Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Portal Brasil 247
Leonardo Attuch — Bom dia presidente Lula, bom dia todo público da TV 247, é uma alegria poder entrevistá-lo aqui nessa condição agora de presidente da República mais uma vez, quero dar um bom dia especial à Helena Chagas, ministro Costa Pinto, Tereza Cruvinel, meus colegas que vão fazer a entrevista comigo. E dizer que o Brasil 247 apoio a sua candidatura à Presidência, apoia o seu governo, mas a gente tem uma preocupação, uma preocupação com o crescimento da economia brasileira, a gente sabe que o senhor também não faz milagre, obviamente, mas há uma ansiedade muito grande pela volta daquilo que a gente conheceu como o espetáculo do crescimento, né? Nesse sentido, a gente vai propor nesse começo de entrevista, uma primeira rodada sobre economia, mas antes de mais nada, bom dia e obrigado pela entrevista.
Presidente Lula — Bom dia! Olha, deixa eu só dizer, Helena, primeiro é um prazer receber vocês aqui. Segundo, eu queria aproveitar para agradecer Attuch, porque não é fato de vocês terem apoiado a eleição de 2022, mas o momento que eu mais ouvia e assisti o 247 foi o tempo que eu estava na cadeia, porque eu recebia todo santo dia às 9 horas da manhã, eu recebia muitas, muitas horas de programação da 247. Isso fez com que eu ficasse bem informado dentro da cadeia. Eu acho que foi o momento que eu mais li, que eu mais assisti, sabe, os programas de vocês e eu quero te dizer o seguinte: que eu voltei e eu estou com muita vontade de fazer aquilo que o povo espera que a gente faça. Você sabe que o processo eleitoral foi um processo muito complicado, muito difícil. Eu, sinceramente, sempre achei que é muito difícil você ganhar uma eleição de quem está concorrendo à reeleição. Quem está com a máquina na mão tem um poder excepcional e o Bolsonaro me parece que eles chegaram a utilizar no ano eleitoral quase 300 bilhões de reais, sabe, de exoneração, de isenção fiscal, de distribuição de recursos de coisas malucas que foram feitas nesse governo. E eu acho que a vitória eu devo a um pouco de cada um dos brasileiros. Sobretudo, eu devo muito a vocês do 247, devo muito à vigília lá do Paraná, porque a vigília foi uma coisa que eu acho que poucas pessoas tiveram o prazer de ter a manifestação que eu tive durante 580 dias.
Então, é o seguinte: você não fique preocupado com a economia não, porque nós vamos fazer a economia voltar a crescer. Esse é um dos objetivos, porque se a economia não voltar a crescer, você não consegue gerar emprego, você não consegue ter distribuição de riqueza, você não consegue fazer distribuição de renda e você não faz o povo ficar alegre. Então eu tenho uma obsessão e eu não espero fazer nada, sabe, com a rapidez que não pode ser feita. Você está lembrado que o espetáculo do crescimento foi anunciado em 2004, eu lembro que eu estava na Ford, fazendo uma visita à Ford, quando eu falei do espetáculo do crescimento e teve muita gente que zombou, que fez piada, eu não vou nem falar o nome de quem fez piada, porque não interessa mais ficar falando. E o que eu sei é que naquele ano a economia cresceu 5,8%. Portanto, o milagre que eu tinha prometido numa conversa que eu tinha tido com o Meirelles, com o Palocci, é que a economia ia crescer e ela cresceu. E eu sei que agora não tá fácil. Não tá fácil no mundo, não tá fácil, sabe, no Brasil, não tá fácil na América do Sul, não tá fácil na América Latina, não tá fácil nos Estados Unidos. Ou seja, mas eu acho que nós precisamos fazer as coisas que tem que ser feitas para fazer a economia crescer. Nós precisamos estabelecer uma política de financiamento, ora com os poucos recursos públicos que nós temos, nós temos que fazer com que a PPP volte a funcionar, e nós temos que incentivar a construção e PPP, sabe, voltando a parceria entre empresa, o setor público e o setor privado.
Nós precisamos fazer muito crédito, mas muito crédito mesmo, para pequenos e médios empreendedores, para pequenas e médias empresas, para cooperativas, ou seja, tudo isso vai voltar e já está voltando. Nós já começamos, esse primeiro trimestre, esses primeiros 100 dias vai ser isso, a gente vai anunciar a retomada de uma série de coisas que nós fizemos nesse país, sabe, que deu certo, a gente vai voltar a fazer, tentando estabelecer as mudanças necessárias. A partir dos 100 dias, nós vamos anunciar tudo que já foi feito, e nós vamos, então, começar a mostrar outras coisas que nós vamos fazer, sobretudo, a gente trabalhar muito fortemente para recuperar o poder aquisitivo também da classe média brasileira, não só a gente tentando melhorar na questão do imposto de renda, para eles não pagarem como pagam hoje, nós vamos fazer isenção até 5.000 reais, hoje era até 1.900.
E nós vamos começar a melhorar o padrão de construção de casa para a classe média brasileira, ela não pode ficar, nós construímos casa para os pobres e casa para os ricos, as pessoas que ganham 8, 9, 10 mil reais tem mais dificuldade. Nós vamos ter que estabelecer a criação de um sistema habitacional para essa gente e eu penso que a economia vai voltar à normalidade.
Eu posso te dizer uma coisa: para mim, incentivar o governo a fazer a economia crescer, incentivar os empresários a fazer investimento, incentivar os pequenos e médios produtores rurais voltar a produzir mais, a crescer mais, e o governo comprar aquilo que for necessário, eu acho que vai fazer a economia brasileira voltar a crescer. E eu acho até, eu disse esses dias pro Haddad, não precisa ficar assustado, esperando os números do FMI, que vai crescer 1, que vai crescer 1,5, 1,8, sabe, vamos esquecer o que o FMI fala, porque quando houve a crise nos Estados Unidos em 2008 o FMI ficou todo o tempo da crise parado, sem falar nada, nem da Europa, nem dos Estados Unidos, ele só costuma dar palpite no Brasil e na América do Sul. Então, nós vamos fazer a economia crescer e isso é a razão pela qual eu tenho me dedicado muito. Eu tenho dito, Attuch, que eu vou trabalhar nesses 4 anos mais do que eu trabalhei nos outros anos. Eu vou me dedicar de corpo e alma, porque é um compromisso moral, ético, é um compromisso de fé, de fazer esse povo voltar a ter alegria nesse país.
Helena Chagas — Presidente, o senhor de certa forma desinterditou um debate quando o senhor criticou os juros altos, né? Quebrou a hegemonia de um discurso que o Banco Central estava sempre certo, na sequência muitos empresários importantes, o Josué presidente da FIESP, até o Prêmio Nobel, tão falando dos juros brasileiros, né? Coincidentemente, hoje tem Copom, amanhã o Banco Central vai divulgar a taxa Selic, não tem uma expectativa muito boa. O que que o senhor vai fazer se eles não abaixarem os juros e nem sinalizarem que o farão nas próximas reuniões em breve? O senhor pode demitir o presidente do Banco Central? O que que o senhor faria?
Presidente Lula — Eu não posso demitir, porque ele depende muito do Senado, mas deixa eu lhe contar uma coisa Helena: a primeira coisa que eu acho absurdo, de verdade, é a taxa de juros estar 13,75, no momento em que a gente tem os juros mais alto do mundo, sabe, no momento em que não existe uma crise de demanda, não existe excesso de demanda, ou seja, nós ainda temos 33 milhões de pessoas passando fome, nós temos o desemprego crescendo, a massa salarial caindo, então não há nenhuma razão, nenhuma explicação, nenhuma lógica. Só quem concorda com os juros altos é o sistema financeiro, sabe, que sobrevive e vive disso. E ganha muito dinheiro com as especulações. Mas as pessoas sérias, que trabalham, os empresários que investem, sabem que não está correto, ninguém pode tomar dinheiro emprestado a 13,75. O juro real de 8%, se você descontar a inflação, não existe. E eu acho engraçado é que o sistema financeiro, e alguns editorialistas de alguns jornais, acham ruim que a gente critique, então a gente tem que aceitar que o juros seja alto, sabe? Eu, sinceramente, acho um absurdo o juro estar 13,75, o BNDES está sem recurso para fazer investimento, e nós vamos tentar, é importante saber, nós vamos tentar, a gente só vai poder mudar o Banco Central daqui a 2 anos, porque ele tem autonomia. Eu sinceramente nunca me importei com a autonomia do Banco Central, eu nunca achei que era importante, eu não sei porque que as pessoas acham que é importante autonomia. Eu tive o Meirelles como presidente do Banco Central 8 anos, e o Meirelles teve muita autonomia. Também muita gente criticava o Meirelles, aliás, toda reunião do Copom, toda, sem distinção, a Fiesp fazia crítica, o movimento sindical fazia crítica, o Celso Amorim fazia crítica.
Tereza Cruvinel — Seu vice fazia crítica.
Presidente Lula — O Zé Alencar fazia crítica, e é normal que as pessoas critiquem! Ora, ninguém é obrigado a concordar. Eu sinceramente acho que o presidente do Banco Central não tem compromisso com a lei que foi aprovada de autonomia do Banco Central. A lei diz que é preciso cuidar da responsabilidade da política monetária, mas é preciso cuidar da inflação também, é preciso cuidar do crescimento de emprego, coisa que ele não se importa. Então, eu…
Helena Chagas — O senhor vai continuar batendo...
Presidente Lula — Eu vou continuar batendo, eu vou continuar tentando brigar, para que a gente possa reduzir a taxa de juros para a economia voltar a ter investimento, senão, sabe, o BNDES nesses últimos anos devolveu 600 bilhões de reais ao governo, ou seja, fica sem dinheiro pra fazer investimento. Ainda esse ano o BNDES tem que devolver 90 bilhões ao Tesouro, ou seja, olha, se o BNDES não tem dinheiro para investir, se o Banco do Brasil não tem, se a Caica Econômica não tem, se o Basa não tem, se o BNB não tem, e os bancos privados não querem fazer investimento, e os juros são muito altos, quando é que a economia vai crescer? Então, deixa eu lhe falar uma coisa: obviamente que o presidente da República não pode ficar brigando, xingando toda hora, porque, sabe, eu tenho outras coisas pra fazer, mas o que nós temos que ter certeza, é que é irresponsabilidade do Banco Central manter as taxas de juros a 13,75. É irresponsabilidade!
Só quem gosta é o sistema financeiro, que esses dias deu 99% pra ele de aprovação na pesquisa do sistema financeiro. Poderia ter dado 100, sabe, poderia ter dado 100. Se ele aumentasse pra 14, aí vão dar 150 de apoio. Quando, na verdade, o que nós precisamos é fazer a economia brasileira voltar a crescer. Quando ela voltar a crescer, Helena, todo mundo vai ganhar dinheiro! Vai ganhar o empresário, vai ganhar o trabalhador, vai ganhar os aposentados, todo mundo vai ganhar um pouco e o Brasil vai ser melhor. E é pra isso que eu vou brigar nesse país.
