posse da terra, agravados por políticas de uso da terra, desmatamento e expansão de monoculturas145.   
  14. Eventos climáticos extremos e degradação ambiental impulsionam migrações internas no Brasil, especialmente de populações vulneráveis do semiárido nordestino e da Amazônia para centros urbanos.Entre 2010 e 2022, 70% dos deslocamentos foram motivados por eventos climáticos146 e, tanto em 2022quanto em 2023, mais de 700 mil pessoas se deslocaram por desastres147,148,149. Em 2022, a população rural, pela primeira vez, apresentou decréscimo em todas as regiões do Brasil, enquanto a população das regiões urbanas aumentou150. Esse fluxo migratório sobrecarrega as cidades, aprofundando problemas como falta de infraestrutura, moradias inadequadas, pobreza e acesso insuficiente a serviços básicos151,152,153. 
  15. Áreas periféricas de centros urbanos são mais afetadas pela crise climática e por eventos climáticos extremos. As periferias urbanas, marcadas por infraestrutura precária e alta vulnerabilidade socioambiental, sofrem impactos desproporcionais da crise climática, como enchentes, deslizamentos e ondas de calor ? que causaram 48.075 mortes em excesso (2000-2018) e afetaram 93% dos municípios brasileiros na última década154,155,156,157,158. Em 2024, desastres naturais danificaram 2,6 milhões de moradias e impactaram 13,1 milhões de pessoas, agravando o déficit habitacional e a exposição a riscos159,160,161.Com 87,4% da população vivendo em áreas urbanas162, a urbanização acelerada e ocupações realizadas sem planejamento urbano adequado aprofundam a segregação socioespacial, restringindo o direito à cidade, especialmente diante da mudança do clima e da gentrificação163,164.  
  16. Sistemas de proteção social são afetados devido à crise climática. A frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, intensificados pela mudança do clima, agravam as vulnerabilidades existentes, especialmente para aqueles que dependem da agricultura e dos recursos naturais para sobreviver. Os riscos relacionados ao clima podem levar pessoas à extrema pobreza e resultar em aumento nas necessidades de ação pública, pressionando sistemas de proteção social165,166. 
  17. A participação da sociedade nos espaços de decisão enfrenta várias barreiras. Muitas pessoas carecem de acesso a informações claras sobre os processos decisórios e os espaços são frequentemente dominados por grupos específicos e com maior poder político e econômico, excluindo comunidades locais e cidadãos comuns. A falta de educação política e ambiental dificulta o engajamento e pessoas vulneráveis e grupos marginalizados, como mulheres, negros e indígenas, muitas vezes não são adequadamente representados.  
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PREMISSA 4 - O DESENVOLVIMENTO SOCI0ECONÔMICO É AMPLAMENTE AFETADO PELA MUDANÇA DO CLIMA, AO MESMO TEMPO QUEO ATUAL MODELO FOMENTA TAIS ALTERAÇÕES 167,168 

  1. As consequências da crise climáticas impactam negativamente o desenvolvimento econômico do país, assim como em escala global. A inação diante das mudanças climáticas pode causar impactos econômicos e sociais severos no Brasil, com projeções preocupantes até 2050. Estima-se uma redução de 20,6% no crescimento acumulado do PIB ? o equivalente a uma perda anual de 0,35% ? e a não geração de cerca de 3,4 milhões de empregos, ou 112 mil postos por ano169. As perdas econômicas totais podem chegar a R$ 1,8 trilhão170, com um impacto anual estimado em R$ 13 bilhões (0,1% do PIB de 2022) devido a eventos extremos como secas e enchentes171. Setores estratégicos como agricultura, recursos hídricos e infraestrutura, essenciais para o desenvolvimento nacional e a competitividade internacional, estão entre os mais vulneráveis. Além disso, entre 800 mil e 3 milhões de brasileiros podem ser empurrados para a pobreza extrema a partir de 2030172 em decorrência desses choques climáticos. 
  2. Em cenários extremos, as perdas na produção agrícola poderiam reduzir o PIB brasileiro em até 1,3% até 2050. Em um cenário de aquecimento de 3°C até 2050, o Brasil poderia ter uma redução de até 50% na produção agrícola. Nos últimos 30 anos, estima-se que a perda global do setor agrícola e agropecuário decorrente de desastres climáticos seja equivalente a 5% do PIB mundial, aproximadamente US$ 123 bilhões por ano173. A agricultura familiar, responsável por grande parte da produção de alimentos, é especialmente vulnerável devido à menor capacidade de adaptação e resiliência. 
  3. Os modelos de desenvolvimento socioeconômico estão relacionados às injustiças sociais e à fome, e eventos extremos afetam diretamente milhares de pessoas, especialmente as mais vulneráveis. A mudança do clima não apenas desacelera o crescimento econômico, mas também amplia desigualdades. No Brasil, mais de 2,2 milhões de moradias foram danificadas entre 2013 e 2022 e mais de 4,2 milhões de pessoas foram deslocadas de suas residências, em especial por eventos extremos ligados às fortes chuvas, resultando em prejuízos estimados em R$ 26,0 bilhões174. 
  4. A concentração de mercado ocorrida nos últimos anos aumentou o poder e a influência das grandes corporações nos sistemas alimentares, com implicações para a segurança alimentar e nutricional. Isso se dá devido à ampliação de sua influência na formulação de normativas e políticas nacionais e ao maior controle dos preços e da oferta de alimentos. Assim, as escolhas e a autonomia de agricultores e consumidores têm se tornado mais limitadas175. 
  5. Governança limitada e fragmentada de sistemas alimentares, em diferentes esferas de governo, resulta em inércia política e ameaça o seu progressoA inexistência de uma coordenação fortalecida, que garanta coerência nas políticas e governança de segurança alimentar e nutricional e mudanças climáticas, além de dificultar a adoção de ações que levem à transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, possibilita que atores do setor privado pressionem os governos para influenciá-los de acordo com seus interesses regulatórios176. 
  6. Os sistemas alimentares respondem a determinados modelos de desenvolvimento socioeconômico, organizados e orientados por incentivos e investimentos, muitas vezes públicos. Esses investimentos, tanto públicos quanto privados, apoiam a produção científica, o desenvolvimento de novas tecnologias e métodos para explorar recursos naturais de forma mais eficiente e produzir mais, concentram-se em commodities mais especializadas, e não nas importantes para a segurança alimentar e nutricional, e podem não considerar os impactos ambientais. Além de ser capaz de aumentar o poder de mercado das multinacionais e fortalecer sua influência sobre políticas nacionais177,178,179. 
  7. Os custos invisíveis dos sistemas alimentares afetam distintos sistemas, com severos impactos econômicos, sobrecarregando países e populações mais pobres em todo o mundo. Os sistemas alimentares globais geraram em 2020 custos ocultos de US$ 12,7 trilhões anuais (10% do PIB mundial)180, incluindo danos ambientais, perda de biodiversidade e impactos na saúde, que recaem desproporcionalmente sobre populações vulnerabilizadas. Esses custos - como degradação de solos, escassez hídrica e doenças relacionadas à má alimentação - são sistematicamente transferidos para quem menos se beneficia dos sistemas alimentares atuais, evidenciando graves desigualdades socioambientais181. 
  8. Os aumentos das temperaturas e da frequência de eventos climáticos extremos podem elevar os gastos do governo. Os custos relacionados a esses eventos podem reduzir o PIB do Brasil entre 0,5% e 1% até o final do século, visto que essas mudanças podem fazer emergir doenças tropicais, piorar problemas respiratórios e exigir recursos para resgate e cuidado das populações em emergências182.Também são necessários recursos para a reconstrução das cidades e de infraestruturas afetadas, como estradas, portos e redes de energia, comunicação e abastecimento. 
  9. Danos à infraestrutura, decorrentes de eventos climáticos, prejudicam o crescimento do país e representam aproximadamente 1,3% do PIB em perdas anuais183. Prejuízos causados somente por esses eventos foram estimados em R$ 55,5 bilhões entre 2017 e 2022.184 Para os próximos 30 anos, estima-se gasto de R$ 540 bilhões (aproximadamente 0,25% do PIB nacional) com a infraestrutura brasileira em decorrência da mudança do clima185. Para a sua adaptação, os custos podem chegar a US$ 7 bilhões por ano até 2050186. 
  10. A mudança do clima afeta a assiduidade no trabalho por meio de impactos na saúde, condições desfavoráveis, deslocamentos dificultados e pressões econômicas. Eventos extremos podem interromper o transporte e prejudicar a produtividade, especialmente em setores como agricultura e construção. Além disso, problemas de saúde relacionados ao clima e custos de adaptação elevados podem resultar em faltas e dificuldades financeiras para empresas e trabalhadores187,188. 
  11. A mudança do clima impacta diretamente a inflação, especialmente a de alimentos. Para cada 1 °C de aumento na temperatura em um mês, a inflação dos alimentos sobe cerca de 0,2% ao longo do ano seguinte189. Estima-se que o aumento da temperatura eleve a inflação mundial dos alimentos em até 3,23% ao ano190. Como o clima afeta a produção agrícola, os custos de produção e a cadeia de suprimentos, mudança do clima e eventos extremos aumentam o preço dos alimentos, dificultando seu acesso, especialmente para populações vulneráveis. No Brasil, os alimentos ficaram 7,7% mais caros em 2024 devido à alta do dólar e a esses eventos191. 
  12. A degradação da Amazônia e outros biomas brasileiros pode ter impactos econômicos diretos e indiretos, como a perda de receitas com turismo e a redução da produtividade agrícola. Esses biomas desempenham papel crucial na regulação do clima global e na manutenção de serviços ecossistêmicos. Estima-se que a perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos pode custar ao Brasil até R$ 3,6 trilhões até 2050192,193. Na fronteira entre a Amazônia e o Cerrado brasileiro, que se destaca na produção de grãos, a alteração dos padrões climáticos, com o clima mais seco e quente, já é identificada em mais de ¼ da área de produção dessas culturas, com tendência de agravamento projetada para 2030 e 2050194.O impacto econômico projetado de um possível ponto de inflexão na Amazônia, que levaria à savanização do bioma após certo nível de degradação, seria de aproximadamente R$ 920 bilhões até 2050, equivalendo a US$ 184,1 bilhões ou 9,7% do PIB brasileiro de 2022195.

