Entrevista do presidente da República à Kennedy Alencar, na RedeTV em 02 de fevereiro de 2023
Kennedy Alencar — O Arthur Lula se reelegeu com uma votação expressiva, recorde, 464 votos. O fato de o senhor apoiá-lo, e o PT ter lançado o candidato, contribuiu para esse resultado. Ele tem fama de cumprir acordos, mas também tem fama de agir como o Eduardo Cunha, que foi o personagem que deu início àquele processo de impeachment contra a Dilma. Como o senhor avalia o resultado, a eleição do Lira, e se o senhor confia nele para ele não repetir o comportamento do Eduardo Cunha?
Presidente Lula — Nós estamos disputando um campeonato. O campeonato tem primeiro turno e tem segundo turno. Daqui a dois anos vai ter outra eleição, possivelmente a pessoa seja eleita tanto na Câmara como no Senado. Nós entendemos, enquanto Partido dos Trabalhadores e também enquanto governo, que era importante a manutenção do Lira na Presidência porque a gente não precisaria colocar alguém com pouca experiência para presidir a Câmara. Eu acho que se nós soubermos trabalhar corretamente, o Lira vai cumprir todos os acordos, acho que… eu disse outro dia que nós temos a quantidade de deputados que a gente quiser para ganhar em cada proposta. Não é tudo a mesma votação, a mesma quantidade de votos. O partido e o governo tem que ter competência de articular e conversar e eu acho que o Lira vai ser uma peça importante como será o Pacheco no Senado. É importante que a gente saiba que essas pessoas podem contribuir de forma decisiva para que a gente faça as mudanças que tem que fazer. Nós não queremos nenhuma mudança de interesse do Partido dos Trabalhadores ou do interesse do presidente da República. Tudo que a gente vai mandar para o Congresso Nacional é de interesse desse país. Então, nós vamos discutir, vamos conversar, fazer quantas reuniões forem necessárias. Você sabe que eu gosto de reunião. Então, eu não terei problema de fazer quantas reuniões forem necessárias para que a gente estabeleça a boa governabilidade no Brasil.
Kennedy Alencar — Em relação a Senado, o Pacheco teve 49 votos, que é exatamente o número para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional, e o Rogério Marinho teve 32. Com 27, você consegue as assinaturas para abrir CPI. A gente sabe que os líderes têm que indicar, que não é uma coisa automática, no entanto, a gente vê que, no Senado, a correlação de forças é mais difícil para o governo. Como o senhor pretende lidar com o Senado e como o senhor avalia a eleição do Pacheco? O Pacheco, em muitos momentos, no governo Bolsonaro, freou propostas conservadoras que o Bolsonaro conseguiu aprovar com o Lira. E o Pacheco me parece um aliado mais confiável para o governo do que o Lira, não?
Presidente Lula — Deixa eu te dizer uma coisa: eu tenho estabelecido uma boa relação tanto com o Lira quanto com o Pacheco. Eu não acredito que a oposição tenha 32 votos em muitas votações dentro do Congresso Nacional. O fato do Rogério Marinho ter tido 32 votos não significa que a oposição tem 32 votos.
Eles vão ficar com menos. Algumas pessoas que não votaram no Pacheco, inclusive gente do partido dele, não votaram por discordância de alguma coisa, por discordância com outros senadores. Mas que eu estou certo que nós os convenceremos a votar nas propostas que o governo botar para lá. Nem todos os senadores votarão igual em todas as votações. O que nós precisamos é saber o seguinte: o Congresso Nacional precisa menos do Governo do que o Governo do Congresso Nacional. Então, quem tem que ter disposição, vontade de conversar é o Governo. E isso eu gosto de fazer. Portanto, eu acho que o Pacheco vai ajudar e o Lira vai ajudar.