Tereza Cruvinel — Presidente, ontem ao relançarem o "Mais Médicos", o senhor disse que sempre se busca um avanço social, um programa social para os mais pobres e tal, vem alguém da equipe econômica falar em gasto, que é gasto. E aí o senhor fez todo aquele discurso sobre gasto e investimento social. O senhor estava se referindo a sua equipe econômica do ministro Haddad, ou aos economistas em geral? E também queria lhe perguntar porque que o senhor não aprovou logo a proposta de âncora fiscal do Haddad, que defeito o senhor viu na proposta?
Presidente Lula — Olha, primeiro eu não falei da minha equipe econômica, eu falo dos economistas em geral. Porque é um conceito equivocado. Desde o meu primeiro mandato em 2003, em uma reunião em que estava participando o ministro Palocci que eu proibi utilizar a palavra "gasto" para falar em educação. Ou seja, você faz investimento. Porque que você vai falar na palavra "gasto" com saúde? O que que custa para o país uma pessoa sã, trabalhando normalmente, e o que que custa uma pessoa doente? Então investimento para a pessoa ficar saudável é investimento, não é gasto! O investimento para fazer universidade é investimento, não é gasto! Para melhorar o ensino fundamental, é investimento! Há algo que possa trazer mais recurso, mais crescimento para um país do que, sabe, dinheiro da educação? Então nós precisamos parar com essa loucura de achar que tudo que você faz para o povo é gasto, sabe? Você pode utilizar a palavra investimento, é muito mais bonito, é muito mais saudável. O que que você gasta? Mesmo quando você aplica dinheiro em custeio, você não pode utilizar "gasto", você tá pagando as pessoas que trabalham, as pessoas merecem receber o salário, tá? Obviamente que não é um investimento que traz retorno, que tem redimento, mas ele melhora a qualidade de acordo com o salário que você paga para as pessoas. Então, no caso do Brasil, eu acho que nós precisam ter em conta o seguinte: nós precisamos fazer muito investimento. Investimento em saneamento básico, investimento para as pequenas cooperativas, investimento para pequenos empreendedores, melhorar a vida das pessoas, sabe? E é isso que a gente vai fazer, e por isso que eu acho que a palavra "investimento" é mais bonita que a palavra "gasto", porque quando as pessoas falam em "gasto", na verdade as pessoas estão querendo que você economize dinheiro, não pague a saúde, não pague a educação, não pague nada, para sobrar dinheiro pra que? Não é para fazer investimento, é para fazer dinheiro para pagar o que? Os juros!
Tereza Cruvinel — As dívidas.
Presidente Lula — É isso! Então, é só a gente mudar, querida, é só a gente mudar o nome e falar a palavra "investimento", que é uma palavra mais saudável e melhor para o Brasil. E o Brasil tá precisando de investimento. Agora, obviamente que as pessoas podem ter discordância. A segunda coisa é o marco fiscal. Por que que eu decidi? Porque é preciso discutir um pouco mais. A gente não tem que ter a pressa que algumas pessoas do setor financeiro querem. Nós precisamos saber o seguinte: eu vou fazer o marco fiscal, eu quero mostrar ao mundo que eu tenho responsabilidade. Aliás, eu sempre digo, não tem governo nenhum nesse país que foi mais sério do que nós fomos nos 8 anos que eu presidi esse país. Eu digo sempre! Eu peguei uma dívida externa, eu peguei uma dívida pública bruta de 12%, ou melhor, uma inflação de 12%, nós levamos para dentro da meta de 4,5. Nós tínhamos desemprego de 12%, nós fizemos esse país ficar com 4,5% em 2013. Nós tínhamos uma dívida externa de 30 bilhões de dólares, sabe, que o coitado do Malan ia todo ano pra Washington tentar buscar dinheiro para fechar o caixa aqui, e era humilhado pelo presidente do FMI. Nós pagamos a dívida pro FMI e fizemos reserva de 370 bilhões, que é o que sustenta esse país até hoje. Além do que nós diminuímos a dívida pública interna de 67% para 50,7%, ou melhor, pra 37,7%.
Nós conseguimos mostrar que esse país era responsável e eu apanhei muito do meu partido, porque durante os 8 anos do meu mandato nós fomos o único país do G-20 que fez superávit primário todo santo ano, nenhum país do G-20 fez como nós fizemos. Então eu não preciso que venha um banqueiro me cobrar de responsabilidade. Eu não preciso! Eu digo sempre: eu aprendi economia com a minha mãe, a Dona Lindu, analfabeta, mas ela pegava o envelope de pagamento da gente, colocava o dinheiro ali na mesa e ela falava: "esse aqui é pra pagar o pão, esse aqui é pra pagar a luz, esse aqui é pra pagar a água, esse aqui é pra pagar não sei o que, e esse aqui é pra vocês pagarem o transporte no final do mês inteiro". Se não sobrasse nada, não tinha nada pra ninguém gastar, sabe? Então gastar, é uma coisa que eu tenho responsabilidade de só gastar aquilo que eu posso ganhar. Se eu for gastar mais eu tenho que fazer uma dívida que seja algo que tenha rentabilidade, algo que tenha recebíveis garantidos. Eu posso aumentar, sabe, o patrimônio desse país, eu posso aumentar a infraestrutura desse país, eu posso fazer uma dívida para fazer uma ponte, para fazer uma ferrovia, sabe? Para fazer um aeroporto. O que eu não posso é gastar a toa. Ah, vender a Petrobrás pra pagar juros da dívida interna, vender a Eletrobrás para pagar juros, isso sim é irresponsabilidade!
Luís Costa Pinto — Presidente, você tá lançando aqui a "Doutrina Lula", de que gasto para fazer movimento para a economia e na área social é investimento, tem que ser encarado dessa forma. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem encontrado dificuldade de fazer um convencimento político, inclusive, e sobretudo, dentro do Partido dos Trabalhadores, para essa visão, né? Hoje de manhã, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, cancelou a ida dela ao seminário do BNDES, aonde está se discutindo conjuntura econômica, né? Enfim, o ministro Haddad está aprendendo a ter essa relação política para também se convencer dessa "Doutrina Lula"?
Presidente Lula — Olha, primeiro o Haddad já sabe demais. É importante dizer que o Haddad foi o melhor ministro da Educação desse país, o Haddad foi um prefeito muito importante, muito competente na Prefeitura de São Paulo, e o Haddad é um companheiro que já foi candidato a governador, já foi candidato a presidente, o Haddad já tem muita política na cabeça e o Haddad é competente pra fazer o que tem que ser feito. Obviamente que o Haddad convive com outro segmento da sociedade que eu, necessariamente, não convivo, sabe? Que é o sistema financeiro como um todo, o Haddad é obrigado a conversar com os banqueiros, é obrigado a conversar com investidores, sabe? E o Haddad tem que fazer as coisas com cuidado, o Haddad ele pensa igual o governo, não há nenhum problema do PT contra o Haddad, não há nenhum problema meu contra o Haddad, sabe? Eu tenho pelo Haddad um respeito profundo, um carinho profundo, e eu tenho certeza que o Haddad vai ajudar a resolver o problema da economia nesse país, é apenas uma questão de tempo. É importante lembrar como é que nós encontramos esse país, vocês viram na apresentação que nós fizemos quando terminamos, sabe, a investigação do que tinha sido feito pelo ex-governo, o desastre que estava feito aqui depois que nós terminamos a transição. Em todas as áreas, em todas as áreas, sabe? Então esse país foi desmontado. Então, nós temos que preparar esse país para poder receber, sabe, a injeção de ânimo que nós precisamos dar. E eu tenho certeza que o Haddad vai cumprir com a sua tarefa da forma mais extraordinária possível. E eu falei pro Haddad: olha, nós não temos que ter pra que indicar o nosso modelo de marco fiscal agora, sabe? Nós vamos viajar pra China, quando a gente voltar, você reúne, sabe?
Helena Chagas — Vai ser só na volta?
Presidente Lula — Deixa eu te contar porque que não pode ser antes da volta: nós embarcamos sábado. O Haddad não pode, sabe, comunicar uma coisa e sair. Você percebe? Seria estranho, eu anuncio e vou embora. Não, o Haddad tem que anunciar e ficar aqui pra debater, pra responder, pra dar entrevista, pra conversar com o sistema financeiro, pra conversar com a Câmara dos Deputados, conversar com o Senado, conversar com os outros ministros, conversar com empresário. O que não dá é a gente avisar e ir embora, vai eu, vai o Haddad, vai um monte de gente embora pra China. Como a visita para a China é muito curta, nós vamos conversando, nós vamos aproveitar e ficar 24 horas sentado do lado do Haddad conversando, sabe?
Leonardo Attuch — Amadurecendo.
Presidente Lula — Eu acho que já está maduro, já tá maduro. O que nós precisamos, e o que que eu tenho chamado atenção, é que é o seguinte: nós precisamos fazer as coisas com muito cuidado, porque a gente não pode, sabe, deixar faltar recurso para a educação e para a saúde.
Leonardo Attuch — Deixa eu pegar, presidente, alguns pontos aí que o senhor falou da economia que são muito importantes: o senhor falou em Eletrobras, falou em Petrobras, e falou também do momento em que senhor estava lá em Curitiba. Uma pergunta objetiva: se o governo fará algo para reverter a privatização da Eletrobrás, se vai parar, de fato, as vendas de ativos da Petrobrás, e vai mudar a PPI, porque há uma expectativa em relação a isso. E uma última pergunta que eu queria fazer era o seguinte: o senhor passou lá 580 dias preso injustamente, mas tem uma herança maldita da Lava-Jato, a quebra das empresas brasileiras de engenharia. Outro dia teve a licitação do Rodoanel e nenhuma delas podia participar, tiveram que arrumar uma empresa financeira para ganhar o leilão lá. Essas empresas vão ter uma segunda chance? O Brasil vai voltar a ter orgulho das empresas de engenharia? Então engenharia, Eletrobras e Petrobras.
Presidente Lula — Olha, primeiro da Eletrobras e da Petrobras: o que foi feito na Eletrobras foi um crime de leso à pátria, tá? Você privatizou uma empresa daquele porte, sabe, você utilizou o dinheiro pra que? Pra que? É como se você tivesse a sua casa e você tivesse devendo para mim e você resolvesse vender sua casa para pagar sua dívida. Você ia ficar com o que na vida? Olha, uma empresa como a Eletrobras é um patrimônio desse país de muita responsabilidade. Eles venderam a Petrobrás me parece que por 36 bilhões de reais, esse dinheiro é utilizado para pagar a dívida pública. Da Eletrobras, não existem sinais de que vai baixar o preço da energia, sabe, para o povo brasileiro. E mais grave ainda, é que eles fizeram uma loucura: a Eletrobras, embora o governo tenha 40% das ações, o governo só participa na votação com 10%. Segundo, se o governo quiser comprar ações, o governo tem que pagar o triplo do preço que paga uma outra empresa comum. Ou seja, foi feito para proibir a gente de tomar ela de volta.