  1. CAMINHOS

  2. O Marco de Referência de Sistemas Alimentares e Clima para as Políticas Públicas propõe um conjunto de caminhos, como apoio à proposição e estruturação de estratégias e respostas aos desafios reunidos nas premissas. Elas indicam, a partir do melhor conhecimento disponível, que: i) a mudança do clima é uma realidade incontestável; ii) os sistemas alimentares e clima estão interligados; iii) a mudança do clima fomenta e agrava as injustiças sociais e a insegurança alimentar e nutricional, e  iv) o desenvolvimento socioeconômico é severamente afetado pela mudança do clima, ao tempo que impulsionam tais alterações. 

    Adicionalmente, como lastro à proposição de percursos a serem adotados na formulação e implementação de políticas públicas, os princípios deste Marco sinalizam para temas e abordagens essenciais que podem favorecera construção de soluções e ações sistêmicas, mais justas, soberanas e democráticas, baseadas em direitos e considerando o federalismo e a participação social. 

    A abordagem adotada para apresentar os caminhos é, propositadamente, abrangente, e mobiliza distintos temas centrais na condução de políticas que orientem e estimulem sistemas alimentares que, por sua vez, reconheçam e enfrentem os desafios contemporâneos ligados à mudança do clima, e que devem ser aprofundados nos diferentes níveis federais considerando os contextos específicos.  

    Nessa perspectiva, esta seção segue organizada em dois grandes blocos, detalhados em subeixos, dedicados à I) governança democrática e à II) adequação dos modos de produção, abastecimento e consumo, conforme abaixo.

  3. Para apoiar as contribuições e ter acesso às referências utilizadas, acesse o link do marco completo https://drive.google.com/file/d/1e9fgwxiBpcYx9dVgCXc1zD2ucb8TV35h/view?usp=drive_link


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GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA 

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Neste documento, compreende-se governança como um processo amplo de gestão que cria oportunidades, processos, monitoramento e avaliação para participação legítima de diferentes setores da sociedade no ciclo de políticas públicas. Portanto, governança refere-se a como o poder público gerencia políticas e serviços, considerando aspectos e possibilidades institucionalizadas de participação de diferentes setores da sociedade no ciclo de políticas públicas, abrangendo estruturas institucionais, relações entre atores e organizações, processos de tomada de decisão. Nesse aspecto, questões como representatividade, diversidade, prevenção e gestão de conflitos de interesse de maneira a garantir que o bem comum e o interesse público estejam protegidos são diferenciadoras. No contexto deste Marco, dada a complexidade da agenda que articula sistemas alimentares e clima, esses aspectos são particularmente importantes.  

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Os processos de governança são desafiadores por característica, e o horizonte deste Marco sugere, portanto, proporcionar práticas de co-criação e co-gestão para que se estruturem ações em rede que traduzam a ação pública no, com, e para os diferentes territórios, de maneira que as distintas realidades, necessidades e experiências sejam consideradas. A governança nos termos propostos promove maior eficiência e eficácia das ações públicas.


  1. 1. Impulsionar articulação e compromissos intersetoriais em todas as esferas administrativas 

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Os grandes sistemas nacionais de políticas públicas como saúde e assistência social conferem uma experiência sólida de governança participativa em todas as esferas administrativas. Da mesma maneira há espaços similares para a gestão ambiental e climática. Nesta trajetória merece destaque o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) que conta com um pilar de participação social no nível federal, em todos os estados, e caminha para se expandir no nível municipal. Para além dos Conselhos que articulam sociedade civil e setores de governo, o SISAN tem um segundo pilar que promove a intersetorialidade, por meio de Câmaras que no nível federal reúnem 24 ministérios. Essa é uma oportunidade concreta que articula prioridades e compromissos e amplia o dlogo com outros sistemas de políticas públicas.A governança do sistema alimentar no âmbito do clima requer a articulação com outros sistemas e macropolíticas e suas instâncias.  

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 Os processos de governança também precisam prever a implementação de instrumentos de exigibilidade para que as violações aos direitos humanos relacionados com a agenda sejam encaminhadas e respondidas.  

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Fortalecer a inter-relação entre sistemas alimentares e clima em espaços de governança compatíveis, como SISAN e seus componentes, a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN) e seus correlatos nos níveis estadual e municipal. 
  2. Estruturar e reforçar as instâncias de governança que articulam setores e o compromisso político para a adoção de estratégias no âmbito de sistemas alimentares sustentáveis e resilientes e clima. 
  3. Promover a articulação e pactuação entre sistemas e políticas de maneira a conferir mais agilidade e eficácia às ões. 
  4. Fortalecer instâncias e mecanismos de pactuação e articulação interfederativa. 


  1. 2. Assegurar uma governança democrática e com mecanismos voltados à prevenção de conflitos de interesses 

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A convergência entre sistemas alimentares e clima demanda abordagens sistêmicas que contemplem a complexidade das agendas. E, principalmente, uma governança compatível e capaz de integrar a justiça climática e o DHAA em políticas, programas e estratégias. Desse modo, as soluções e alternativas que auxiliem no enfrentamento à mudança do clima, a partir dos sistemas alimentares, devem ser compatíveis com o combate à fome e à garantia da segurança alimentar e nutricional.  

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Um aspecto importante, no âmbito da governança, é a criação de mecanismos e estruturas que identifiquem, previnam e permitam a gestão do conflito de interesses, garantindo transparência em relação à participação dos atores nos processos de formulação política, assim como de suas práticas realizadas. Para que no desenho e implementação de políticas, estratégias e ações no âmbito dos sistemas alimentares e clima, sejam minimizadas e geridas as interferências de grupos e interesses privados, prevalecendo as perspectivas e interesses coletivos no processo de tomada de decisão. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Diminuir as assimetrias de poder existentes nos processos decisórios, criando mecanismos de governança e de participação que reúnem diferentes segmentos da sociedade com interesses distintos, de forma a garantir que direitos e os interesses coletivos e comuns sejam antepostos aos interesses privados e comerciais.         
  2. Explicitar e reconhecer as responsabilidades e interesses distintos dos diversos setores e atores envolvidos nas discussões sobre sistemas alimentares e mudança do clima, assegurando transparência aos processos decisórios.      
  3. Garantir que as discussões e decisões tomadas sobre sistemas alimentares e mudança do clima sejam baseadas em evidências e sem conflitos de interesses, de forma a evitar que sejam implementadas abordagens reducionistas e falsas soluções para o enfrentamento de questões de origem sistêmica e que ignoram a integralidade das dimensões sociais e ambientais do sistema alimentares. 
  1. 3. Fortalecer a participação social como elemento central das políticas, estratégias e ações. 

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A participação social, na construção de políticas, programas e estratégias é condição fundamental para o aprofundamento da democracia e atingimento de resultados e impactos efetivos. Na convergência entre as agendas de sistemas alimentares e clima, ela precisa ser fortalecida para que os caminhos e soluções, já praticados historicamente por camponeses, povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas e outros grupos e segmentos representativos, sejam colocados em prática. É preciso reconhecer que, apesar de práticas protetivas ao meio ambiente considerando aspectos socioculturais e econômicos, esses grupos estão expostos aos efeitos da mudança do clima de forma mais severa. Nesse sentido, a participação social efetiva precisa ser fortalecida nos espaços de reflexão e tomada de decisão, para que as soluções e alternativas cheguem nos territórios a partir da perspectiva dos sujeitos que atuam no local.  

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A crise climática também resulta em outras expressões de vulnerabilização, que precisam ter espaço para participação e incidência como comunidades próximas a áreas de zoneamento industrial, comunidades em risco e/ou expostas a desastres ambientais e refugiados do clima. É também essencial que as comunidades urbanas e periféricas, que sofrem desproporcionalmente os efeitos das mudanças e eventos climáticos, também tenham voz e possam não apenas apresentar suas demandas, mas também suas experiências de resistência e resiliência. 