Kennedy Alencar — Presidente, política externa. É um assunto que o senhor gosta, e em um mês o senhor reposicionou a política externa, retirou o Brasil do isolamento. Reinseriu, não é? Reconectou o Brasil com o mundo. Acompanhei a viagem do senhor na Argentina, no Uruguai, vou acompanhar a dos Estados Unidos. O que o senhor espera do encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden? O meio ambiente vai ser a prioridade, é a questão da defesa da democracia, a preocupação com o avanço da extrema-direita, é o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia?
Presidente Lula — Eu tenho interesse de discutir com o presidente Biden a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Portanto, entre um debate de comércio e um debate econômico. Eu tenho interesse de discutir a relação dos Estados Unidos com a América do Sul e, sobretudo, com o Mercosul. Eu tenho interesse em conversar com o presidente dos Estados Unidos a questão climática. Porque a questão climática nós precisamos ter consciência que precisamos ter uma governança mundial mais forte, mais representativa para que as decisões nos fóruns que decidem sobre a política climática seja executado dentro dos países sem precisar dos congressos, sabe, a nível nacional. E, depois, eu quero discutir a guerra da Rússia e da Ucrânia, porque é importante a gente discutir porque não tem ninguém falando em paz.
Kennedy Alencar — A proposta concreta é um grupo, que o senhor quer montar. Quem deve participar desse grupo?
Presidente Lula — Eu estou fazendo uma proposta de se criar uma espécie de G20. Pode ser G10, G5, quantas pessoas precisarem. Mas eu estou pensando na China, que é um país extremamente importante. Eu estou pensando na Índia, que é um país muito importante. Eu estou pensando na Indonésia. Estou pensando no Brasil. Estou pensando no México. Estou pensando na Argentina. Ou seja, um grupo de países que não tem nada a ver com a guerra. Que não vendeu armas, que não deu dinheiro. Ou seja, um grupo de países que pode ter facilidade de conversar tanto com o presidente da Ucrânia quanto com o presidente da Rússia. O que eu acho é que a coisa está muito delicada, porque a União Europeia, mesmo sem querer, está dentro da guerra.
Kennedy Alencar — Perdeu a interlocução
Presidente Lula — Então, não tem mais interlocução. Você não vê no jornal alguém falando em paz. Quem deveria falar era os Estados Unidos, ele quer que o Putin faça, sabe, ou seja, que o Putin saia derrotado. Eu acho que não é necessário ninguém sair derrotado. O que é necessário é que a humanidade ganhe, e a humanidade vai ganhar quando tiver paz, a Ucrânia voltar à normalidade, a Rússia voltar à normalidade e, ao invés de guerra, mais emprego, mais trabalho, mais renda para o povo, que precisa muito nesse momento.
Kennedy Alencar — Presidente, o presidente Emmanuel Macron queria que o Brasil ajudasse com armamentos para a Ucrânia. O Olaf Scholz, chanceler, primeiro-ministro alemão, também queria. Se o Biden fizer esse pedido, vai receber a mesma resposta que o senhor deu: o Brasil não vai fornecer munição para a Ucrânia?
Presidente Lula — O Brasil não pode fornecer, não deve fornecer e é a melhor posição. Porque como eu acho que tem que ter um grupo de países que resolvam discutir a questão da paz, se o Brasil ceder, sabe, ou vender a sua munição para Alemanha e a Alemanha entregar para a Ucrânia e a Ucrânia atirar e morrer um soldado russo com uma bala, com uma munição fabricada no Brasil, o Brasil entrou na guerra. E nós não queremos que o Brasil entre na guerra. Nós queremos que o Brasil construa a paz. E o Brasil tem autoridade política de discutir esse assunto tanto com o Biden quanto com a Alemanha, a França e, sobretudo, com a China, que eu acho que é peça fundamental para a gente encontrar uma solução para essa guerra.