Leonardo Attuch — E vai ficar por isso mesmo?
Presidente Lula — Não, não vai ficar por isso. Nós estamos entrando na Justiça, nós entramos na Justiça contra a votação, o Pedro da Petrobras na direção da empresa, e nós entramos também na Justiça com relação ao preço pra ser vendido pra Petrobras. E depois, eu vou lhe contar uma coisa: o salário dos diretores aumentou de 60 pra 360 mil reais por mês. E mais ainda: um Conselho... o cidadão que está no Conselho ganha 200 mil reais por mês, para participar de uma reunião por mês. Então esses absurdos é que a gente vai tentando ver como é que a gente vai mudar. Eu posso te dizer uma coisa: a Eletrobras, ela foi privatizada, sabe, um grande monte de fundos comprou, o que tem mais tem 4%, sabe? Então, é uma situação difícil. Eu sei que já tem fundo que pensa em vender, mas eu espero se a gente um dia a gente tiver condições, a gente volte a ser o dono, sabe, da maior empresa de energia que esse país tem. A Petrobras a gente já avisou para o presidente dela, o companheiro Jean Paul, de que é preciso suspender todas as vendas de ativos.
Leonardo Attuch — Mas ele soltou uma nota dizendo que vai continuar.
Presidente Lula — Não tem condições de continuar vendendo. Obviamente que as pessoas já tinham feito contrato com algumas coisas, sabe, tudo isso tem uma briga jurídica que nós queremos resolver na política e não na questão jurídica.
Leonardo Attuch — E as construtoras?
Presidente Lula — Mas de qualquer forma, a gente vai voltar a fazer com que a Petrobras seja uma grande empresa de investimento nesse país. A Petrobras não foi feita para exportar óleo cru, a Petrobras não é apenas uma empresa de petróleo, ela é uma empresa de energia. Ela tem que estar preocupada com o gás, tem que estar preocupada com óleo diesel, sabe, não pode ser uma empresa vendedora, sabe, para ter um lucro de 200 bilhões para distribuir para os rentistas, para os acionistas minoritários, quando metade desse dinheiro poderia ser investimento em salário para pesquisar novas fontes de energia, para pesquisar novas fontes de petróleo. É um absurdo!
E veja, eu espero que essas empresas possam ressuscitar. Se bem que eu não sei o tamanho do crime que elas cometeram também, porque muitos confessaram que fizeram bobagem, e se fizeram bobagem tem que pagar o preço de se fazer bobagem. O que não dá é para um país do tamanho do Brasil, com as empresas de engenharia que tinha o Brasil, agora pra fazer uma obra qualquer tem que trazer uma empresa chinesa, uma empresa espanhola, eu não sei qual outra empresa que vai trazer. Nós vamos ter que fazer com que outras empresas de engenharia se fortaleçam e cresçam nesse país. Porque na Lava Jato, ou seja, podia ter prendido um empresário, se ele roubou, mas deixar a empresa funcionar. Ah, teve problema, faça nova licitação. O que não pode é quebrar empresa como quebrou! Hoje você não tem empresa pra fazer uma grande obra.
Aliás, é importante lembrar: quando eu deixei a Presidência em 2013, a gente tinha 3... olha, vou te contar o que a gente tinha: a gente tinha, em construção, 20 mil quilômetros de linha de transmissão, a gente tinha 3 grandes maiores hidrelétricas do mundo, Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, e a gente tinha 12 estádios de futebol sendo construídos ao mesmo tempo. O que que esse país tem hoje? Me lembre uma empresa, uma obra de infraestrutura que está sendo feita nesse país.
Luís Costa Pinto — E tudo por empresa brasileira.
Presidente Lula — Me lembre qual é a obra que está sendo feita? Eu vou lhe contar um dado, pra você cair de costas: em 4 anos, o ex-governo investiu 20 bilhões em obras de infraestrutura. Em 4 anos! Nós, só nesse ano de 2023, estamos investindo 23 bilhões. Significa que, em um ano, nós estamos investindo mais do que eles investiram em 4 anos.
Helena Chagas — Presidente, o senhor está com 80 dias de governo, né? Outro dia o senhor reuniu os ministros e deu uma espécie de uma ordem unida, que muita gente interpretou como uma bronca, para que ninguém ficasse anunciando programas aí sem passar pelo Palácio do Planalto, uma coisa que parece até óbvia, mas a gente estava vendo aí um certo bate-cabeça, o ministro Lupi baixou juros do consignado, o ministro Márcio França anunciou um programa de viagens aéreas. Eu pergunto: o senhor está satisfeito com o desempenho da equipe que o senhor nomeou nesse momento? Com os ministros que o senhor fez, com os ministros que estão indicados pelos partidos? Que que foi isso aí?
Presidente Lula — Ô Helena, primeiro que eu estou satisfeito com os meus ministros. As pessoas estão com uma vontade de trabalhar, sabe, como jamais acho que eu tive da outra vez. Todo mundo quer acertar, todo mundo quer fazer o máximo possível. Então o que aconteceu: o Márcio, ele comunicou em uma reunião de Ministério, em uma reunião de Ministério de Infraestrutura, a questão da passagem. Então, eu falei pro Márcio: olha, você vai na Casa Civil, acerta com o Rui, para a gente poder fazer um anúncio dessas coisas como uma decisão de governo, sabe? Ficou acertado. Aí no dia seguinte, o Márcio anunciou. O Lupi teve comigo e com o Rui Costa. O Lupi falou, sabe, que estava difícil os aposentados pagarem a dívida porque eles aumentaram o endividamento dos aposentados em 45%. Ou seja, o cidadão que ganha mil reais, ele não pode fazer uma dívida que ele paga 45%, sabe, do que ele ganha de dívida. Então era preciso baixar os juros, mas era baixar pouca coisa, porque tem uma lei, que foi feita depois que a gente deixou o governo, que regulamenta a quantidade de juros que pode ser. Não sei se é 1,80, 1,90, a CAIXA já está 1,90 de juros ao mês. Se você for comparar 1,90 sobre 1,90, vai dar o dobro da taxa Selic, sabe? Você não precisa cobrar os juros tão altos.
Mas ao invés de anunciar, porque eu acho que era uma coisa correta você tentar baixar a taxa de juros, não apenas no Banco do Brasil, mas tentar discutir, inclusive com o sistema financeiro que empresta crédito consignado. Tem banco que empresta 8% ao mês, a 9% ao mês, isso é um roubo do coitado do aposentado! O cara ganha 1.400 reais, como é que o cara vai pagar 8% de juros ao mês? Então, era preciso ter feito um acerto para anunciar uma medida que envolvesse a Fazenda, que envolvesse o Planejamento, que envolvesse os bancos públicos e os privados. Não, o Lupi anunciou. Depois de o Lupi estar em uma reunião comigo, junto com o Rui, e eu falei: olha, você agora conversa com o Rui para acertar como é que a gente faz, você tem que chamar os bancos para conversar, sabe? Pô, ele anunciou, sabe, uma coisa que poderia ser 100% boa, favorável, criou um clima de insatisfação, sabe, nos bancos que precisava ter avisado isso e se preparado. Porque não pode baixar com a facilidade que a gente quer que eles baixem. Mas de qualquer forma, a tese é boa, e a gente vai tentar ver como é que a gente consegue fazer com que os juros baixem de verdade.
Helena Chagas — O senhor está afinando a orquestra, né? Ou está dando uma ordem unida aí.
Presidente Lula — As pessoas tão com muita vontade de trabalhar, você tem a primeira experiência indígena no governo, sabe, a Sonia Guajajara ela está com uma vontade extraordinária de fazer as coisas novas e é tudo muito difícil, porque nunca teve, sabe?
Luís Costa Pinto — Então, há excesso de pressa e proatividade.
Presidente Lula — Mas eu acho que o pessoal tá muito a vontade, eu estou com uma surpresa agradabilíssima dos ministros que foram governadores, que foram prefeitos. A capacidade deles, sabe, fazerem a máquina funcionar é muito grande. É muito grande!
Helena Chagas — O ministro Rui Costa o senhor parece que está querendo fortalecê-lo aqui como o gestor do governo, é isso?
Presidente Lula — Sabe o que acontece? É porque eu de vez em quando, eu falo assim pro Rui Costa: você é minha Dilma de calça. Porque veja, o papel da Casa Civil é uma espécie de papel de coordenador do governo, e é quase como se fosse uma espécie de defesa dos interesses do presidente da República. Eu lembro da Dilma, que a Dilma chegava numa reunião do governo, a Dilma falava assim: ó, ninguém vai mentir para o presidente, se mentir eu vou dizer que é mentira! Então, eu achava aquilo fantástico, porque aquilo me deixava dormir com a consciência tranquila de que tinha alguém tomando conta.
Helena Chagas — Olhe, dizer que ele é Dilma pode despertar as ambições futuras dele.
Presidente Lula — E deixa eu te contar uma coisa: o Rui já foi chefe da Casa Civil do Jaques Wagner, e o Jaques Wagner me falava: ô presidente, ele é um cara que vai tomar conta, pode ficar certo de que ele vai tomar conta. E obviamente que às vezes o chefe da Casa Civil discorda do ministro. Eu lembro da Dilma discordando do Sérgio Resende, do Haddad, do Guido Mantega, e é interessante, porque o ministro às vezes criava um caso, brigava, e eu ia lá e fazia o carinho necessário para não ter desarmonia no governo. Mas eu estou muito, sinceramente, eu estou muito feliz! Essa equipe, eu acho que ela vai ter um sucesso extraordinário, sabe, eu estou me sentindo, assim, como se tivesse tido um terremoto, a casa estivesse toda desmontada. Então, você chegou, sabe, e começou a arrumar a casa, colocar as coisas no lugar, e eu acho que dentro de 100 dias, nós vamos estar prontos para anunciar outras coisas.
Tereza Cruvinel — Presidente, realmente é todo dia, tem um esqueleto no armário, como eu brinco, de heranças do Bolsonaro, né? Agora, houve já a primeira manifestação cobrando do seu governo, que veio dos estudantes, embora você tenha sido muito apoiado pela juventude na campanha, na eleição, eles estão muito insatisfeitos com essa reforma do Ensino Médio, que foi aprovada por medida provisória, de forma sem debate, lá no Congresso, durante o governo Temer, embora houvesse um projeto deixado pelo Haddad. E há uma insatisfação muito grande. O seu governo não deu um sinal de que vai revogá-la, e a UNE, os estudantes, estão fazendo uma cobrança muito grande. Li no 247, na nossa TV, o tempo todo as pessoas estão dizendo que o governo tem que revogar, cobrando essa revogação.