19

! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Viabilizar a incorporação de necessidades, perspectivas e propostas de grupos sociais vulnerabilizados, populações negras, comunidades periféricas urbanas, indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, mulheres, juventudes e crianças, em políticas, processos e mecanismos relacionados aos sistemas alimentares e clima. 
  2. Assegurar a participação das organizações da sociedade civil de interesse público que estão, via-de-regra, sub-representadas nos espaços de governança,para que possam contribuir nos processos decisórios e na elaboração e monitoramento das políticas públicas a partir de suas perspectivas e territórios.  
  3. Ampliar o diálogo direto e frequente com a sociedade civil para promover sua participação efetiva nas estratégias de adaptação, mitigação e outras que se destinem ao enfrentamento à mudança do clima relacionadas aos sistemas alimentares.   
  4. Garantir processos inclusivos nas medidas destinadas à transição para sistemas alimentares resilientes, primando pela justiça social, combatendo desigualdades e vulnerabilidades com a devida atenção às questões étnicas, de raça e gênero e suas interseccionalidades 
  5. Identificar e combater o racismo ambiental, em carater transversal e permanente em todos os processos, ações e estratégias para o enfrentamento climático
  1. 4.  Implementar estratégias de informação e educação 

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As medidas necessárias para que a articulação entre sistemas alimentares e clima seja promotora de justiça climática e da realização do DHAA, requerem um processo permanente e qualificado de educação e informação para que gestores públicos e a sociedade ampliem a compreensão e a capacidade analítica em relação as formulações na agenda de sistemas alimentares e clima. E,sob a perspectiva de um processo continuado de formação, troca, e disseminação de conhecimentos ?tanto para os profissionais que atuam na agenda, quanto para a sociedade civil organizada ?, resultem na qualificação das informações e conhecimentos disponíveis, fortalecendo as políticas públicas.

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Nos caminhos deste Marco, educação e informação podem ser observadas como processos contínuos, e coletivos, para a promoção de autonomia nas escolhas alimentares, conectados com a soberania alimentar e em respeito à cultura alimentar local208. E, em especial, mobilizados para estimular a aplicação dos processos de educação e informação sob a ótica dos sistemas alimentares e clima209. 

22

! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Prever estratégias de capacitação da sociedade civil, diferentes estratégias que apoiem os processos organizativos, instalação e organização de Conselhos, monitoramento de políticas públicas, orçamento etc.  
  2. Ampliar e qualificar os canais de comunicação e difusão do governo federal com estados e municípios e com a sociedade em geral. 
  3. Estruturar sistemas de informação de fácil acesso que permitam a ágil articulação de estratégias e serviços frente a urgências e emergências (mapeamento de equipamentos, protocolos de ações). 
  1. 5. Assegurar financiamento e incentivos adequados para a transformação dos sistemas alimentares. 

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  O financiamento dos sistemas alimentares passa pela destinação de recursos públicos subsidiados, na forma de crédito rural, ou mesmo no fomento à cooperação e associação de agricultores, assim como linhas de financiamento específicas para custeio, investimento e comercialização, dentre outras possibilidades. Por sua vez, a chamada financeirização do setor trabalha na captação de recursos privados de investidores e os aplica nos negócios agropecuários (instrumentos financeiros privados), com influência ainda nas questões fundiárias, por meio de fundos que atuam na aquisição de terras. 

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Importa esclarecer que o crédito rural assegurado pelo governo federal assume versões destinadas à agricultura familiar e outra ao agronegócio e apresenta diferentes possibilidades de apoio, formatos e taxas específicas sobre os recursos disponibilizados, constituindo ferramenta essencial para o funcionamento dos sistemas alimentares. 

25

Em se tratando de recursos públicos destinados ao apoio aos sistemas alimentares e à capacidade de alavancar medidas direcionadas à mitigação, adaptação e resiliência climática, é essencial exigir contrapartidas ou aplicar exigências, como, por exemplo, ligadas ao desmatamento zero ou à reorganização dos modelos de produção, uma vez que esses modelos podem gerar, por exemplo, externalidades negativas que impactam toda a sociedade. Similarmente, a soberania alimentar, em especial enfrentando adversidades impostas pela mudança do clima, deve orientar as políticas de financiamento voltadas aos sistemas alimentares. 

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Tais preocupações podem ser aplicadas também para os recursos privados, já que cabe ao governo disciplinar tais operações financeiras, por exemplo, a partir de ampla transparência sobre essas operações. 

27

! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Orientar o financiamento público e privado destinado aos sistemas alimentares no sentido da precaução em relação ao potencial de indução da mudança do clima, com especial atenção às atividades degradadoras do meio ambiente e à contenção de qualquer forma de desmatamento, adotando o desmatamento zero.  
  2. Organizar e dimensionar o financiamento público voltado aos sistemas alimentares em razão do planejamento nacional para a produção de alimentos, visando o abastecimento interno e as exportações de forma a garantir a soberania alimentar, especialmente frente aos efeitos da mudança do clima. 
  3. Reorientar o financiamento, subsídios e outros mecanismos fiscais aplicados aos sistemas alimentares, a partir dos custos ocultos dos modos de produção agropecuária em razão dos impactos negativos no meio ambiente, na saúde e na economia. 
  4. Disciplinar os instrumentos financeiros privados que aplicam recursos no setor agropecuário, visando o estabelecimento de regras voltadas à mitigação e à adaptação climática e à sustentabilidade dos sistemas alimentares, incluindo salvaguardas em relação a possíveis conflitos fundiários.  
  5. Criar mecanismos de financiamento adequados à realidade dos distintos setores e grupos sociais para que estimulem os sistemas alimentares no sentido da adaptação e resiliência climática. 
  6. Recompensar os povos originários, quilombolas ecomunidades tradicionais em razão dos serviços ambientais que desenvolvem, vitais à proteção ambiental e à manutenção dos serviços ecossistêmicos. 
  7. Fortalecer as capacidades institucionais dos órgãos públicos para que desenvolvam, direta ou indiretamente, análises voltadas à formulação de políticas de financiamento que considerem a correlação entre sistemas alimentares e mudança do clima. 
  8. Alinhar o arcabouço tributário à transição dos sistemas alimentares de tal forma que práticas, produtos e processos que causam impactos negativos sociais e ambientais sejam desestimuladas e aquelas que promovam sistemas alimentares mais resilientes e protetivos à saúde das pessoas e do planeta, incentivados. 
  9. Orientar os incentivos tributários para a produção e consumo de alimentos saudáveis, in natura e minimamente processados, privilegiando a produção de base agroecológica e relações justas do ponto de vista econômico, climático e social.     
  10. Garantir o aporte adequado de recursos por meio de fundos específicos para combater a crise climática e a fome, de maneira eficaz e transparente, assegurando que os esforços sejam focados em soluções sustentáveis e promotoras de equidade. 
  11. Adotar o princípio do poluidor pagador nas tratativas multilaterais que visem a constituição de fundos, considerando as assimetrias entre os países do Norte e do Sul global para a equalização entre causadores e afetados pelas consequências da mudança do clima.       
  12. Regulamentar o mercado de carbono, prevendo que os créditos de carbono realmente representem reduções de emissões, que o mercado seja acessível a todos, especialmente aos países em desenvolvimento. Tal medida não deve ser assumida como única solução na transição para uma economia de baixo carbono. 
  1. 6. Incidir na concertação e cooperação das agendas técnicas e políticas internacionais em fóruns intergovernamentais e multilaterais.  

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No cenário internacional, ganha cada vez mais amplitude a compreensão de que são necessárias, e podem ser potencializadas, as abordagens que resultem em efeitos positivos comuns aos sistemas alimentares e clima. Em termos práticos, para limitar o aumento da temperatura da Terra próximo de 1,5º Celsius, em relação às emissões provenientes dos sistemas alimentares, os posicionamentos e tratativas nos espaços de concertação e cooperação internacional, precisam de proposições ambiciosas, convergentes, assertivas e mensuráveis, no nível técnico e político, considerando as perspectivas de adaptação, mitigação e transição como um todo, necessários para direcionar os sistemas alimentares em caminhos sustentáveis e resilientes, auxiliando no enfrentamento à mudança do clima e garantindo o Direito Humano à Alimentação Adequada. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Adotar as abordagens propostas neste Marco como orientadoras das discussões de sistemas alimentares e clima, considerando os princípios, premissas e caminhos nas discussões para a transição dos sistemas alimentares e do clima nos espaços de concertação e cooperação internacional. 
  2. Adotar os conceitos e princípios da Soberania Alimentar e do DHAA para orientar as tratativas nos espaços de concertação e cooperação internacional que abordam sistemas alimentares e clima. 
  3. Referenciar as realizações brasileiras no âmbito da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), considerando o conceito adotado pela LOSAN, e oSISAN, seus objetivos e instâncias, para orientar os processos de cooperação, posicionamentos e propostas nos espaços governamentais de negociação e implementação no âmbito internacional.     
  4. Aplicar o conceito e a abordagem de alimentação adequada e saudável preconizada no Guia Alimentar para a População Brasileira como referenciais para orientar os processos de cooperação, posicionamentos e propostas nos espaços governamentais de negociação e implementação no âmbito internacional.      
  5. Direcionar os compromissos brasileiros para a transição dos sistemas alimentares convergentes com o enfrentamento da mudança do clima, a partir da garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada, princípios, e caminhos deste marco, integrado ao monitoramento das metas nacionais e globais de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês).   
  6. Ampliar e fortalecer os processos de cooperação sul-sul no âmbito dos sistemas alimentares e clima, considerando a relevância das experiências e desafios semelhantes. 
  7. Reforçar a coerência nos processos de articulação e negociação dos espaços multilaterais e regionais que o Brasil participa como CPLP, G20, BRICS, Mercosul, Celac, OTCA, Unasul, de maneira que as posições e experiências nacionais sejam valorizadas e sirvam como referência  
  8. Prever a participação social como requisito para ações de cooperação e apoio técnico das agências internacionais 
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ADEQUAÇÃO DOS MODOS DE PRODUÇÃO, ABASTECIMENTO E CONSUMO 