Kennedy Alencar — Acompanhei lá na Argentina a reunião da CELAC, que é a Comunidade dos Estados Latinos-Americanos, a volta do Brasil para a CELAC. O Bolsonaro tinha tirado o Brasil da CELAC, um erro geopolítico muito grande. Com o Biden, o senhor vai tratar de duas questões específicas da América Latina? Ou seja, a questão de Cuba, o fim do embargo que já dura 62 anos, o senhor vai pedir para ele claramente acabar com esse embargo, e se vai tratar da Venezuela, ou seja, de promover eleições dentro de um período que todo mundo aceite o resultado, seja nos Estados Unidos, sejam os apoiadores de Maduro?
Presidente Lula — Na verdade, o que eu desejo é que todos os países voltem à normalidade. Não tem mais sentido o bloqueio à Cuba. Não tem mais sentido, sabe? O Fidel Castro já morreu. O Raúl Castro já fez a sucessão, tranquilamente, para um civil. Olha, portanto, não há problema nenhum de voltar à normalidade da relação Estados Unidos-Cuba. Se é o problema de Miami, se é o problema dos eleitores, eu preciso conversar com o Biden como eu conversei com o Bush, como eu conversei com o Obama.
Kennedy Alencar — O Obama começou uma distensão, não é?
Presidente Lula — Eu acho que é necessário começar a mesma coisa com a Venezuela. Não há nenhum sentido. Nós já participamos de construir, sabe, o estado democrático da Venezuela em 2003. Nós construímos um grupo de amigos que participou. Participou os Estados Unidos, participou o Brasil. Dos Estados Unidos, participava, além do Colin Power, que era o secretário de Estado, participava a fundação do ex-presidente da República, ou seja...
Kennedy Alencar — O senhor vai sugerir um novo grupo de amigos da Venezuela?
Presidente Lula — A gente pode construir um grupo de pessoas para negociar. Eu desejo pra Venezuela o que eu quero pro Brasil. Eu quero que eles tenham eleição livre. Eu quero que o povo possa decidir de forma majoritária. Quem ganhar festeja e quem perde lamenta e se prepara para outra eleição. É assim que deveria ter sido no Brasil, que não foi. É assim que deveria ter sido em qualquer outro país que tiver eleição, porque nós temos que ter certeza que não existe nenhum modelo melhor do que o modelo democrático. A democracia, ela é complicada, porque você tem que ter paciência, tem que conversar muito, mas não existe nada, nada no mundo, melhor do que o exercício da democracia. Eu digo sempre: a democracia é a capacidade de você conversar com as pessoas mesmo tendo divergências com as pessoas.
Kennedy Alencar — Churchill dizia: O pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros. Não é isso?
Presidente Lula — Se não fosse a democracia, um metalúrgico como eu não teria sido presidente do Brasil, um índio como Evo Morales não teria sido presidente da Bolívia. Democracia é isso. E quanto mais democracia, melhor. Quanto mais liberdade, melhor. Quanto mais direito de expressão, melhor. É assim que deve ser o mundo.
Kennedy Alencar — Ainda nesse bloco de política externa, presidente, sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia, que o senhor quer fechar até o meio do ano, e que há uma mudança de posição importante em relação ao que o senhor falava na campanha, o senhor colocou esse acordo no topo da sua prioridade política externa, e eu tenho visto que o pilar ambiental tem caminhado ao lado do pilar comercial. Queria que o senhor falasse um pouco por que é importante colocar esse pilar ambiental tão forte e, na negociação com a União Europeia, estou falando de compras governamentais, explicar o que é isso, e se, além das compras governamentais, tem algum ponto que o Brasil e a Argentina querem sustentar para assinar esse acordo.
Presidente Lula — Uma das coisas que a Argentina e Brasil querem é que nós não queremos perder o direito de nos reindustrializarmos.
Kennedy Alencar — E a cúpula governamental é fundamental para isso.