Leonardo Attuch — É a pergunta mais cobrada pelo público, presidente. Temos muitos professores que nos assistem também.
Presidente Lula — Deixa eu falar uma coisa: eu até conversei com o ministro Camilo, e ele vai fazer um debate sobre o Ensino Médio, ele vai fazer uma discussão com os educadores, com os estudantes, não vai ser do jeito que está. Ele vai fazer a discussão, sabe, pra que a gente possa fazer uma coisa que seja agradável ao governo, mas também aos estudantes. Eu tive uma reunião com o presidente da Confederação Nacional dos Professores, eu tive uma reunião com a com a Bebel, que é nossa deputada líder estadual em São Paulo e presidente da PEOESP e ele vai conversar com outros sindicatos para que a gente possa estabelecer, tanto com os educadores, quanto com os alunos, uma nova discussão sobre o Ensino Médio, ele vai mudar e o Camilo eu tenho certeza que ele vai fazer aquilo que for melhor para os estudantes.
Luís Costa Pinto — Presidente, o senhor está satisfeito com essa proatividade e essas ideias dentro do governo, no Palácio, mas o governo precisa começar a rodar dentro do Congresso também. Há uma disputa entre presidente da Câmara e presidente do Senado sobre o rito das medidas provisórias. Nada, realmente relevante foi votado ainda nessa legislatura, né? Como é que o senhor encara o nível, o estágio de negociação e de ação política da sua base de governo no Congresso e o que é que é preciso fazer para destravar essas primeiras votações relevantes?
Presidente Lula — Olha, houve uma coisa muito importante que é até uma uma coisa sui generis, que foi a aprovação pelo Congresso Nacional da PEC que permitiu a gente arrumar o dinheiro para cumprir políticas públicas que não poderiam ser cumpridas se não aprovasse uma PEC. Disseram que era PEC do Lula, não. Era PEC era do governo anterior. A PEC era para dar um pouco de responsabilidade para o governo anterior que tinha assumido compromisso e não o dinheiro para pagar. Então a PEC já foi uma decisão muito importante e eu fico muito grato ao Congresso Nacional de ter aprovado a PEC. A segunda coisa é que eu já fiz mais conversa com o presidente do Senado e da Câmara, nesses três meses, do que eu tinha feito em outros mandatos, sabe? Porque eu acho que nós precisamos conversar mais, eu primeiro sou muito, muito grato a ter um ministro das Relações Institucionais com a qualidade do Padilha, sabe, que conversa com todo mundo, a todo instante, toda hora. Eu tenho o líder, Jaques Wagner, no Senado, que é uma figura extraordinária, excepcional nessa relação política. O meu amigo, sabe, José Guimarães, é outro líder coordenador excepcional, e o Randolfe, que é o líder do Congresso Nacional. Então, a orientação que a gente tem discutido é que eles precisam discutir muito, com todas as forças políticas. Eu não sei se você lembra, numa entrevista que eu dei um dia desses eu disse o seguinte: olha, qual é a sua base de sustentação? Eu falei: a minha base ela, por enquanto, são 503 deputados e 81 senadores.
Na hora que começar a votar é que eu vou ver quantos votos eu vou ter, mas eu pretendo conversar com todo mundo, porque eu não estou governando para mim, não estou governando para um partido político, eu estou governando para o povo brasileiro, e é preciso mostrar que as coisas que nós queremos que seja aprovada sejam coisas de interesse da sociedade brasileira. Não é uma coisa de uma religião, de um... de um partido político, não, é de todo povo brasileiro. E aí, eu tenho certeza que a gente vai conseguir, sabe, ter uma maioria, a gente vai conversar com os partidos políticos, vai conversar com o presidente da Câmara, com o presidente do Senado, com os líderes dos outros partidos, com o líder da base do governo, para que a gente possa não só aprovar, sabe, o marco fiscal, mas pra gente poder aprovar uma política tributária para esse país e aprovar medidas na economia que nós precisamos para fazer a economia voltar a crescer.
Eu não sei se é possível votar uma reforma agrária (tributária) total, mas quem sabe você possa votar coisas importantes na reforma tributária, que tem como ponto principal o seguinte: as pessoas mais pobres têm que pagar menos imposto de renda e as pessoas mais ricas têm que pagar mais imposto de renda. Esse é o centro da nossa política tributária, e as pessoas precisam compreender que não é possível as pessoas, sabe, que ganham dividendo, que ganham o lucro, não pagar imposto de renda. Senão esse país não vai sair da "encalacrada" que ele tá. Eu estou convencido que a gente vai conseguir convencer a Câmara e o Senado a aprovar aquilo que a gente precisa. A divergência que existe entre o presidente da Câmara e do Senado, eu acho que é uma coisa que são duas pessoas maduras, duas pessoas que têm responsabilidade, eu, se puder, eu vou conversar o máximo que eu puder conversar com eles.
Tereza Cruvinel — Eu pensei que o senhor ia usar a viagem para a China para conversar com os dois, mas o Lira desistiu, né?
Presidente Lula — Eu não sei, o Lira não me comunicou que desistiu ainda, mas veja: seria importante porque nós vamos ter também conversa com político chinês, e eu acho que essa visita pra China é uma viagem extremamente importante, não só para garantir a relação boa que o Brasil tem com a China, mas pra gente ampliar a nossa relação com a China, a gente ampliar na questão cultural, na questão científica e tecnológica, na questão política, e por isso que eu gostaria que fosse o presidente da Câmara e do Senado. Eu sei que vão muitos deputados e isso é muito importante.
Leonardo Attuch — Aproveitando esse tema da China que eu já ia trazer, eu queria lhe perguntar se além da relação empresarial, política, cultural, se o senhor vai tocar nas conversas com o presidente Xi Jinping sobre o tema da paz mundial. Ele vai estar chegando da Rússia. O senhor cobrou quando o Olaf Scholz veio aqui, a China tem que entrar nessa discussão, né? E o senhor tem se colocado como um ator disposto a buscar uma solução para essa guerra. Isso vai entrar nas discussões?
Presidente Lula — Se depender de mim vai. Olha, porque tem uma coisa, Attuch, que nós temos que levar em conta: primeiro, o Brasil é um país que não tem contencioso, e o país sempre trata todos os outros países com muito respeito. E eu tive o prazer de conviver meus oito anos de mandato junto com Celso Amorim, no Ministério das Relações Exteriores, um momento de protagonismo do Brasil que até então a gente não tinha conhecimento. Nós voltamos e eu acho que o nosso protagonismo vai voltar, se a gente souber fazer as coisas que tem que ser feita, por exemplo: não sei se vocês viram, o Celso Amorim foi esses dias na Venezuela, foi numa conversa, queria restabelecer a nossa relação com a Venezuela, sabe? Vamos querer montar a nossa Embaixada lá, que eles querem montar Embaixada aqui. A Rússia não é um país qualquer, não é uma coisa insignificante, sabe? A Rússia é muito importante, sabe, para garantir que a paz no mundo prevaleça por muitos e muitos séculos.
Agora, como está todo mundo envolvido, o Brasil disse textualmente: "nós condenamos a invasão, sabe, da integridade territorial da Ucrânia". Nós achamos que a Rússia não poderia ter feito isso, não precisaria ter feito isso, né? Mas fez! A guerra está lá já faz um ano. Então agora é preciso encontrar alguém que comece a falar em paz, porque os Estados Unidos não tá falando em paz, a Europa não tá falando em paz, tá todo mundo envolvido direta ou indiretamente naquela guerra, sabe? Então, eu vou conversar com o Jinping, porque a China é um país extremamente importante, é um país que pode ter, sabe, uma discussão mais séria com os Estados Unidos, eu disse para o Biden, eu disse para o Macron, eu disse para o Olaf Scholz, que o Brasil está a disposição para fazer qualquer esforço para garantir a paz, a primeira coisa que tem que fazer é parar a guerra, depois senta para conversar para ver o que que é possível acertar da relação entre os dois países, sabe? O que que é suficiente para Rússia parar, o que que é suficiente para a Ucrânia aceitar, isso tem que ser conversado, mas só pode ser conversado depois que terminar a guerra. Então, isso é um assunto que eu vou conversar com o presidente chinês e eu acho que a China, já é uma grande novidade a China ter ido lá agora, muito, uma boa novidade a China ter ido lá, porque é preciso que a gente pare todo mundo e fale: "vamos voltar a conversar", e eu estou convencido que o Brasil pode dar uma contribuição extraordinária para colocar fim a guerra e voltar a paz.
Helena Chagas — Presidente, queria fazer uma pergunta, assim, institucional. O senhor assumiu, e há uma expectativa, de normalização institucional: cada poder volta para sua casinha, né? O Executivo com seus poderes, o Legislativo com os seus, o Judiciário com os seus, os militares voltando para sua casinha. O senhor acha que já avançou nisso? Porque o senhor sofre no Legislativo, você sofre assim na carne distorções que acho que nenhum presidente sofreu, né? Um Congresso de maioria de centro-direita, o senhor é um sujeito de centro-esquerda, eles nunca tiveram tanto poder, né? O Judiciário também andou marchando ali além dos próprios passos e os militares a gente vê um esforço enorme, não é, para despolitizar. O senhor acha que avançou nisso, o que vai avançar? Eu vejo o senhor agora se reaproximando dos militares. Uma pergunta muito cheia, né? Muito complexa, se o senhor quiser responder só a parte que o senhor quiser.
Presidente Lula — Deixa eu falar uma coisa: veja, eu, pela Constituição brasileira, sou o chefe supremo das Forças Armadas. Então, a Aeronáutica, a Marinha e o Exército, eles obedecem a um comando do presidente da República. E eu faço questão de naquilo que for necessário fazer, eu vou fazer, eu não vou ficar de biquinho com as Forças Armadas. Nós estamos discutindo coisas sérias, todas aquelas pessoas que participaram da movimentação de 8 de janeiro, daquele golpe, vão ser punidos. E quem participou do golpe será punido pela Justiça Civil, e não pela Justiça Militar. Todo mundo sabe disso, sabe? O cidadão que inventou de quebrar coisa, e ele é sargento, era coronel, era general, ele será punido pela pela Justiça.
Luís Costa Pinto — Foi relevante a manifestação do presidente do STM nesse sentido, de que...