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Os sistemas alimentares contemporâneos demandam soluções urgentes diante da crise climática, requerendo adequações e transformações profundas em todas as suas etapas. Este bloco dedicado à adequação dos modos da produção, abastecimento e consumo, sintetiza os caminhos prioritários que podem ser lidos para reorientar essas dinâmicas, observando-se o conjunto de princípios.   

  1. 1. Reorientar os modos de produção e uso da terra para enfrentar a mudança do clima 

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Os sistemas alimentares invariavelmente promovem o uso da terra e modos de produção que potencializam a mudança do clima, em razão de distintas particularidades, em especial a intensidade com que os recursos naturais são explorados (solo e água, em particular), a baixa diversificação de espécies utilizadas, a necessidade de utilização de grandes extensões de terra para um mesmo fim e intensa aplicação de insumos, agrotóxicos e energia.  

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É muito expressiva e permanente a pressão de tais dinâmicas sobre os ecossistemas, os ativos ambientais e territórios, impactando negativamente a resiliência e capacidade adaptativa. Entre 1985 e 2023, mais de 100 milhões de hectares foram incorporados pela agropecuária, resultando em 276,7 milhões de hectares ou aproximadamente 1/3 do território nacional utilizado para essa finalidade. Esse incremento se deu sobretudo na Amazônia (53,8 milhões de hectares) e no Cerrado (38,1 milhões de hectares), liderado por pastagem e soja que ocupavam, respectivamente, 59% e 14% do total de área utilizada na agropecuária em 2023. Cerca de 78% do crescimento das lavouras de soja na Amazônia ocorreu em áreas cobertas por floresta e 41% por savanas no Cerrado, sendo que estes dois biomas reuniam 67% das áreas de pastagem do país, em 2023210. 

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Esse ritmo de incorporação de áreas, em especial florestadas, às dinâmicas de produção agropecuária, assim como o modelo utilizado (intensivo em terra, água e capital) tem gerado dividendos ao país, assim como para os seus mantenedores, mas também resulta em impactos negativos sobre o clima e outros setores, uma conta a ser paga por toda a sociedade. Reorientar os modos de produção está dentre ações urgentes e necessárias no sentido de reverter o ritmo da mudança do clima e ampliar a oferta de alimentos saudáveis. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Conter toda e qualquer forma de desmatamento, em especial relacionado à ampliação da fronteira agropecuária, com vistas a eliminar a emissão de gases de efeito estufa advinda desses processos. 
  2. Fortalecer e viabilizar mecanismos que protejam e restaurem Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL). 
  3. Realizar a destinação e demarcação de terras, assegurando territórios, modos de vida e saberes dos povos originários, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, medidas essenciais alinhadas aos direitos estabelecidos nacional e internacionalmente, proporcionando a conservação do meio ambiente, a justiça climática e social. 
  4. Potencializar a ocupação diversificada do território nacional e a justiça social, fortalecendo a política de reforma agrária e a destinação de terras que visem a produção de alimentos, o desenvolvimento local e a justiça climática. 
  5. Investir na diversificação dos sistemas alimentares como medida estratégica à mitigação e adaptação à mudança do clima, alinhada à transição agroecológica e às políticas de segurança alimentar e nutricional. 
  6. Intensificar as políticas voltadas à agricultura familiar e à economia solidária,em particular o crédito subsidiado e a assistência técnica para a produção de alimentos mais resilientes à mudanças clima, atendendo especialmente comunidades e territórios mais sensíveis à mudança do clima. 
  7. Fortalecer os mecanismos de zoneamento agroclimático no sentido da melhor ocupação das áreas agricultáveis, investindo em dinamismo(para ajustes relacionados à mudança do clima), orientações e direcionamentos alinhados ao melhor conhecimento científico disponível. 
  8. Investir em modos de produção que favoreçam a diversidade, estimulando iniciativas regionais que valorizem a proliferação de poli cultivos e outras dinâmicas que possam integrar espécies vegetais e/ou animais no sentido da composição diversificada da paisagem e da transição agroecológica e resiliente à mudança do clima. 
  9. Priorizar e estimular modos de produção que integrem práticas conservacionistas, em particular do solo e da água, em detrimento de dinâmicas nocivas à manutenção dos serviços ecossistêmicos vitais à produção de alimentos. 
  10. Rever as políticas que viabilizam o uso de agrotóxicos, tendo em vista os impactos negativos à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos, assim como à saúde pública e ao meio ambiente. 
  11. Conter a escalada do uso de antibióticos na produção intensiva de origem animal, como medida necessária à qualidade ambiental e à resistência antimicrobiana (RAM), em conformidade com os pressupostos científicos, acordos e protocolos internacionais. 
  12. Adotar mecanismos públicos que exponham os custos ocultos dos sistemas alimentares em razão de modelos de produção centrados no uso intensivo de insumos agropecuários, agrotóxicos e na exploração excessiva e irracional dos recursos naturais. 
  13. Prever ações de apoio aos agricultores familiares para recuperação do solo agricultável após secas intensas ou enchentes, com apoio técnico e financeiro para a reposição da matéria orgânica e retenção da umidade após secas e avaliação da qualidade do solo e necessidades de correções após enchentes.  
  1. 2. Impulsionar a transição agroecológica e práticas regenerativas 

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A agroecologia é uma ciência, prática, e movimento, que desenvolve uma compreensão aprofundada dos agroecossistemas, combinando saberes agromicos, ecológicos e socioeconômicos211, pautando-se pelo uso sustentável dos recursos naturais, na sua preservação e conservação, em práticas mais integradoras nos territórios e no uso mínimo de insumos externos. No mesmo sentido, práticas regenerativas buscam recompor a capacidade nutritiva e de vida do solo, assim como o reestabelecimento da biodiversidade e dos ecossistemas. E, vocaliza também a construção dos movimentos sociais por transformações políticas e econômicas nos sistemas alimentares, que reivindicam soberania alimentar, justiça social, e direitos coletivos como dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais212.  

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A transição agroecológica atua na reorientação e transformação dos sistemas agroalimentares convencionais em direção a processos de produção sustentados por práticas que promovam a ecologia e a regeneração dos ecossistemas, ensejando conhecimento científico, técnicas tradicionais e populares, lastreadas por políticas e financiamento público, visando disponibilizar alimentos saudáveis e que mobilizem distintos atributos, particularmente sociais e ambientais. 

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A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica define a transição agroecológica como um ?processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica?213. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Elevar a transição agroecológica ao patamar de política agrícola, desenhada especificamente para este fim, atendendo às especificidades deste sistema e dos agricultores que a praticam. Esta política que deve estar alinhada aos desafios da mudança do clima. 
  2. Assegurar o conceito de territórios na definição das políticas de fomento à agroecologia, estimulando a organização dos espaços rurais de tal forma a propiciar o desenvolvimento de sistemas de produção integrados entre si e com o local onde se desenvolvem. 
  3. Fomentar decisivamente métodos de transição agroecológica no âmbito dos sistemas alimentares, constituindo propósitos prioritários das distintas competências da esfera pública. 
  4. Investir em sistemas de produção agroecológica no ambiente urbano e no entorno dos grandes centros, estimulando a produção diversificada de alimentos por meio da agricultura urbana e periurbana, com atenção especial aos bairros mais periféricos e desertos alimentares. 
  5. Apoiar a conversão de pastagens degradadas em sistemas integrados de produção de alimentos, priorizando os investimentos para a transição agroecológica. 
  6. Valorizar e apoiar organizações sociais que desenvolvem métodos e modos de produção que favoreçam processos agroecológicos e regenerativos, medida vital à capacidade técnica e operacional para a transição de modelos de produção de alimentos. 
  7. Assegurar que a prestação de serviços ambientais esteja disposta na formulação de políticas públicas de fomento à agroecologia, tendo em vista a sua real contribuição à conservação ambiental e à adaptação à mudança do clima, assim como para a estabilidade e permanência do agricultor e agricultora na atividade agroecológica. 
  8. Revitalizar a assistência técnica e a extensão rural no sentido da transição agroecológica, orientando agricultores e agricultoras para o desenvolvimento de capacidades necessárias à produção de alimentos a partir de modos de produção sustentáveis e mais resilientes em relação à mudança do clima. 
  9. Fomentar mecanismos de comercialização e distribuição de produtos agroecológicos, como medida necessária à competitividade e organização da produção e efetiva disponibilização de alimentos saudáveis para o conjunto da sociedade. 
  10. Ampliar as compras públicas de alimentos, como alimentação escolar, programas de aquisição de alimentos e demais mecanismos de que dispõe o Estado, especialmente voltadas à aquisição de alimentos oriundos de sistemas de produção agroecológicos.   
  1. 3. Garantir segurança hídrica para a produção de alimentos e consumo humano 

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A Segurança hídrica é um conceito que contou com distintas contribuições em sua construção, sendo relevante destacar a dimensão da disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes para o atendimento às necessidades humanas, às práticas produtivas e usos múltiplos e o relevante e necessário trabalho para a conservação dos ecossistemas aquáticos, visando a manutenção desses ambientes, proporcionando compreender e adotar níveis aceitáveis de riscos relacionados às secas e cheias.  Pressupõe, ainda, atuar firmemente na democratização do seu uso, dando acesso a todas as pessoas na perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada. 