Presidente Lula — Sobretudo para a pequena e média empresa brasileira. Então, o que os europeus têm que entender é que eles já conquistaram um estado de bem-estar social, uma situação econômica que nós, na América do Sul, ainda não conquistamos. E nós não podemos prescindir de querer sonhar em conquistar um padrão econômico igual a eles, um padrão social igual a eles. Por isso que nós queremos fazer o acordo. Eu acho que não é só o Brasil e a Argentina e América do Sul que endurecem. A França é muito dura na negociação.
Kennedy Alencar — A preocupação da França é com a agricultura.
Presidente Lula — Eu sei, e muito forte, ou seja, a agricultura para eles vale uma coisa extraordinária, porque eles não querem abrir mão para comprar nem uma pena de frango do Brasil.
Kennedy Alencar — Como chega num acordo?
Presidente Lula — Eu acho que conversando. Eu pretendo conversar com o Macron, eu pretendo conversar com outros líderes europeus individualmente e, depois, eu espero que, numa reunião, a gente chegue a um acordo que permita a União Europeia e a América do Sul formar uma espécie de um bloco para que a gente possa enfrentar, do ponto de vista do debate comercial, econômico e tecnológico, os dois poderios: China e Estados Unidos.
Kennedy Alencar — E a questão ambiental é fundamental, não é, porque a União Europeia suspendeu qualquer tratativa com o Brasil. Por quê? Por que o Bolsonaro fazia aqui no meio ambiente. Fala um pouquinho por que é que é importante, para sua política externa, esse pilar ambiental.
Presidente Lula — Porque, veja, a questão do clima, hoje, não é mais uma coisa trivial. É uma coisa extremamente importante, porque nós já estamos vendo as mudanças no planeta, estamos vendo as catástrofes que acontecem todos os dias. Está chovendo muito onde não chovia, está fazendo muita seca onde chovia muito. Ou seja, as nossas galerias estão derretendo. Então, o Brasil tem, na questão climática, um potencial extraordinário, inclusive um potencial econômico. Além do potencial da nossa floresta, da nossa biodiversidade, a gente tem um potencial econômico discutindo crédito de carbono que nenhum outro país tem. Eu vou promover uma reunião entre todos os países amazônicos, tirar uma proposta unitária para discutir com o restante do mundo. E na questão do clima, tem uma coisa séria que é o seguinte: é preciso mudar a governança mundial. É preciso que a gente tenha mais países participando das Nações Unidas, mais países participando do Conselho de Segurança, e mais países ajudando a ter credibilidade nas decisões, porque hoje você tem um Conselho de Segurança baseado na geopolítica de 45, ela já não existe mais.
Kennedy Alencar — No fim da Segunda Guerra Mundial.
Presidente Lula — Então, quando você decide que você vai tomar uma determinada decisão climática, não pode ficar para cada Estado Nacional decidir depois, porque senão não se cumpre. Então, tem que ter uma governança forte que algumas decisões, sobretudo na questão climática, decidiu todo mundo é obrigado a cumprir. Eu disse para os alemães o seguinte: a gente não quer transformar a Amazônia num santuário da humanidade. A gente quer a Amazônia, sob o poder soberano do Brasil, a gente quer fazer com que cientistas do mundo inteiro possam contribuir para estudar a riqueza da nossa biodiversidade, saber o que que a gente pode extrair dali para a indústria de fármaco, indústria de cosméticos, para gerar emprego para aquela gente, e o que que a gente pode ganhar em troco a nível de crédito carbono. Porque esse é o grande desejo do mundo. Então, nós, além de ajudarmos a despoluição do planeta, a gente vai poder ganhar dinheiro para ajudar o povo da Amazônia a ser desenvolvido. Porque se não der essa condição para o povo, ele vai continuar tentando explorar do jeito que ele quiser. Vai cortar madeira para fazer móvel. E outra coisa: nós vamos ser muito duros com as madeireiras ilegais. Vamos ser muito duros com o garimpo. Não é mais brincadeira. Não dá para a gente achar que é o direito do cidadão entrar numa terra que não é dele, cavar buraco, jogar terra em rio, jogar mercúrio no rio.