Presidente Lula — Sabe, é o seguinte, eu tenho hoje a palavra das três forças de que vai ter um esforço muito grande para despolitizar as Forças Armadas, sabe? Inclusive, vamos discutir com o Congresso Nacional, temos interesse de mandar o projeto de lei, sabe, dizendo que quem quiser ser candidato alguma coisa, vai pra reserva. O que não pode é ficar utilizando as Forças Armadas para fazer política. As Forças Armadas são uma instituição, sabe, uma instituição que tem um compromisso na nossa Constituição, que é garantir a soberania nacional, garantir a integridade do nosso território, defender o nosso povo contra possíveis inimigos externos, sabe, tomar conta do nosso espaço aéreo, do nosso espaço marítimo, do nosso espaço terrestre. Esse é o papel das Forças Armadas, e ela tem que atender, sabe, ao presidente da República, independentemente, de que partido pertence o presidente, se fosse o Fernando Henrique Cardoso, o Lula, o Bolsonaro, qualquer um que seja o presidente, ela tem que obedecer dentro das regras que está estabelecida na Constituição. É isso que eu quero, eu não quero pedir para nenhum general votar em mim, para nenhum coronel votar em mim. Eu não quero saber em que que eles vão votar, eu só quero que eles cumpram aquilo que está na Constituição. Cumprir o papel das Forças Armadas, sabe, para que o povo aprenda a respeitar as Forças Armadas e ela aprenda a respeitar a democracia. Isso acontecendo, para mim está extraordinário. Por isso eu já fui almoçar na Marinha, se for necessário, ontem eu fiz a indicação, sabe, de vários comandantes, sabe? Eu quero almoçar no Exército, eu quero almoçar na Aeronáutica, eu quero conversar com as pessoas, eu quero fazer com que eles participem das coisas que nós fazemos, sabe? Porque a gente só vai conseguir fazer esse país ser democrático quando a gente conviver igual com os militares, não pode ser seres humanos diferenciados, e eu vou tratar eles com respeito que eu acho que eles merecem, e eu quero que eles tratem a democracia do jeito que a democracia merece.
Helena Chagas — Não tem mais risco de golpe.
Presidente Lula — Não tem não, aliás, eu nunca acreditei, sabe, em risco de golpe. Aquela tentativa de golpe, eu acho que o Bolsonaro queria fazer aquilo no dia 1º. Na minha cabeça, o Bolsonaro tinha pensado aquilo para o dia 1º. Acontece que dia 1º tinha muita gente e eles então resolveram, sabe, recuar e fizeram aquilo no dia 8.
Helena Chagas — O senhor acha que o Bolsonaro deve ser preso?
Presidente Lula — Olha, não é o presidente da República que determina se ele vai ser preso ou não. Tem muitos processos contra ele, eu acho que eu quero que ele tenha presunção de inocência, que eu não tive. E se ele for julgado culpado, que ele pague o preço da sua culpabilidade. Não cabe ao presidente da República falar "tem que prender fulano, beltrano", não! Fulano ou beltrano, qualquer um tem que ser julgado, ele tem que ter direito à presunção de inocência, sabe? Se ele for culpado, ele assume a responsabilidade. Eu quero para eles tudo que eu não tive.
Tereza Cruvinel — Presidente, especula-se muito sobre a indicação que o senhor fará de um próximo ministro do Supremo. Aliás, nunca vi tanta gente agora defender uma mulher e negra para o Supremo, né? Todo mundo quer uma mulher e entende-se que exista nessa defesa uma forma oblíqua de dizer que não pode indicar o Zanin porque foi seu advogado, é seu amigo etc. E aí, eu queria que você falasse sobre essa indicação. É claro que você não vai nos antecipar em primeira mão, mas há um debate sobre fixação também de mandato para os ministros do Supremo. Queria saber a sua opinião, um debate que tá lá no Senado.
Presidente Lula — Quando o Haddad foi candidato em 2018, no programa de governo do Haddad estava a discussão de um mandato para ministro da Suprema Corte. Ou seja, não sei se na época era o mandato de 15 anos, ou seja, você pode entrar, sabe, e ficar só 15 anos, ou você pode entrar a partir de uma idade e termina aos 75. Eu acho que é um assunto que a gente vai discutir proximamente da questão do papel do mandato do ministro da Suprema Corte. Essa discussão que está sendo feita é uma discussão que não tem sentido. É uma coisa meio sem lógica. Primeiro, é da responsabilidade do presidente da República indicar o ministro da Suprema Corte para que o Senado da República possa validá-lo ou não. É assim, foi assim, eu já indiquei seis no outro mandato, sabe, não indiquei nenhum amigo meu. Todos que eu indiquei, se tivesse que votar hoje, e eu tivesse a mesma informação que eu tinha na época, eu os indicaria outra vez, porque eu não vou indicar um ministro por ser meu amigo. Eu não quero indicar o ministro para fazer coisa para mim. Eu quero indicar um ministro da Suprema Corte que seja uma figura competente do ponto de vista jurídico e que é cidadão, exista lá para fazer com que a Constituição da República seja respeitada. É isso! Eu não quero um amigo, eu não quero alguém do PT, eu quero alguém que seja competente para exercer. E por isso é que eu digo o seguinte: o Cristiano Zanin, ele foi a grande revelação jurídica nesses últimos anos. Eu digo sempre o seguinte: o Zanin foi muito criticado, porque não era criminalista, muita gente, mas muita gente, pediu para mim: "olha você tem que contratar fulano, você tem que pegar beltrano, você tem que colocar...", mas muita gente! Muita gente do meu partido, muita gente meu amigo, muita gente advogado, que eu prezo muito, e que eu gosto muito. Ou seja, eu dizia não...
Tereza Cruvinel — Criaram até uma defesa paralela aqui em Brasília, né?
Presidente Lula — Mas sabe o que acontece, era o seguinte: eu tinha consciência que o meu processo não era jurídico, eu tinha consciência que meu processo era político, e por isso é que eu queria o Zanin. As decisões políticas eu tomava, sabe, eu tomava. O Zanin nunca tomou uma decisão que ele não fosse na cadeia conversar comigo, e eu dizia para ele: não, isso aqui nós vamos fazer assim, isso aqui não tem nada, não tem nada de jurídico, isso aqui não... e ele terminou sendo uma revelação extraordinária. Ele fez muitas coisas que outros advogados não fariam porque não acreditavam naquilo, mesmo habeas corpus que eu entrei, sabe, muita gente não queria que eu entrasse, depois muita gente queria que eu tivesse um acordo, ou não, para sair da cadeia, e você vai para casa com tornozeleira. Era essas coisas absurdas. Eu falei: não! Eu falei, é o seguinte: esses caras que me prenderam vão ter que arcar com a responsabilidade. Eu não vou, primeiro que eu não sou pombo correio para colocar tornozeleira, segundo, sabe, que eu não vou fazer acordo, eu não vou para minha casa voltar preso, não! Eu fico aqui até eles pagarem com a responsabilidade.
A sociedade foi se movimentando, teve muito apoio estrangeiro, teve muito apoio aqui internamente, e eles foram ficando incomodados, foram ficando incomodados, até, sabe, que resolveram me liberar. Então, só para terminar esse negócio da indicação, eu não sei quem que eu vou indicar, eu não tenho compromisso oficial com ninguém, com ninguém! Então, é um problema meu, que no dia que eu tiver que tomar a decisão, eu vou sentar sozinho e vou tomar minha decisão, e vou mandar o nome para o Senado. É isso que vai acontecer, eu não tenho compromisso com um amigo meu, com gente do meu partido, com advogado, não tenho. Eu vou indicar uma pessoa que eu acho que pode ser útil para o Brasil, tá? Se der certo, tudo bem. E eu tenho que indicar dois, e se possível até três, sabe? Então vamos ver.
Luís Costa Pinto — Presidente, e essa mesma lógica da decisão solitária, vai valer mais na frente quando em agosto, setembro, início de setembro, o senhor tiver que indicar o novo procurador-geral da República?
Presidente Lula — Mesma coisa!
Luís Costa Pinto — E tem alguma condição de o atual procurador-geral, né? Receber um convite para ficar mais dois anos?
Presidente Lula — O problema é que você é muito esperto, e você já quer que eu diga? Olha, a única coisa que eu tenho certeza é que eu não vou escolher mais lista tríplice. E o Ministério Público Federal, tem que saber que eu não vou escolher por irresponsabilidade da Força Tarefa do Paraná que foi moleque, que foi moleque! Que prejudicou a imagem do Ministério Público Federal. Aliás, que quase destruíram a imagem da seriedade do Ministério Público. O bando de moleque irresponsável, sabe? Então, eles jogaram fora uma coisa que só eu tinha feito, escolher a lista tríplice. Eles jogaram fora! E esse moleques são responsáveis por isso.
Então eu vou pensar muito em quem eu vou indicar, eu não tenho ninguém em vista ainda. Eu tenho, sabe, muitos nomes que as pessoas me falam, que fulano é bom, outro é ótimo e tal. Eu vou levar muito em conta na indicação. É outra coisa, não vou indicar ninguém que seja meu amigo. É importante dizer, Luís, que eu nunca ia indicar ninguém para fazer benefício para mim. Eu quero indicar as pessoas para fazer benefício correto para a sociedade brasileira, tá? É assim que eu vou proceder e eu vou indicar uma pessoa boa. Eu indiquei, sabe, o primeiro nome que eu indiquei foi o Cláudio Fonteles, sabe, que foi uma pessoa excepcional na época, ele indicou, ele fazia a parte de um grupo chamado Tuiuiús, que eles brigavam para não ter a segunda votação.
Luís Costa Pinto — Para não ter o segundo mandato. Foi o único!
Presidente Lula — Para não ter o segundo mandato. Então, o Tuiuiú, quando ele elegeu o Cláudio Fonteles, era para isso. Não poderia ter reeleição. O que aconteceu: o Fernando logo traiu o grupo Tuiuiú e brigou pela reeleição. Eu sei que o Cláudio Fonteles ficou irritado, ele foi conversar comigo, para mim não indicar. E eu falei: não, eu vou levar muito em conta no momento certo. E aí, tomei a decisão de indicar, até porque naquele tempo estava sendo julgado o processo contra o Palocci. E eu então não poderia tirar alguém, para dizerem: "ele tá tirando para beneficiar o ministro". Então ficou!
Fernando Attuch — Deixa eu entrar aqui num tema que é ligado à comunicação, mas tem a ver com a pesquisa IPEC que saiu nesse fim de semana, né, que mostrou assim: 44% dos brasileiros têm medo do comunismo. Quero perguntar se o senhor é comunista, se o senhor vai implantar o comunismo no Brasil, mas mais do que isso: quando, acho que foi o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos, foi na CPI aqui do 8 de janeiro, em Brasília, e falou que as pessoas lá estavam vivendo em um universo paralelo, né? Alguns acreditam em ET, alguns acreditam em várias coisas que são do arco da velha. Que que o senhor acha que pode ser feito para que as pessoas voltem a ter uma compreensão mais próxima da realidade, aquelas que estão vivendo nesse ambiente da desinformação. E peço para o senhor falar sobre o comunismo também, que foi apontado nessa pesquisa.