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É extenso o conhecimento técnico e popular sobre processos relacionados à segurança hídrica, assim como há distintas instituições e espaços coletivos no país que atuam na temática, trabalhando na gestão de recursos hídricos, disciplinamento de usos, capacidades que precisam ser fortalecidas. 

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No contexto urbano, garantir o direito à água para a população, especialmente durante eventos climáticos extremos como ondas de calor, é um desafio multifacetado que abrange infraestrutura, gestão de recursos hídricos e políticas públicas. O investimento em saneamento básico é crucial para melhorar o acesso à água potável e assegurar a sustentabilidade dos sistemas de abastecimento. O acesso à água potável, tanto em casa quanto por meio de fontes públicas, contribui para combater o ambiente obesogênico ao substituir bebidas adoçadas, reduzir o descarte inadequado de plásticos e evitar o consumo de fontes contaminadas, promovendo assim a saúde pública e a sustentabilidade. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !

  1. Conceber a disponibilidade e a qualidade da água como uma medida vital à produção de alimentos adotando esforços conservacionistas e que protejam os mananciais no âmbito da política agrícola.  
  2. Fortalecer a gestão de bacias hidrográficas, tornando-a política prioritária do Estado brasileiro, que deve garantir os instrumentos e meios necessários ao pleno estabelecimento da capacidade de gestão de recursos hídricos, condizente com os desafios climáticos e usos múltiplos.  
  3. Investir na recuperação dos ecossistemas e na proteção dos recursos hídricos, desenvolvendo iniciativas intensivas para a recuperação de matas ciliares e nascentes, com metas claras, planejamento, recursos, monitoramento e transparência, proporcionando a mobilização de toda a sociedade.  
  4. Investirna implantação e gestão de tecnologias sociais de reservação de água da chuva para beber e produzir alimentos, assim como em outros equipamentos sustentáveis que visem a segurança hídrica, mobilizando orçamentos e estrutura de governo para universalizar o acesso à água de qualidade, em especial no semiárido e na Amazônia.  
  5. Garantir acesso contínuo à água potável por meio de fontes e bebedouros públicos instalados estrategicamente em áreas de alta circulação e/ou com concentração de pessoas em situação de rua, assegurando sua manutenção regular para qualidade da água e funcionamento ininterrupto, prevenindo desidratação, doenças e insolação durante ondas de calor. 
  6. Realizar amplas campanhas de comunicação à sociedade, fazendo com que a agenda de recursos hídricos esteja presente na vida de todos e todas as brasileiras e brasileiros.  
  7. Fortalecer e implementar estratégias de educação ambiental articuladas ao debate sobre ossistemas alimentares e clima, para a formação de crianças, jovens e adultos na perspectiva da valorização e da relevância dos recursos hídricos na produção de alimentos saudáveis. 
  8. Incluir no plano de contingência a garantia de acesso à água potável. Durante emergências climáticas, é essencial garantir o acesso seguro à água potável da população afetada, com a distribuição imediata de água, fornecimento de insumos para purificação domiciliar, além do monitorar a qualidade da água disponível, isolar fontes contaminadas e orientar a população sobre os riscos do consumo inseguro e os métodos adequados de tratamento e armazenamento.
  1. 4. Fortalecer a sociobiodiversidade como parte integrante dos sistemas alimentares  

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A sociobiodiversidade foi cunhada a partir da ação incisiva e organizada de diversos povos e comunidades que desenvolveram capacidades a partir do conhecimento tradicional, muitas vezes milenar, associando cultura, práticas conservacionistas e respeito à natureza ? processos vitais à conservação da biodiversidade e dos modos de vida. Esse conhecimento e práticas se aplicam decisivamente à adaptação e resiliência climática, já que proporcionam uma visão sistêmica do território e de suas possibilidades, inclusive no enfrentamento de pressões adversas que encontram na sociobiodiversidade distintas formas e meios de reação e resposta. Muito daquilo que aplicamos atualmente na produção de alimentos advém desse conhecimento, assim como novas maneiras de agir são forjadas cotidianamente, frutos da experimentação e manejo cotidiano da biodiversidade. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Fomentar a convergência das políticas públicas voltadas para promoção de sistemas alimentares para a recuperação e proteção da sociobiodiversidade. 
  2. Proteger e conservar territórios e saberes que compõem a sociobiodiversidade, compreendida em toda sua magnitude e pluralidade, especialmente em suas dimensões étnicas, de raça e gênero.  
  3. Combater a erosão do patrimônio genético na produção de alimentos por meio do resgate, conservação e uso sustentável de sementes crioulas, variedades locais e outros recursos genéticos, fortalecendo a resiliência climática e a segurança alimentar e preservando a diversidade genética. 
  4. Ampliar o acesso de agricultores familiares, povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas aos bancos de germoplasma, fortalecendo sua autonomia e resiliência climática. 
  5. Fomentar protocolos comunitários bioculturais para proteger saberes tradicionais, garantir gestão participativa dos recursos genéticos e combater a biopirataria, assegurando os direitos das comunidades. 
  6. Criar políticas específicas para povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares e comunidades tradicionais que apoiem suas práticas de vida sustentáveis, fortalecendo a conservação da sociobiodiversidade e ajudando na adaptação e mitigação da mudança do clima. 
  7. Adotar e promover as práticas alimentares preconizadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira como medidas destinadas à proteção da sociobiodiversidade e ao enfrentamento à mudança do clima. 
  8. Fortalecer as cadeias da sociobiodiversidade e os sistemas agrícolas tradicionais - incluindo plantas medicinais, sementes crioulas, raças nativas e florestas produtivas - por meio da ampliação de bancos comunitários de sementes, incentivo às trocas entre agricultores, consolidação de redes de sementes e criatórios resistentes, e promoção de sistemas agroflorestais, integrando produção sustentável, restauração ecológica e adaptação climática. 
  9. Fomentar o autoconsumo da sociobiodiversidade, valorizando variedades adaptadas e saberes tradicionais, reduzindo a dependência externa e as emissões de CO2 e tornando as comunidades mais resilientes à mudança do clima por meio de experiências locais. 
  10. Implementar políticas públicas de incentivo à produção, distribuição e uso de bioinsumos, com apoio técnico e financeiro a agricultores familiares, fortalecimento de redes locais de produção e inclusão de bioinsumos em programas de fomento agroecológico, como estratégia para promover sistemas produtivos mais resilientes à mudança do clima e ampliar o acesso a dietas saudáveis, especialmente em comunidades rurais e periféricas, fortalecendo a segurança alimentar. 

5. Conceber o abastecimento alimentar como política de Estado, assegurando a soberania nacional e a resiliência climática 
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O abastecimento alimentar engloba a produção, beneficiamento, armazenagem, transporte, distribuição, comercialização e consumo de alimentos, como definido no Plano Nacional de Abastecimento Alimentar. Recentemente o Brasil instituiu política e plano para o fortalecimento e melhor estruturação da capacidade de alimentar a sua população, promovendo segurança alimentar e nutricional. É relevante destacar a intensa relação desses componentes do abastecimento com a mudança do clima ? toda essa cadeia e seus desdobramentos faz com que os alimentos produzidos cheguem à mesa do consumidor, demandando inúmeros esforços na contenção da emissão de gases de efeito estufa, ao passo que proporciona comida de mais qualidade no prato. 

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Ainda, o acesso a alimentos que compõem a cesta básica, que garantem o Direito Humano à Alimentação Adequada e saudável da população, precisa alçar patamar central na organização dos sistemas alimentares, já que as dinâmicas de produção, de comercialização e de preços dos alimentos estão intimamente relacionadas com políticas de abastecimento e afetam e são afetadas pela mudança do clima. 