Kennedy Alencar — Forças Armadas envolvidas nesse esforço?
Presidente Lula — Hein?
Kennedy Alencar — Forças Armadas envolvidas nesse...
Presidente Lula — Vai, vai. Obviamente que sem as Forças Armadas, sem a Polícia Federal, e sem a participação da sociedade apoiando, a gente não consegue mudar. Eu tomei a decisão, em Roraima, com relação aos Yanomami. Tem muita gente que não quer. Tem muita gente ligada ao garimpo. Mas essa gente que me perdoe, porque não tem nenhuma autorização para fazer pesquisa em Roraima, muito menos nas terras indígenas, e essa gente está lá destruindo rio, destruindo as florestas em nome do quê? Em nome de ficar rico? Muitas vezes sem pagar imposto para o governo, muitas vezes lavando o ouro sei lá onde? Nós vamos acabar com isso. Sinceramente, nós vamos acabar com isso, porque o Brasil precisa ser respeitado no mundo e a gente só vai ser respeitado no mundo se a gente se respeitar internamente. Se alguém tem que pesquisar em algum lugar, essa pesquisa tem que ser autorizada. Ela tem que pesquisar, se pesquisar, tem que pedir autorização para explorar. Mas as pessoas pedem direito de pesquisa e depois já começam a explorar, sem outra autorização. Então, o Brasil vai voltar à normalidade. Nós temos Constituição, nós temos um monte de leis, e tudo isso será cumprido em benefício da gente manter esse país respeitado no mundo.
Kennedy Alencar — Presidente, em março tem uma viagem à China. Eu vi lá no Uruguai, acompanhei a visita também, o Uruguai estava vindo negociar um acordo de livre comércio diretamente, o senhor falou: "primeiro, vamos assinar com a União Europeia e aí o Mercosul negocia com a China". O senhor vai propor para o Xi Jinping o início e uma negociação Mercosul/China? Qual é a prioridade da viagem à China?
Presidente Lula — Primeiro, eu queria fazer com que os nossos companheiros do Mercosul compreendam que, sozinho, todos nós somos pequenos. Mesmo o Brasil, que é grande, ele fica menor se ele tentar negociar sozinho. Teoricamente, parece mais fácil: "Não, o Brasil pode abandonar todo mundo, ele gosta de negociar sozinho". O Brasil não pode abandonar todo mundo porque é exatamente para a América do Sul que o Brasil exporta muitos produtos manufaturado, coisa com mais valor agregado. Por exemplo, a Argentina é o nosso terceiro parceiro comercial no mundo, sabe? Então, é primeiro a China, depois os Estados Unidos, depois a Argentina. Não é Alemanha. É a Argentina. Então, como é que a gente vai prescindir de negociar com essa gente? Eu não esqueço nunca que, quando eu entrei, em 2003, no governo, o nosso fluxo de balanço comercial com Argentina era apenas de 7 bilhões de dólares. Quando eu deixei a presidência, era 39 bilhões de dólares. Então, o que eu estou prometendo para as pessoas é o seguinte: vamos estar juntos. Vamos negociar com a União Europeia e, depois, vamos negociar conjuntamente com a China. Não vamos tentar cada um tirar proveito individual, porque nós ficamos enfraquecidos.
Kennedy Alencar — Então, na China, o principal é negociar a proposta de acordo Mercosul/Brasil/China?