Presidente Lula — Podemos tomar um café antes de responder essa pergunta? Vou até parar para tomar um café (...). Gente, quando aquele Olavo de Carvalho teimava em convencer que tinha 50 milhões de pessoas no mundo que acreditava que o mundo era plano. Você... agora que não está na entrevista, vou dizer uma coisa pra vocês...
Leonardo Attuch — Mas está! A gente fez uma pausa, mas está.
Presidente Lula — Eu posso tomar café?
Leonardo Attuch — Pode tomar café!
Presidente Lula — Traz um café para o pessoal! Olha, uma coisa que eu acho absurda é que essas pessoas não se dão conta de que esse país é mais democrático do que qualquer outro país do ponto de vista, sabe, de combater o comunismo. Ou seja, desde que caiu o muro de Berlim, em 1989, até os partidos comunistas que existiam no Brasil se enfraqueceram demais. Eu sou um cara que as pessoas conhecem a minha história, eu sou um cara sindicalista, eu participei de comunidade de base, na primeira entrevista que eu fiz, para o companheiro, não sei se era o Rui Mesquita, uma vez no SBT, ele perguntou se eu era comunista, eu falei que eu era torneiro mecânico. Olha, porque é indescritível as pessoas acreditarem nas mentiras que são contadas. Eu nunca imaginei que as pessoas pudessem acreditar com tanta facilidade em mentira, sabe?
Embora eu não queira ficar falando o nome do ex-presidente, é inacreditável como é que esse cidadão conseguiu montar uma máquina de conduzir mentira nesse país que uma parcela da sociedade vive com base na mentira. É muita mentira, é muito ódio, é muita provocação, é muita coisa que a gente não estava habituada a conviver. E é incrível que isso não é só no Brasil é nos nos Estados Unidos também. Isso foi na Itália, isso é na Espanha com o Vox, ou seja, está cheio de grupo de extrema direita renascendo, acreditando em coisas que a gente não imaginava que as pessoas fossem acreditar.
Então, esse é um trabalho que o governo tem que fazer e os partidos têm que fazer. Muitas coisas eu defendo muito mais para os partidos fazerem do que o governo. O governo tem que governar, sabe? Agora, os partidos políticos dentro do Congresso Nacional, na rua, nas praças públicas, o governo tem que discutir essa questão da política, sabe? E as pessoas precisam fortalecer o sistema democrático, as pessoas precisam passar para a sociedade a ideia de que não existe nada melhor do que a democracia. Não existe nada melhor! Se não fosse a democracia, eu, que vos falo, não teria sido presidente em 2003, não teria sido um candidato em 59, o segundo colocado em 89, e muito menos teria a reeleição. Muito menos eu estaria agora na Presidência da República. A democracia que permitiu que eu estivesse aqui, sabe? E uma democracia difícil, com muita luta, enfrentando muita barbaridade, enfrentando muito dinheiro, sabe? Então, nós vamos ter que vencer esse debate, vamos ter que vencer tentando mostrar que a democracia é o sistema político que pode garantir que esse país seja um país mais tranquilo, com mais amor, com mais fraternidade, com mais solidariedade e sem ódio.
Helena Chagas — Eu queria falar de uma coisa meio pessoal, como é que o senhor vê as diferenças entre o Lula 2023 e o Lula 2003? Se passaram 20 anos de glórias, mas também de muito sofrimento pessoal para o senhor, e político, e como é que o senhor enxerga hoje? Quer dizer, o Lula hoje é mais cético, é mais desiludido, é mais à esquerda, porque acha que esse é o caminho do ponto de vista ideológico, como é que o senhor vê isso? Lula sobre Lula.
Presidente Lula — Então, Helena, eu me sinto mais maduro do que quando eu fui presidente em 2003. Mais calejado, mais preparado. E por isso eu tenho que ter um pouco mais tranquilidade, porque eu já passei por isso. Sabe, às vezes você precisa se controlar porque, sabe, tudo que eu estou passando hoje, eu já passei. Então, eu sou mais maduro, eu sou mais tranquilo. Eu sou um cara que tenho mais paciência hoje do que eu tinha, sabe, no outro mandato, muito mais paciência. Sei que as coisas não são feitas na hora que a gente quer, mas é na hora que a gente constrói para fazer. Nós temos que reconstruir a nossa, sabe, relação internacional, que era muito forte e que desapareceu, mas agora vamos ter que reconstruir tudo isso. Eu casei o ano passado, eu estou casado de novo, sabe? Eu estou um jovem de 30 anos de idade, parece que não sou, mas eu tenho, eu digo para todo mundo que eu sou, eu estou vivendo uma coisa maravilhosa na minha vida, que como eu sou um cara que creio muito em Deus, sabe, e eu não esperava que depois da morte da Marisa eu fosse, sabe, encontrar uma companheira e me apaixonar, sabe, como eu estou apaixonado. A Janja para mim é uma coisa extraordinária na minha vida. E eu, quando eu digo que eu tenho 77 anos e que eu tenho energia de 30, e de vez em quando eu falo tesão de 20 anos, é porque eu me sinto muito, muito, muito jovem, muito motivado, muito preparado, sabe? Eu continuo levantando 5h30 da manhã, 6 horas para fazer musculação, para fazer ginástica, sabe? Eu quero provar para os ministros que eu trabalho mais do que eles, que eles vão ter que viajar comigo, vão ter que trabalhar muito, sabe, porque é assim que a minha vida segue. Então, eu estou bem! Estou bem, muito bem!
Luís Costa Pinto — Presidente, o ex-deputado José Genuíno, que está escrevendo a terceira biografia dele, revendo a trajetória política inteira dele, disse que o seu caso é o único na história. É de quem viveu uma trajetória de ascendência, exerceu o poder, viveu o que viveu naquele período, né, do auge da Lava Jato, e agora, que é um caso único, volta para reescrever, né? O período em que tentaram colocar o senhor para baixo, né? E que isso é único numa trajetória política, né?
Presidente Lula — Olha, tem uma coisa que para mim é uma coisa sagrada. Eu sei o que eu passei. Eu sei a estrutura de mentira que montaram. Eu sei o processo de destruição que fizeram. E é sempre muito difícil, porque muitas vezes você tem amigos que desaparecem, sabe? Não é todo mundo que fala mais bom dia para você, eu tive 9 horas de Jornal Nacional me destruindo, eu tive 59 capas de revistas, milhares de páginas de jornais contando os mais absurdos contra mim.
Leonardo Attuch — Mas hoje todo mundo te ama, hoje toda essa mídia aí tá apaixonada pelo senhor.
Presidente Lula — Mas eu tinha noção que fazia parte de uma estrutura que não era nem uma estrutura só brasileira. Tenho consciência que a Lava Jato fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira, e a Justiça americana. O Departamento de Justiça. Eu tenho certeza, porque foi uma coisa que envolveu toda a América Latina e era uma coisa que era para destruir mesmo, porque as empresas da construção brasileira estavam ocupando espaço no mundo inteiro, no mundo inteiro as empresas brasileiras estavam ganhando licitação. Seja no Iraque, seja na Líbia, seja na África e em Miami, em Miami! O aeroporto de Miami, a Odebrecht estava fazendo o aeroporto de Miami, e ao mesmo tempo fazendo o porto de Mariel, e os americanos entraram na Justiça proibindo ela de fazer o porto de Mariel, porque não permitiam fazer obras em Cuba, e eles ganharam na Justiça. Então, veja, nós tínhamos empresas, nós tínhamos quatro ou cinco empresas de engenharia que estavam dominando grande parte dos países, sabe, dos países da América Latina e da África. E no Oriente Médio também. Então, eu sabia, eu tinha mais ou menos noção. Tereza, eu vou te contar uma coisa que eu nunca te falei, a primeira pessoa que escreveu um artigo e disse: “o alvo é Lula”, foi você. E eu tinha certeza que o objetivo era chegar até mim. Eu tinha certeza. Muitas vezes eu não acreditava que fosse chegar, porque eu não conseguia entender como é que ele iam construir a mentira. E construíram e chegaram. E é engraçado porque a sentença do cidadão que mandou me prender é uma sentença que não tem criminalidade. É um crime indeterminado. Agora, isso é muito difícil...
Tereza Cruvinel — Mas você tinha uma clareza, porque três anos antes, em 2015, em um diretório nacional aqui em Brasília, que eu fui assistir, você fez um discurso dizendo o seguinte: olha... Você tinha clareza de que o alvo era você. 2014 aquilo, né? Que você dizia assim: "mas eu vou sobreviver!". Aí o senhor falava: "eu vou passar muita coisa, vão me acusar de muita coisa...". Mas eu acho aquele discurso grandioso e tão profético, não sei se ele existe algum lugar. Você tinha muita clareza.
Presidente Lula — Tereza, tem uma coisa na vida da gente, que é assim: quando você tem convicção da sua inocência, você não tem medo de brigar. Você sabe que eu poderia ter saído do Brasil, eu poderia ter ido para outro país, eu poderia ter ido para outra embaixada. Eu tinha noção que eu ia passar por aquilo para poder voltar mais forte.
Tereza Cruvinel — Quando o senhor dizia "eu vou sobreviver", você imaginava voltar para Presidência?
Presidente Lula — E eu tinha ainda a certeza, veja, eu tinha certeza que era um processo, e que eu ia sobreviver, ia sair mais forte, por isso a minha tranquilidade nesse período todo, muita mágoa, muita mágoa, a morte da Marisa foi uma coisa muito ruim, depois da morte do meu irmão quando estava na Polícia Federal foi muito ruim, sabe? As acusações, a leviandade, o que as pessoas escreviam, isso tudo é muito, muito duro, muitas vezes você precisa se preparar para suportar isso. Você não pode se deixar levar, se não você cai numa depressão. Então, é engraçado, porque eu fiquei naquela cadeia lá, foi um momento muito rico na minha vida de resistência, quantas vezes eu deitava naquela cama e ficava de barriga para cima, olhando o teto.
Leonardo Attuch — Realmente foi, assim, muito duro, né? E para quem acompanhou de fora também, presidente. Quer dizer, realmente foi um ataque ao Brasil, não foi só o senhor. O Brasil foi atacado.
Presidente Lula — Foi uma... Você sabia que eu acredito muito em Deus, porque eu acho que é muita força para você sobreviver àquilo. Outros coitados, sabe, no mundo, tem muita gente que se delatou, possivelmente, sem precisar se deletar. Pessoas que não suportam, que ficam quebrados. Nego ameaçando prender filho, prender mulher, prender um monte de coisa, e nem todo mundo suporta isso, nem todo mundo. Você veja, você pega um cara como o Aécio, ele não aguentou uma capa da revista Veja.