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Os alimentos que compõem a cesta básica são aqueles que garantem o Direito Humano à Alimentação Adequada, à saúde e ao bem-estar da população brasileira, a partir do acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar que respeite os aspectos biológicos e sociais do indivíduo, em relação às necessidades alimentares. Sendo aqueles que observam as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, respeitam a cultura, as tradições regionais, o território, os biomas e a sazonalidade dos alimentos, protegendo a saúde e o meio ambiente214,215. Devido à sua composição, uma alimentação que garante o DHAA está também associada ao enfrentamento à mudança do clima.    

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Um outro aspecto do abastecimento a ser considerado, são as cadeias curtas, que podem ser entendidas, de maneira simplificada, a partir de dois fatores que incluem a proximidade social dos atores envolvidos e a espacialização local das transações realizadas. Essas cadeias alimentares emitem menos  CO2 equivalente em comparação com as cadeias médias e longas e propiciam uma menor distância entre agricultores e consumidores finais. Com um menor número de intermediários e deslocamentos, elas possibilitam custos finais nos preços mais acessíveis e emissões de gases de efeito estufa reduzidos216. 

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Garantir que o abastecimento alimentar, enquanto ação pública fundamental à soberania nacional, seja priorizado na agenda governamental como estratégia central de adaptação climática, mobilizando políticas integradas que respondam aos riscos e impactos das mudanças do clima sobre a produção, distribuição e acesso aos alimentos. 
  2. Atuar para que políticas, programas e estratégias de abastecimento alimentar priorizem alimentos da cesta básica, com foco na resiliência climática do sistema alimentar, promovendo práticas sustentáveis e adaptadas à nova realidade climática, fortalecendo a segurança alimentar e nutricional, e combatendo a fome e a pobreza de forma ambientalmente sustentável. 
  3. Ampliar e revitalizar as estruturas públicas e parcerias privadas de armazenamento de alimentos, criando capacidades estratégicas para respostas rápidas a eventos climáticos extremos, como secas, enchentes ou quebras de safra, prevenindo desabastecimentos e garantindo estoques emergenciais. 
  4. Redefinir o abastecimento alimentar como eixo estruturante da política agrícola, alinhando estímulos à produção, escoamento e comercialização com critérios de baixo impacto climático, incentivando práticas agroecológicas, sistemas agroflorestais e outros modelos que aliem soberania alimentar e mitigação das emissões de gases de efeito estufa. 
  5. Investir em infraestrutura logística para a agricultura familiar ? como transporte, armazenamento e processamento local ? e fortalecer canais de comercialização (incluindo apoio a cooperativas), abrindo novos mercados com valorização dos alimentos locais, territoriais e regionais e de seus benefícios econômicos e ambientais (como menor pegada de carbono), fortalecendo também a sustentabilidade. 
  6. Estabelecer arranjos institucionais para monitorar as dinâmicas de preços dos alimentos e implementar medidas para garantir o acesso à alimentação, especialmente durante crises causadas por eventos climáticos extremos, como secas e enchentes, antecipando oscilações que possam afetar a segurança alimentar e nutricional. 
  7. Analisar como a exportação de commodities alimentares impacta o abastecimento interno e os preços no Brasil, implementando mecanismos de governança que garantam a segurança alimentar nacional, assegurem estoques reguladores e controlem preços, especialmente durante crises climáticas e econômicas, protegendo a população vulnerável diante dos impactos das mudanças climáticas. 
  8. Apoiar a organização de cadeias curtas de fornecimento de alimentos básicos, especialmente in natura, promovendo a produção local e regional como estratégia para ampliar o acesso a alimentos de qualidade e, ao mesmo tempo, contribuir para a redução das emissões associadas ao sistema alimentar, atuando na contenção dos fatores que impulsionam as mudanças climáticas. 
  9. Fomentar cadeias curtas para produtos de origem animal, incentivando a produção e o consumo locais com base em práticas sustentáveis, uso de raças adaptadas ao clima, redução de transporte e refrigeração, e combate ao desperdício, como estratégia para mitigar emissões de CO2 e fortalecer a resiliência dos sistemas alimentares frente às mudanças climáticas. 
  10. Implementar uma política fiscal de incentivos para cadeias curtas de produção e comercialização, como isenções fiscais, créditos subsidiados e apoio direto a agricultores familiares e cooperativas, promovendo práticas agroecológicas, diversificação de culturas e redução do uso de insumos intensivos, além de fortalecer a infraestrutura local ? como mercados de agricultores e logística de baixo carbono ? para aumentar a resiliência dos sistemas alimentares às mudanças climáticas e garantir a segurança alimentar em nível local. 
  11. Incentivar inovações sociais que aproveitem o excedente de frutas, legumes e verduras (FLV), por meio de apoio a cozinhas comunitárias, agroindústrias locais, redes de doação e circuitos solidários de comercialização, como estratégia para reduzir o desperdício, fortalecer a segurança alimentar, diminuir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a resiliência das comunidades frente às mudanças climáticas. 
  12. Criar e fortalecer consórcios intermunicipais para o abastecimento de alimentos, promovendo o planejamento integrado regional, apoio à agricultura familiar e a gestão eficiente de estoques e excedentes, como estratégia para aumentar a resiliência climática e garantir a segurança alimentar. 
  13. Garantir a distribuição emergencial de alimentos saudáveis e culturalmente adequados, priorizando alimentos in natura e minimamente processados, para atender rapidamente as populações afetadas por emergências climáticas, especialmente em abrigos, comunidades isoladas e áreas vulneráveis, assegurando qualidade alimentar e prevenção de doenças relacionadas à nutrição. 
  14. Fortalecer estoques públicos e comunitários de alimentos básicos e diversificados, promovendo a articulação entre órgãos federais, estaduais e municipais, bem como o incentivo a bancos comunitários e armazéns populares, garantindo a disponibilidade imediata de alimentos e a manutenção da diversidade alimentar regional diante das crises climáticas. 
  15. Ativar programas de compras públicas locais, como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e (Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), para adquirir alimentos diretamente da agricultura familiar e produtores afetados, valorizando a produção regional e tradicional, promovendo o abastecimento emergencial e o fortalecimento econômico das comunidades locais durante e após eventos climáticos extremos. 
  16. Assegurar a oferta de alimentação adequada em serviços essenciais, incluindo abrigos, hospitais, escolas e unidades de saúde, por meio da ativação de cozinhas solidárias e comunitárias, priorizando refeições balanceadas com alimentos frescos e regionais, respeitando as necessidades nutricionais e culturais da população em situação de emergência. 
  17. Planejar e implementar uma logística eficiente para a distribuição de alimentos, mapeando rotas alternativas e utilizando centros de distribuição regionais, contando com o apoio da Defesa Civil e Forças Armadas quando necessário, para garantir o acesso rápido e seguro aos alimentos nas áreas afetadas, incluindo locais isolados ou com infraestrutura comprometida. 
  1. 6. Estimular modelos de cidades resilientes e circulares para ampliar efeitos benéficos sociais e ambientais 

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A lógica por trás da discussão de modelos circulares passa por rever os processos orientados por dinâmicas lineares, simplificadamente representada pela tríade produção, distribuição, consumo e descarte e pode ser analisada sob vários prismas. Em substituição, é preciso que os processos econômicos se conectem e se retroalimentem, possibilitando a circularidade. Os efeitos mais visíveis e diretos de processos circulares residem em minimizar o desperdício e otimizar as etapas do ciclo produtivo, reduzindo custos e impactos ambientais, por exemplo. 

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É potente o poder de atuação das cidades nos debates que envolvem sistemas alimentares e clima. Estima-se que 80% dos alimentos produzidos globalmente sejam consumidos em áreas urbanas, assim como no Brasil 85% da população vive nas cidades. O poder transformador vindo desses espaços pode ser analisado, em mais profundidade, a partir de avaliações sobre como se desenvolve o abastecimento de alimentos dessas localidades. 

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Os debates e iniciativas nesse campo podem reverberar na alimentação escolar, em cadeias curtas de produção e abastecimento de alimentos, gestão adequada dos resíduos gerados, assim como em ações de comunicação, informação e educação dirigidas à população, dentre outras.