Presidente Lula — É uma coisa que eu tenho interesse. Quem sabe, avançando um pouco, um acordo América do Sul-China, sabe? O que nós precisamos é acreditar que, sozinhos nós temos menos chance. Parece que, teoricamente, o Brasil, olha, o Brasil é muito grande, é muito importante, abandona todo mundo e vai sozinho. Bobagem. Bobagem. Nós precisamos dar valor aos países que estão vizinhos do Brasil e, sobretudo, aos países pequenos, sabe? O Brasil não pode crescer sozinho. O Brasil tem que crescer junto com os outros, porque não adianta você ser rico cercado de miserável por todos os lados. É importante que o Brasil, como o maior país, maior população, maior economia, o Brasil contribua para que todos cresçam juntos.
Kennedy Alencar — Quando a gente financia um projeto na Argentina, no Uruguai, qual a importância disso? Porque há muita crítica na rede social. Explica por que é importante.
Presidente Lula — Sabe o que que acontece? É que se estabeleceu uma discussão baseada na ignorância. O Brasil não financia o país. O Brasil financia a empresa brasileira que vai fazer o serviço. É isso que o Brasil financia. E, quando o Brasil financia uma empresa para fazer um serviço em qualquer país do mundo...
Kennedy Alencar — É um tipo de exportação.
Presidente Lula — É um tipo de exportação. Todos os produtos são comprados do Brasil. Nós exportamos engenharia. E depois o Brasil recebe aquilo que ele colocou. É uma grosseria, sabe, dizer que o Brasil está investindo não sei aonde e não investe no Brasil. Primeiro que a gente não tá investindo. A gente tá emprestando dinheiro para uma empresa brasileira fazer serviço lá fora. Segundo, se tiver uma disputa no mesmo projeto uma empresa para fazer serviço no exterior e o mesmo serviço aqui no Brasil, obviamente que quem vai ganhar vai ser o serviço aqui no Brasil. Obviamente. Nós não estamos tirando o dinheiro do orçamento. Nós estamos emprestando dinheiro de um banco, que pode ser emprestado aqui dentro, pode ser emprestado lá fora, desde que a gente tenha garantia de recebimento. Ah, mas tem pessoa devendo.
Kennedy Alencar — No fundo, gera mais empregos no Brasil?
Presidente Lula — Lógico. Lógico. Você viu um estudo publicado no Valor, em que, de 10 bilhões, o Brasil arrecadou 12. O Brasil ganha com isso. O que é muito importante é as pessoas compreenderem que um país como o Brasil tem que ajudar os países menores a crescerem da mesma forma que Estados Unidos, Inglaterra ajudaram o Brasil no começo do século 20. Nós fomos ajudados por muita gente para construir ferrovia, para construir hidrelétrica e, assim, o Brasil cresceu. Então, nós temos que ajudar países na América do Sul, países na África. É uma é uma condição sine qua non. É uma condição sine qua non para que o Brasil participe da geopolítica internacional sendo respeitado, sabe? Porque o Brasil é grande. O Brasil tem que ser respeitado. O Brasil não quer ter hegemonia. O Brasil quer construir parceria com todo mundo. A gente não quer ter hegemonia diante do Uruguai ou diante de um país africano. Não. A gente quer construir parceria para que as pessoas tenham chance de crescer. Isso é simples e nós vamos fazer.
Kennedy Alencar — Presidente, passar para a economia agora. Queria uma avaliação do senhor sobre esse caso das Lojas Americanas, os desdobramentos em relação a pagamentos de pequenos fornecedores, dívidas trabalhistas e essa reação do mercado. O mercado costuma reagir mal quando o senhor faz um discurso falando de combinar responsabilidade social com a fiscal, mas, em relação às Lojas Americanas, me parece que já uma fraude evidente, uma pedalada evidente, a uma maior compreensão. Como o senhor avalia esse caso?