Luís Costa Pinto — O senhor sabia que estava sendo torturado.
Presidente Lula — Era tortura! Como eu tinha inocência, uma coisa que eu tinha muito orgulho, que eu nunca contei isso, mas por exemplo, de vez em quando ia um procurador, entrava lá de sábado, ou de semana para visitar, se estava tudo bem. Entrava três ou quatro procurador lá, e perguntava: "tudo bem?". E eu falava: "não tá tudo bem, só vai estar bem quando eu f. esse Moro", sabe? É quando eu falava assim: eu estou aqui para me vingar dessa gente, sabe? E eu falava todo dia que eles visitavam lá: "se prepare, que eu vou provar!". E isso, obviamente Attuch, que a solidariedade de vocês, a solidariedade do trabalho internacional que o Celso Amorim fez, sabe, que outras pessoas fizeram viajando, me deixou muito fortalecido, muito, muito, muito. Então, eu de vez em quando lembro disso, eu fico com uma com uma certa mágoa, porque é um processo de destruição, sabe? Que não é fácil suportar.
Leonardo Attuch — Mas eu queria só pegar esse ponto, que o senhor tá falando dessa destruição, do ataque a sua figura, que foi um ataque ao Brasil. E aí, vou fazer um depoimento pessoal, né? Eu sempre trabalhei cobrindo a área econômica, depois fui migrando para a área política, e virei empresário no ano de 2010, na virada de 2010 para 2011, que foi o melhor momento da história econômica do Brasil desde sempre. Nunca houve nada igual àquele período. Eu falo para a juventude, o que que era o Brasil em 2010, como "bombava" a economia. E as pessoas não têm noção do que era. E eu, que sou um cara conservador, eu só, na verdade, me lancei nesse projeto empresarial porque tudo que se fizesse no Brasil naquele ano ia dar certo, não tinha como dar errado. E a gente depois passou por todas essas turbulências, acompanhando o seu processo. O senhor acha que depois do seu mandato, desses quatro anos, a gente vai reviver aquela situação em que o Brasil realmente estava despontando pra ser quinta economia do mundo, quarta economia do mundo, como ele tem que ser, pelos recursos que tem?
Presidente Lula — Eu trabalho para isso, eu trabalho para isso, né? Eu trabalho com a seguinte questão, veja: se a gente... primeiro, eu digo para os meus companheiros que é o seguinte: a gente não pode ficar todo dia de manhã levantando e falando, "ah, porque a economia tá ruim. Ah, porque tá difícil", sabe? Se a gente ficar pensando isso, desiste e vai embora para casa, sabe? A gente tem que dizer: "o que que eu vou fazer para as coisas ficarem boas?". O que que eu vou fazer? Eu tenho que fazer! Eu não tenho que ficar pensando, sabe, de que está difícil o crédito, de que está difícil. A gente tem que saber disso pra gente fazer coisa nova. E eu quero provar, que essa história do FMI dizer que vai crescer 1,5 no próximo ano, não sei das contas, eles vão ser desacreditado por nós. Porque nós vamos fazer essa economia voltar a crescer. É só a gente começar a fazer as coisas que precisam ser feitas, gente. Veja, se você não tem empresário privado que quer fazer investimento, porque o empresário privado para fazer investimento, ele precisa acreditar que vai ter demanda pro produto que ele vai fabricar, e ele vai ter que levar em conta que o governo vai ajudar com que as coisas andem nesse país. Se o governo não acredita nisso, o governo não faz nenhum investimento, por que que o empresário teria que fazer? Também não faz! O governo não tem dinheiro público para fazer investimento no orçamento, o governo precisa pensar em crédito, e precisa utilizar os bancos públicos como nós fizemos em 2008.
Ao mesmo tempo, você pode agora, sabe, se não tem dinheiro, vamos fazer PPP, vamos tentar convencer os empresários a construir PPP, sabe, com os governos dos estados, prefeituras importantes, vamos tentar fazer algo que não foi feito ainda para a economia voltar a crescer. É isso que eu acredito, é isso que eu vou fazer. Nós estamos agora nesses três meses vencendo, recuperando apenas o seguinte: não sei se vocês já viveram em casa que dava enchente. Eu já vivi em casa que entrava um metro e meio de água dentro de casa. Às vezes a gente levantava com barata, com rato, tentando sobreviver, sabe, e eu acho que nós encontramos o Brasil mais ou menos assim. Era uma coisa semidestruída, que a gente não acreditava. E agora nós tomamos a decisão, nós vamos recuperar tudo que nós tínhamos feito, tudo que nós tínhamos feito, que estava dando certo e aquilo que não tiver bom, a gente vai aprimorar e vai melhorar. Vamos fazer.
Eu quero viajar muito o mundo, porque nós temos que recuperar, sabe, a imagem do Brasil no exterior, nós temos que recuperar a imagem do Brasil no exterior. O Brasil tem que voltar a ter um protagonismo internacional muito importante. O Brasil era muito respeitado. E a gente vai ter que fazer investimento. Então, você vai ter que acreditar de que o Estado tem capacidade de motivar o incentivo nesse país. Pois eu quero fazer muita reunião com o empresário. Eu quero fazer. Eu não quero saber das pessoas gostam de mim, eu não estou propondo casamento para ninguém. Eu quero que as pessoas gostem deles próprios e gostem de ter que fazer investimento. Por isso que o Haddad tá correto, quando fala que as pessoas que não pagam imposto tem que pagar imposto, sabe? Nós temos aí o caso que tem um bilhão, um trilhão e não sei quantos milhões de pessoas que não estão pagando os impostos desse país. Nós temos que fazer as pessoas pagarem imposto para as pessoas poderem contribuir com o governo, pra economia poder voltar a crescer. Se a gente não fizer nada diferente, a gente vai ficar, o Brasil. O Brasil é assim, o Brasil mesmo quando ele cresceu 14% ao ano, quando deu o Delfim era ministro da Fazenda na década de 70, sabe, o povo não melhorou de vida.
Luís Costa Pinto — Presidente, o senhor fala isso no dia em que as montadoras brasileiras anunciam um layoff, né? O senhor, nesse período que o Attuch citou, o Brasil produzia no final do seu governo 4 milhões de automóveis por ano, né? O setor automobilístico encolheu, indústrias automobilísticas, como a Ford, por exemplo, foram embora do Brasil no período em que nós vivemos a tragédia de 2016 pra cá, e a qualidade do empresário brasileiro nesses 20 anos que a Tereza citou, mudou? O empresário brasileiro médio mudou a cabeça, mudou a forma de ter interlocução com o governo e mudou o compromisso com o país?
Presidente Lula — Olha, eu acho que a gente não tem mais os empresários que a gente tinha na década de 80, sabe? A gente não tem mais um companheiro da qualidade do Antônio Ermínio de Moraes, do Padella, do Zé Alencar. Você tinha empresários, sabe, que tinham uma cabeça nacionalista. Pessoas que pensavam no Brasil. Você não tem hoje mais. Hoje você tem, eu estou muito feliz que o Josué tenha assumido a posse da Fiesp, porque o Josué é um jovem talentoso. Ele é o empresário de uma empresa grande e ele pensa no Brasil como o pai dele pensava. Então é uma coisa que me alenta. Nós temos que procurar esses empresários, todos esses empresários que pensam, que acreditam no Brasil e sabem que esse país não pode ser um país pequeno, esse país não pode ter uma republiqueta de banana. Esse país pode ser um grande empresário, como é que a gente pode estar na indústria automobilística passando o que está passando? Só pode ser o seguinte: primeiro, nós precisamos deixar, sabe, de importar tanto os carros e fabricar mais carros aqui no Brasil. Não dá para a Ford, a Ford também queria ficar aqui importando carro, o outro quer importar carro, não! Se a gente tem 30 indústrias automobilísticas no Brasil, nós temos que produzir carro aqui.
Agora, eu fiquei surpreso quando eu vi que a Mercedes deu férias coletivas, não sei que outra empresa quer fazer não sei o quê. Ou seja, o fato concreto é que o país está desaparecendo do ponto de vista do crescimento industrial. Nós estamos ficando um país, tá crescendo o setor de serviço e tá crescendo a importação de produtos que não pagam nenhum imposto nesse país. Ou seja, como é que a gente vai poder ficar vivendo assim? Como é que esse país vai ficar crescendo? Você tem agricultura produzindo muito, produzido muito, mas se paga pouco imposto no Brasil. Ainda precisamos saber que país que a gente quer construir. Que país que a gente quer construir, que país que a gente quer fazer. O país vai voltar a crescer, vai voltar gerar emprego, vai melhorar a vida das pessoas, ou esse país vai definhando, definhando, definhando como aconteceu agora?
Helena Chagas — O senhor está muito aberto a conversar com o setor produtivo, com o empresariado do país. Agora, parece que a palavra “mercado” provoca no senhor uma irritação muito grande. Como é que é isso? O senhor vai conversar com esse pessoal também, do setor financeiro?
Presidente Lula — Eu não considero o mercado só um banqueiro, não. Considero o mercado também uma empresa. Os empresários são parte do mercado, vocês fazem parte do mercado, tá? Todo mundo faz parte do mercado. Ou seja, o que acontece é o seguinte: você tem uma área do mercado ligada ao sistema financeiro, que só pensa no lucro, só pensa na especulação, só pensa. A pergunta que eu faço é o seguinte: qual é a explicação que as pessoas me dão, para que o Credit Suisse tenha dado um rombo de 54 bilhões de dólares, que era um banco que dava palpite de tudo sobre tudo. E quem salvou ele? Me parece que é 7% do PIB suíço o que tá colocando para salvar o Credit Suisse. Mas eu fico pensando: esse banco, há um ano atrás, qualquer diretor, qualquer CEO do Banco Credit Suisse, falava como se o banco fosse a coisa mais importante do mundo, mais perfeita do mundo, mas quebrou, como quebrou os bancos americanos. Como tinha quebrado aqui uma vez quando o Fernando Henrique Cardoso criou o Proer, como quebrou na crise de 2008.