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Promover iniciativas para que as cidades incorporem a alimentação como componente central do planejamento urbano (como zoneamento para agricultura urbana e proteção de áreas rurais) e das políticas públicas, garantindo o Direito Humano à Alimentação Adequada e à soberania alimentar e o direito à cidade, alinhando essas ações aos planos municipais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. 
  2. Ampliar ações de agricultura urbana e periurbana que adotem práticas agroecológicas. A agricultura urbana contribui para a mitigação das mudanças climáticas ao diminuir as emissões de gases de efeito estufa nos modos de produção e na redução do caminho do alimento até o consumidor. Como adaptação, fortalece a segurança alimentar nas cidades, aumenta a resiliência urbana, melhora microclimas e ajuda a controlar enchentes e secas, tornando os espaços urbanos mais sustentáveis e preparados para eventos climáticos extremos. 
  3. Implementar políticas públicas que invistam na criação e manutenção de cinturões verdes nos projetos de ampliação urbana e periurbana para promover a produção local de alimentos, preservar recursos naturais, proteger áreas agrícolas e conter a expansão urbana sobre áreas produtivas, fortalecendo a segurança alimentar e nutricional, reduzindo a pegada de carbono e aumentando a resiliência das cidades frente aos impactos das mudanças climáticas. 
  4. Fortalecer e integrar as secretarias municipais de agricultura, abastecimento, meio ambiente e segurança alimentar, promovendo a coordenação de ações para a produção sustentável, o planejamento territorial, a proteção de recursos naturais e a implementação de estratégias que aumentem a resiliência dos sistemas produtivos frente aos eventos climáticos extremos, otimizem o abastecimento local e garantam o acesso contínuo a alimentos, promovendo a adaptação às mudanças climáticas e a segurança alimentar. 
  5. Investir em práticas agroecológicas nas periferias urbanas, para fortalecer a segurança alimentar e o acesso a alimentos saudáveis e de qualidade nas comunidades vulneráveis para promover inclusão social e econômica, reduzir a dependência de cadeias de abastecimento, aumentar a resiliência climática e melhorar a gestão dos recursos naturais, contribuindo para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas nas áreas urbanas periféricas. 
  6. Fomentar a conexão entre diversos equipamentos públicos para a utilização dos excedentes alimentares de maneira sustentável, maximizando o aproveitamento de recursos e incentivando práticas de economia circular no contexto urbano. 
  7. Implementar políticas públicas de regularização fundiária, zoneamento específico, titulação coletiva e reconhecimento oficial dos territórios tradicionais em contexto urbano, garantindo a permanência dessas comunidades, combatendo a especulação imobiliária e promovendo justiça social e ambiental como estratégia de adaptação climática e fortalecimento da resiliência urbana. 
  8. Implementar políticas públicas de proteção e reconhecimento dos territórios e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas em áreas urbanas, assegurando seus direitos territoriais e modos de vida, com incentivo a práticas sustentáveis como estratégia para conservar a biodiversidade, fortalecer sistemas alimentares tradicionais e promover a adaptação climática e a resiliência das cidades. 
  9. Implementar políticas públicas que garantam comunicação acessível e ampla sobre os equipamentos públicos disponíveis e os protocolos de resposta a emergências climáticas, articuladas com ações de proteção social ágeis para fortalecer a adaptação a eventos climáticos extremos, proteger populações vulneráveis e assegurar a segurança alimentar em momentos de crise. 
  10. Incluir a gestão de riscos climáticos nos planos urbanos, com monitoramento e preparação para proteger a produção, o abastecimento e o acesso à alimentação em emergências, realizado o mapeamento das áreas urbanas vulneráveis a eventos climáticos extremos e implantar sistemas de alerta precoce para monitorar riscos e permitir respostas rápidas na proteção do sistema alimentar. 
  11. Desenvolver protocolos de ação rápida para minimizar danos ao abastecimento alimentar durante emergências, incluindo o investimento em infraestruturas resilientes, como armazéns seguros, centros de distribuição com energia de backup e rotas alternativas de transporte para apoiar o acesso e consumo de alimentos saudáveis em todas as situações. 
  1. 7. Ambientes que favoreçam práticas alimentares adequadas e saudáveis para as pessoas e ecossistemas de forma regenerativa 

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Uma alimentação adequada e saudável é aquela que faz cumprir o DHAA, o que envolve a garantia ao acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada, em quantidade e qualidade, em relação aos aspectos biológicos, sociais e ambientais, alinhados às necessidades alimentares.  

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No Brasil, o Guia Alimentar para a População Brasileira e o Guia Alimentar para Crianças menores de 2 anos são documentos orientadores para uma alimentação adequada e saudável. Suas recomendações baseiam-se em estimular o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, limitar o consumo dos processados e evitar o consumo de produtos ultraprocessados. Ser, predominantemente composta por alimentos de origem vegetal, em grande variedade e, quando possível, adquiridos preferencialmente de produções de bases orgânica e agroecológica e que valorizam a sociobiodiversidade regional e cultural da alimentação brasileira217, 218,219.   

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Para além das recomendações para as populações, as diretrizes dos Guias Alimentares foram incorporadas em decreto presidencial que definiu a nova cesta básica de alimentos, por meio do decreto 11.936 de 2024, que visa orientar as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional220em todo o sistema alimentar, incluindo políticas agrícolas, de processamento, comércio,tributação. As diretrizes alimentares que promovem alimentação adequada e saudável também contribuem para metas ambientais e climáticas221.A adoção de uma alimentação adequada e saudável, com mais frutas, legumes, feijões e outros alimentos de origem vegetal, proteína animal, tem impacto em relação à pressão hídrica e emissão de CO2, principalmente, relacionados à pecuária e a produtos que tenham como matéria-prima as culturas de commodities. Nesse sentido, uma alimentação adequada e saudável, no contexto brasileiro, tem o potencial de reduzir as emissões em 45 milhões de toneladas de carbono ao ano222. 

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 A promoção de uma alimentação adequada e saudável, por suas características, é também compatível com o enfrentamento da mudança do clima, por reduzir a emissão de GEE, de contaminantes e poluentes químicos e por auxiliar na valorização e manutenção da biodiversidade dos sistemas alimentares, preservando a saúde das pessoas e do planeta223,224,225,226,227,228,229.    

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No entanto, importante ressaltar que a adoção de uma alimentação adequada e saudável não é somente uma escolha individual, e sim é pautada pelos diferentes tipos de ambiente alimentar em que as pessoas estão inseridas e nas políticas públicas que os moldam. Os ambientes alimentares proporcionam (ou não) o acesso das pessoas à alimentação adequada e saudável e compreendem os contextos e os ambientes físicos, econômicos, políticos e socioculturais que oportunizam e influenciam as escolhas alimentares230,231 

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Um ambiente alimentar saudável é aquele que facilita o acesso e promove escolhas alimentares saudáveis e sustentáveis. O atingimento deste objetivo é proporcionado por políticas públicas e regulamentações que oportunizem que as pessoas façam escolhas alimentares adequadas e saudáveis tanto para si mesmas, como para o meio ambiente.  

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Promover ações de planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas de alimentação e nutrição que considerem a mudança do clima.  
  2. Promover a amamentação exclusiva por 6 meses e continuada por 24 meses ou mais para melhorar a saúde infantil e reduzir o impacto ambiental dos substitutos, como as fórmulas infantis. 
  3. Fortalecer a capacidade de atuação e resposta da Rede de Leite Humano Brasileira (rBLH-BR) em situações de emergência e calamidade climática, como por exemplo, integrar os BLH a planos de emergência climática, garantindo leite seguro para recém-nascidos prematuros em situações de calamidade. 
  4. Priorizar, nas compras públicas, a aquisição de alimentos in natura e minimamente processados, predominantemente de origem vegetal e preferencialmente produzidos pela agricultura familiar, e em bases orgânica, agroecológica e da sociobiodiversidade. 
  5. Incluir critérios socioambientais nos editais de compras públicas de alimentos, privilegiando aqueles produzidos pela agricultura familiar, povos e comunidades trandicionais, e em bases orgânica, agroecológica e da sociobiodiversidade, com menor impacto ambiental. 
  6. Definir que os recursos estaduais e municipais destinados a compras institucionais de alimentos (PAA e similares, hospitais, presídios, polícias, forças armadas, etc) tenham percentuais máximos permitidos para compra de processados e ultraprocessados. 
  7. Definir que os recursos estaduais e municipais destinados à compra de alimentos do PNAE sigamos mesmos percentuais de restrição de compras de produtos processados e ultraprocessados de resoluções nacionais. 
  8. Ampliar os mecanismos para a rastreabilidade de alimentos de uma forma geral, com especial atenção aos de origem animal, apoiando que as compras públicas, o consumo de coletividades, e individual, possam utilizar o critério de não apoiar produtos que tenham origem em cadeias produtivas que gerem degradação ambiental, tenham alta emissão de GEE, ou sejam baseadas em relações injustas de trabalho 
  9. Implementar mecanismos tributários compensatórios a partir de produtos de alto impacto ambiental, como os de origem animal e produtos ultraprocessados.  
  10. Propor a criação de instrumentos de regulação que alertem sobre o impacto ambiental de produtos  ultraprocessados para que os consumidores possam fazer escolhas mais adequadas para a sua saúde e para o meio ambiente. 
  11. Fomentar a criação e manutenção de equipamentos de SAN como espaços de tecnologia social em saúde e SAN, alocados em regiões de pântanos e desertos alimentares e de população em situação de vulnerabilidade social. 
  12. Investir no acesso à alimentação adequada e saudável nas periferias urbanas, por meio de hortas e agricultura urbana e periurbana, quintais produtivos e espaços agroecológicos, estimulando o acesso a alimentos frescos e livres de agrotóxicos nessas localidades. 
  13. Favorecer que a aquisição e a distribuição de alimentos relacionados a eventos climáticos extremos e a emergências climáticas priorizem os alimentos in natura, minimamente processados e processados, adaptados à cultura alimentar e regionalizados, seguindo as orientações do decreto 11.936 de 2024, que define a nova cesta básica de alimentos. 
  14. Promover estratégias de educação formal e não formal sobre a relação alimentação e nutrição e mudança do clima com crianças, adolescentes, jovens, e universitários, com ênfase na importância da valorização de alimentos locais, da sociobiodiversidade e da cultura alimentar regional. 
  15. Desenvolver campanhas informativas e de engajamento que orientem e sensibilizem os consumidores para escolhas adequadas para a saúde e o meio ambiente, reforçando as orientações dos Guias Alimentares para a população brasileira, incentivando: o aumento do consumo de frutas, vegetais, grãos integrais, peixes e desencentivaro consumo de produtos ultraprocessados.  
  16. Expor, contrapor e combater as falsas informações e publicidades disseminadas sobre os produtos utilizados com falsa alegação de saudabilidade e sustentabilidade, como por exemplo, os plant-based ultraprocessados.   
  17. Reconhecer os impactos ambientais e para a saúde de alimentos ultraprocessados em tratativas nacionais e internacionais relacionadas a sistemas alimentares e clima.   
  1. 8. Reduzir as Perdas e o Desperdício de alimentos 