Presidente Lula — Isso não é nem pedalada. Aí é "motociata". Eu acho que a gente quando é pequeno a gente aprendia: nada como um dia atrás do outro. Esse Lemann [Jorge Paulo Lemann] era vendido como o suprassumo do empresário bem-sucedido no planeta Terra. Ele era o cara que financiava jovens para estudar em Harvard para formar um novo governo. Ele era o cara que falava contra a corrupção todo dia. E depois ele comete uma fraude que pode chegar a 40 bilhões de reais? E agora, me parece, que está chegando na Ambev também. É o seguinte: vai acontecer o que aconteceu com o Eike Batista. As pessoas vendem uma ideia que eles não são, na verdade. E o que eu fico chateado é o seguinte: é que qualquer palavra que você fale na área social, qualquer palavra que você fale, vou aumentar o salário mínimo 10 centavos, nós vamos corrigir o imposto de renda, nós precisamos melhorar os pobres, o mercado fica nervoso. O mercado fica muito irritado. E agora um deles joga fora 40 bilhões de dólares de uma empresa que parecia ser a empresa mais saudável do planeta e esse mercado não fala nada? Ele fica em silêncio. Por que tanto amor pelos grandes e tanto desinteresse pelos menores?
E aí eu aproveito para dizer o seguinte: eu, na verdade, deixa eu dizer uma coisa para você: eu quero um país com responsabilidade fiscal, eu quero um país com responsabilidade econômica, eu quero um país com responsabilidade política, quero um país com responsabilidade social, para tudo isso acontecer nós temos que fazer o país crescer. Então, eu quero a responsabilidade fiscal para fazer o Brasil crescer. Eu não posso gastar o que eu não tenho. Eu só posso fazer uma dívida se for para construir um ativo produtivo que vai me trazer retorno para melhorar o crescimento do país. Nós vamos levar muito a sério a economia. E vou te dizer uma coisa, vou te dizer uma coisa no primeiro dia do mês de fevereiro, vou te dizer uma coisa: nós vamos recuperar a economia desse país. Nós vamos fazer ajuste no Imposto de Renda, nós vamos aprovar a política tributária, que eu tenho certeza que no Congresso a maioria vai votar, e nós vamos fazer essa economia voltar a crescer e gerar empregos com carteira profissional assinada, que é o que interessa para o trabalhador. E vamos tentar normalizar e legalizar as pessoas que trabalham com aplicativos, porque parece que as pessoas são pequenos e médios empreendedores, mas quando quebra um carro, uma motocicleta, eles percebem que eles não são nada, coitados, porque ele não tem nenhum programa de seguridade social. Então, nós queremos que essa gente seja tratada com respeito na hora em que eles precisam de ajuda. E não ser abandonado como eles são hoje. Esse país pode ser construído e eu posso te dizer para você me cobrar daqui quatro anos. Eu não quero que me cobre amanhã, porque eu tenho um programa de governo para quatro anos. É como plantar um pé de jabuticaba. Você não colhe no dia que você planta, você tem que aguar, tem que torcer para ter muito sol e depois de um certo tempo, você colhe a jabuticaba muito boa. Assim é a economia.
Kennedy Alencar — Presidente, acho que é importantíssimo não ficar refém do mercado, mas o senhor tem um discurso que é diferente do seu primeiro e segundo mandato, que é um discurso mais incisivo em relação ao mercado. O argumento aqui, o senhor leva parte do mercado a apostar contra o governo, que para estratégia de política econômica dar certo seria melhor um discurso do Lula mais parecido com o do primeiro mandato do que o discurso atual. Como o senhor responde a esse tipo de crítica?
Presidente Lula — Olha, eu respondo isso porque eu não imaginava que o Brasil fosse estar na situação que está 13 anos depois que eu deixei a Presidência da República.
Kennedy Alencar — Tem retrocesso grave.