Então é o seguinte: eu lembro que em 2020, quando a gente foi discutir o G-20, a gente estava discutindo em 2008, sabe o que que a gente estava discutindo? Era preciso acabar com esse negócio do senhor dos bancos ganharem bônus que às vezes afundava o banco. As pessoas vão vendendo papel, vendendo papel, atrás de papel, vendendo papel, não produz nada. Chega uma hora que a mentira financeira desaparece. Então, nós precisamos discutir também, qual é o papel dos bancos. Esses bancos vão emprestar dinheiro para o setor produtivo? Porque a sua empresa pega dinheiro e ela produz, ela cresce, ela gera emprego, o banco também ganha, mas hoje não, ele quer viver de especulação, e querem viver só da taxa de juros do governo, não é correto e não é possível. Por que que esses bancos não empresta dinheiro para os empresários? E são contra o BNDES emprestar! "Ah, porque eu fico nervoso com o Aloizio Mercadante", sabe? Eu coloquei Aloizio Mercadante no BNDES, porque o banco precisa voltar a ser um banco de investimento, ponto pacífico! Esse banco tem que voltar a ser um banco de investimento. Ele tem que voltar a emprestar dinheiro para pequena para pequena empresa, pra média empresa, para grande empresa, tem que emprestar dinheiro para quem precisa de longo prazo, pra economia voltar a crescer, pras empresas voltarem a produzir, pra voltar a gerar emprego.
Luis Costa Pinto — Para voltar o círculo virtuoso que a gente já teve.
Presidente Lula — O Banco do Brasil, tudo isso, tudo isso, sem fazer nenhuma loucura, porque, sabe, eu não quero que esses bancos também tenham prejuízo. Eu quero que eles tenham lucro, mas eu quero que eles tenham lucro, sabe, sabendo que uma parte desse lucro tem que ser investido. Como é que se explica, gente? Como é que se explica a Petrobras ter 215 bilhões de reais para distribuir para os acionistas minoritários e a gente não está sequer refinando a qualidade de gasolina que nós precisamos. Então é o seguinte, a gente tá numa situação ainda que ainda nem montou a diretoria toda da Petrobras, nem montou o conselho todo. Porque tem uma lei das estatais que foi feito para negar a política. Para negar a política. E eu acho que uma vergonha, sabe, do jeito que esse país foi feito. Acho uma vergonha do jeito que esse país foi tratado, do jeito que o Guedes tratou quando foi ministro da Fazenda. Uma total de irresponsabilidade e nós precisamos dar seriedade a isso.
Todo mundo quer ganhar dinheiro, o empresário quer ganhar dinheiro, o trabalhador quer ganhar dinheiro, a classe média quer ganhar dinheiro, sabe? Todo mundo quer ganhar dinheiro. E se todo mundo ganhar, fica melhor para todo mundo. O que eu não posso é aceitar que um país que é o terceiro produtor de alimento do mundo, o primeiro produtor de proteína animal do mundo, tenha 33 milhões de pessoas passando fome. Qual é a explicação que a gente pode dar? Qual é a explicação? Nenhuma! Então, como eu sou um cara que eu tenho sorte, você vê que nós estamos com excesso de água hoje. Todas, todas, todas, as hidrelétricas brasileiras tão "bombando" na quantidade de água que tem. Porque eu falo o seguinte: para você governar esse país e dar certo, o presidente tem que dar sorte. Eu sou um cara de muita sorte, sabe? E esse país vai voltar a crescer. Vai voltar a crescer e eu tenho fé em Deus que a gente vai fazer, sabe, esse povo voltar a sorrir.
E eu tenho 4 anos, já tenho três anos e nove meses. O tempo passa muito rápido, por isso que eu fico apressado, fico cobrando das pessoas todo momento. Agora é o seguinte: eu só tenho uma coisa que me motiva. É fazer com que as pessoas voltem a viver bem nesse país. Se eu puder construir, sabe, um clima de paz, de tranquilidade, de confiança, sabe, as pessoas voltarem a ser feliz outra vez, as pessoas voltarem a discutir mais sobre humanismo e ter menos ódio é o que eu vou fazer. Vou fazer e quero fazer com todo mundo. Por isso eu estou um cara aberto, mais tranquilo, Helena, mais preparado, sabe? E eu vou conseguir.
Eu digo para todo mundo o seguinte: governar é como plantar um pé de jabuticaba. Você tem que ficar, tem que regar, tem que colocar água, sabe? Porque se não colocar... Se for sem ser enxertado demora muito, mas você tem que colocar água, você tem que irrigar, você tem que colocar, cuidar. O governo é a mesma coisa, não adianta falar que a coisa tá ruim. Se está ruim, vamos melhorar. Ah, mas não vai dar certo, vai dar! Eu não sou, não sou de levar para casa má notícia, não adianta me dizer: "ah, mas tá acontecendo tal coisa que a empresa vai quebrar". Vamos pensar como é que a gente vai consertar. Essa é a minha obsessão, não ficar, sabe, trabalhando em cima de coisa ruim, mas ficar trabalhando em cima de coisa boa. Fazer todo mundo acreditar que é possível mudar. Eu quero chamar a indústria automobilística para conversar o que que tá acontecendo com vocês, o que que tá acontecendo? O que que tá acontecendo com outro setor da economia, sabe? Eu quero uma relação extraordinária com os chineses, a melhor possível, mas nós não podemos aceitar, sabe, que as pessoas fiquem vendendo para cá coisas sem pagar imposto de renda, é preciso que a gente tenha uma seriedade nisso.
E aí vale para todo mundo, eu quero recuperar uma relação boa com a América do Sul, aonde a gente exporta produtos manufaturados e eu quero trabalhar com a ideia de que se o Brasil crescer, também os outros vão crescer. É importante que cresçam, porque não queremos um país cercado de miseráveis. Então, meu caro Attuch, esse mundo que nós vamos criar, eu só espero que você tenha paciência, porque, sabe, a gente vai voltar a economia brasileira voltar a crescer, a gente vai voltar a gerar emprego, a gente vai voltar massa salarial. Esses dias, eu não sei se vocês perceberam, eu estava em Itaipu e eu estava falando e um menininho de 5 anos, ele gritava toda hora, ele estava com papel para me entregar, aí de repente, um cara encosta perto de mim e fala o seguinte: “ô Lula, vai abaixar o preço da picanha?”
Tereza Cruvinel — Não, ele te informou: ele falou que o preço da picanha tá caindo!
Leonardo Attuch — Presidente, eu não podia deixar de mostrar o desenho do nosso desenhista, o João Pedro, que fez em homenagem. Ele encontrou o senhor na Bahia, e eu não podia passar a entrevista sem trazer o recado. Ele é um exemplo, né, mundialmente conhecido, um autista.
Presidente Lula — Extraordinário!
Helena Chagas — E ele está orgulhosíssimo de ter encontrado o senhor na Bahia.
Presidente Lula — Eu acho que faltou muito assunto pra gente conversar.
Tereza Cruvinel — Então deixa eu colocar: o senhor fez uma defesa apaixonada aí da democracia e da mentira, né? E da condenação da mentira. O senhor é uma vítima da mentira, as fake news ainda não tinham ganhado a forma atual, né, mas tem o debate aí, tá colocado o debate sobre como combater a mentiras, as fake news. Como é que o senhor vê, qual a sua proposta? O senhor acha que deve-se criminalizar as grandes big techs, ou como se encaminha isso, como combater as fake news? Tem um projeto a ser votado em breve.
Presidente Lula — Olha, nós estamos com um projeto que o Flávio Dino mandou para a Casa Civil, nós vamos estudar. Tem um projeto que está sendo discutido, que o deputado Orlando Silva é o relator. Nós precisamos encontrar uma solução para o mundo. Precisamos encontrar uma solução, porque não é um problema só de um país, eu acho que vai acontecer a nível de combater fake news, eu acho que vai ter que ter uma discussão que envolve outros países, eu quero inclusive na próxima reunião do G-20, eu quero discutir essa questão da fake news. Eu quero saber se o mundo pode criar, sabe, uma discussão, para que a gente possa tomar uma decisão global sobre essa questão da fake news. Porque não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Então isso nós vamos fazer, nós vamos discutir aqui, internamente, eu acho que a gente tem que envolver a sociedade, todo mundo ligado à internet para debater, porque a gente não pode deixar de reconhecer a importância da internet, né? Quer dizer, o fato...
Luís Costa Pinto — A democratização mesmo. A informação na internet é a democratização.
Presidente Lula — E depois é o seguinte, a loucura, que é importante, ou seja, hoje você não fica mais ouvindo um jornalista falar, hoje você interage, você debate, você responde. É muito importante. Agora, precisa ter seriedade. Porque eu acho que a maldade está maior que a coisa boa. Eu tenho de ir para o pessoal: a gente fala que é rede social, mas não é rede social, é uma rede digital, que tem uma parte social, tem uma parte de muita brincadeira, de muita piada, de muita coisa, e tem uma parte da maldade. E a parte do ódio é uma parte liderada, sabe, pelo ex-governo brasileiro, pelo Trump e por outros presidentes de outras partes do mundo, e nós precisamos combater. É isso!
Leonardo Attuch — Presidente, queremos muito agradecer ao senhor aí pelo tempo, pela disposição, a todo mundo que nos acompanhou, Helena, Lula, Tereza, e a gente espera ter outras oportunidades.
Presidente Lula — Eu quero agradecer. Muito obrigado!
Luís Costa Pinto — Presidente, eu estava brincando, não é só a primeira entrevista ao vivo desse seu terceiro mandato, mas a primeira coletiva também. Foi uma sabatina!
Presidente Lula — Mas uma coisa importante, veja, aqui nós vamos ter que arrumar, eu quero neste mandato dar muitas entrevistas. Essa é uma coisa que eu quero melhorar. No primeiro mandato, a gente tinha muita preocupação de dar entrevista e fica muito isolado. E você termina não falando porque as pessoas falam mal, e ao invés de você enfrentar, você fica evitando. Normalmente, você pode ter um assessor de imprensa que fala: "presidente, não vai falar com a imprensa, não vai discutir hoje, a imprensa tá falando tal coisa". E eu acho que não só eu, mas o governo inteiro e mais o pessoal nosso da comunicação, nós temos que falar muito. Nós temos que falar muito, nós temos que disputar, sabe, para que a gente sempre possa estar dizendo aquilo que nós consideramos que é verdade. A gente vai anunciar um programa, vai! Se a imprensa não noticiar, a gente tem que noticiar, nós temos que encontrar um jeito da gente negociar e mostrar aquilo que a gente está fazendo. Nós vamos melhorar, a nossa TV vai melhorar, sabe, nós vamos tentar fazer uma TV pública, eu sempre sonhei de ter uma TV pública, tipo Canal 5 francês, tipo para a BBC de Londres. Sempre achei, sabe, que não precisava estar disputando audiência, mas ter uma seriedade. Eu acho que a gente tá conseguindo montar.
Tereza Cruvinel — As condições técnicas hoje são muito melhores porque o digital, agora, permite ela ter canais em todo o país e antes não permitia.
Presidente Lula — Eu acho que nós conseguimos fazer uma boa coisa. Acho que o Pimenta vai ter sucesso.
Leonardo Attuch — Presidente, obrigado! Muito bom! Até a próxima! Obrigado a todos!