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A perda e o desperdício de alimentos (PDA) são entendidos como a diminuição da qualidade ou quantidade dos alimentos disponíveis, para oferta e consumo, nos sistemas alimentares, resultante de condições de infraestrutura, decisões e ações ao longo da produção, abastecimento e consumo. A perda de alimentos pós-colheita refere-se à perda de alimentos ao longo da cadeia de abastecimento, enquanto o desperdício acontece, principalmente, no varejo e no consumo232. Estas etapas, correspondem pela maior parte dos impactos relativos a perdas e desperdício de alimentos.   

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Em 2022, foram perdidos e desperdiçados cerca de 1.05 bilhões de toneladas de alimentos no mundo, o que significa 132 quilogramas por pessoa por ano. O desperdício de alimentos é uma falha de mercado que resulta no descarte de mais de US$ 1 trilhão em alimentos todos os anos. Também é uma falha ambiental, estima-se que o desperdício de alimentos gere de 8 a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa (incluindo perda e desperdício), medidos em CO2 equivalente, e de ocupar quase 30% das terras agrícolas do mundo233. 

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As principais métricas para a compreensão do impacto das perdas e desperdício estão nas emissões de GEE, a partir do  CO2 equivalente, relacionados as pegadas de carbono, hídrica e de uso da terra. Neste sentido, a redução da perda e desperdício de alimentos é uma estratégia efetiva, e necessária, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e promover a destinação, uso e função adequada dos alimentos234. 

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No Brasil e no mundo, dentre os principais desafios para avançar de forma efetiva nesta agenda, estão a consolidação de instrumentos de monitoramento e avaliação das perdas e desperdícios, para que seja possível dimensionar a extensão, e as etapas onde o desperdício ocorre, e elaborar estratégias adequadas.   

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Quantificar e divulgar, de forma adequada e contínua, as PDA nas cadeias produtivas para subsidiar a tomada de decisão para implementação de estratégias de mitigação nos diferentes contextos. 
  2. Envolver os setores e atores, especialmente os que estão relacionados com perdas e desperdícios de alimentos, no desenvolvimento de medidasintersetoriais e interfederativas para reduzir as perdas, para que contribuam e se responsabilizem de forma conjunta pelas soluções. 
  3. Identificar, reconhecer,sistematizar e fomentar a troca de experiência de estratégias e iniciativas que combatam a perda e o desperdício de alimentos de formas inovadoras e efetivas, para que sejam escalonadas.  
  4. Orientarsobre estratégias de redução da perda e desperdício de alimentos para os atores e setores implicados da produção ao consumocom a disponibilização de informações para a população de maneira geral. 
  5. Realizar o monitoramento e a identificação de pontos críticos de controle para perdas e desperdícios nas cidades e durante a cadeia de alimentos desde a produção.  
  6. Incentivar inovações sociais que possibilitem dar uso ao excedente de produção de frutas e hortaliças que não atendam aos padrões de qualidade estética do varejo, mas estão adequados do ponto de vista sanitário e nutricional para consumo. 
  7. Realizar ações de comunicação e educação alimentar e nutricional, e educação ambiental, sobre desperdício de alimentos e uso consciente de embalagens, incentivando práticas de reuso, redução de desperdício e fortalecimento de sistemas alimentares urbanos sustentáveis e circulares.  
  8. Promover o desenvolvimento tecnológico, incluindo tecnologias sociais voltadas às PDA em toda cadeia, em especial para agricultores familiares e PCT. 
  1. 9. Investir em ciência, tecnologia e inovação para o fomento de sistemas alimentares sustentáveis 

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A ciência, a tecnologia e a inovação cumprem papel decisivo na construção de caminhos e respostas ao desafio de reorientaros sistemas alimentares frente aos cenários de mudança do clima. O Brasil detém substancial capacidade científica e tecnológica que vem apresentando distintas contribuições ao debate, seja com informações sobre os cenários climáticos, de construção de métodos de aferição da captura e emissão de GEE em ambiente de agricultura tropical, ou mesmo a partir do resgate e desenvolvimento de materiais genéticos e de técnicas apropriadas a modelos sustentáveis de produção de alimentos integradas com a sociobiodiversidade 

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A isso, soma-se a intensa experimentação e conhecimentos de comunidades tradicionais, de agricultores e agricultoras e outros coletivos que manejam a biodiversidade e trabalham no sentido da resiliência, como, por exemplo, aplicada à gestão de recursos hídricos. Por seu turno, iniciativas de instituições privadas também buscam construir respostas para a construção de modelos de produção de alimentos mais adaptados à mudança do clima. 

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Essas inúmeras possibilidades de geração de conhecimento, de técnicas e inovação são essenciais e precisam ser ainda mais fortalecidas, assim como podem ser decisivas para afastar falsas soluções ou desserviços que impactam negativamente o propósito de construção de sistemas alimentares sustentáveis.  

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! Orientação: Ao realizar contribuições sobre os itens abaixo, sinalize o número correspondente. !    

  1. Reunir todos os esforços institucionais, potencializando e organizando espaços de debate, de ação e comunicação para a divulgação de dados científicos e evidências que afastem informações veiculadas com o propósito de desqualificar o debate sobre a mudança do clima, assim como a proliferação de falsas soluções relacionadas à organização dos sistemas alimentares. 
  2. Investir em métodos, tecnologias e insumos apropriados à produção sustentável de alimentos de tal forma a fomentar a diversificação da produção,diminuir significativamente o uso de agrotóxicos e aumentar a produtividade de pequenas unidades familiares de produção,ampliando a capacidade adaptativa da agricultura familiar e a ampliação da inserção na produção regional de alimentos. 
  3. Combater a monotonia alimentar por meio de investimentos científicos e tecnológicos no sentido de ampliar a capacidade de produção diversificada de alimentos e impulsionar a conservação da biodiversidaderesiliente à mudança do clima 
  4. Investir em ciência, tecnologia e inovação visando a transição agroecológica resiliente à mudança do clima. 
  5. Financiar pesquisas e estudos voltados ao desenvolvimento de sistemas eficientes de captação, reservação e uso das águas subterrâneas, superficiais e de precipitação, em sintonia com práticas sociais em curso e outros saberes populares.  
  6. Estimular a pesquisa voltada à produção de alimentos para o resgate e desenvolvimento de materiais genéticos resilientes aos estresses hídrico e de temperaturaem razão dos efeitos da mudança do clima.  
  7. Incentivar a pesquisa e a inovação para a ampliação de modelos e técnicas de produção de alimentos, em suas diferentes etapas, com reduzida emissão de GEE. 
  8. Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento científico no sentido de aprimorar a mensuração da emissão e captura de carbono no âmbito dos sistemas alimentares.  
  9. Monitorar alterações na composição nutricional de alimentos devido às mudanças climáticas e práticas agrícolas. 
  10. Incentivar a transição da utilização de plástico ao longo do sistema alimentar para outros materiais, em conformidade com o Tratado Global de Plásticos. 
  11. Financiar pesquisas e estudos voltados aos usos da biodiversidade para alimentação e nutrição no âmbito das instituições de Inovação Científica e Técnológica (ICT) públicas. 
  12. Fomentar pesquisas e editais que fortaleçam bancos e casas de sementes e redes de guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade como forma de desenvolver e resgatar sementes e demais materiais propagativos resilientes à mudança do clima. 
  13. Fomentar a inclusão de agricultores e PCT no ensino superior e pós com foco nos sistemas alimentares resilientes. 
  14. Fomentar linhas de pesquisa e novos modelos de financiamento para iniciativas voltadas à redução das PDA. 
  15. Elaborar agendas de pesquisa periódicas voltadas para sistemas alimentares e clima, considerando biomas e especificidades regionais. 
  16. Aprimorar a coleta de dados longitudinais para entender os mecanismos causais entre eventos climáticos extremos e desnutrição, especialmente em crianças. 
  17. Desenvolver modelos preditivos que integrem variáveis climáticas e nutricionais para orientar políticas públicas. 
  18. Investir em pesquisas que melhorem a compreensão dos impactos das mudanças climáticas nos sistemas alimentares e nutricionais, incluindo o desenvolvimento de indicadores para medir a má-nutrição atribuível ao clima. 
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