Presidente Lula — Quando a gente deixou a Presidência, este país estava sendo a sexta economia do mundo. A ONU tinha reconhecido o fim da fome nesse país. Este país tinha aumentado o salário mínimo todo ano. O que tá acontecendo no Brasil hoje é que faz sete anos que o funcionário público federal não recebe reajuste de salário, a Polícia Federal não recebe reajuste de salário, todas as categorias profissionais fizeram acordos abaixo da inflação e o salário mínimo não aumenta há sete anos. Esse é o dado concreto e é isso que nós queremos mudar. Então, o mercado tem que entender que o mercado já ganhou demais. Seria muito importante que o mercado estivesse preocupado em ajudar a economia crescer. Não apenas eles crescerem. Ah, mas o Lula tá nervoso... Eu não estou nervoso. É que eu fico indignado com coisa que vocês não ficam. Com a fome! Passa embaixo da ponta e você vê mulher com criança dormindo lá. Aquilo é culpa do governo? Não, aquilo é culpa do Estado Brasileiro, e o mercado faz parte do Estado Brasileiro. O problema é que eu passo na Faria Lima e está lá todo mundo bonito, de terno e gravata, todo mundo com ar condicionado, ganhando muito dinheiro, gritando na bolsa de valores. Aí quando eu passo na praça Roosevelt, eu vejo as pessoas envolvidas, sabe, com droga, eu vejo as pessoas com crack, eu vejo as pessoas com fome, eu vejo pessoas pedindo esmola, eu vejo criança pedindo esmola, coisa que a gente não via mais nesse país. É isso que me incomoda. Então, pode ter certeza que eu sou um cidadão indignado, porque um país que já foi a sexta economia do mundo, um país que é o terceiro produtor de alimento do mundo, um país que é o primeiro produtor de proteína animal do mundo, um país que tem tudo para crescer é um país que só anda para trás. Só anda para trás. Só anda para trás. E aí eu fico muito nervoso, porque a negação da política, que muitas vezes o mercado contribui, muitas vezes o mercado contribui... Quantas vezes o seu Lemann criticou a política? Quantas vezes eu ouvi ele tentar dar lição de moral na política? É isso. Então, quando se critica a política, o que acontece é um Bolsonaro. O que acontece é um genocida, o que acontece é uma pessoa que vendeu o óleo durante quatro anos nesse país e que, agora, a gente tem que recuperar o Brasil para tranquilidade, pra alegria, pra esperança, o Brasil que gosta de carnaval, que gosta de futebol, que gosta de dançar, que gosta de sorrir, sabe, que gosta de reunir a família. Então, é esse país que o mercado tem que entender que eu quero construir. E é esse país que o mercado tem que entender que eu só posso construir se eu tiver responsabilidade fiscal. Mas também tem responsabilidade social, porque, entre o mercado e as pessoas que estão com fome, não me pergunta, porque, obviamente, eu vou fazer opção para tirar o pessoal da fome.
Kennedy Alencar — Presidente, o Banco Central se reuniu ontem e o Copom (Conselho de Política Monetária) manteve juros no patamar atual, de 13,75% ao ano, que é um patamar alto, e falou que pode entrar no novo ciclo de alta diante da incerteza do arcabouço fiscal. No fundo, é um recado, é uma cobrança para o governo apresentar uma nova regra fiscal em substituição ao teto. Como está esse debate entre o senhor e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, para uma nova regra fiscal?
Presidente Lula — Veja, eu estou muito respeitoso com o Banco Central. Eu tive uma conversa com o presidente do Banco Central e eu estou muito respeitoso, porque eu vivi oito anos com o presidente do Banco Central, sabe, na mão do Meirelles, e a gente tinha uma política de controlar a inflação, mas a gente também tinha no banco, no BNDES, dinheiro para investir, para a gente contrapor o aumento do juro. O que acontece é o seguinte: é que o presidente do Banco Central tem que explicar por que 13,5% e por que qualquer perspectiva de voltar a aumentar, se nós não temos inflação de demanda? Porque, quando você aumenta o juro, a verdade é que você está numa subida de preço muito grande, porque as pessoas estão comprando muito, as pessoas estão comprando em excesso, então você tem que frear. Aí você aumenta a taxa de juros. Mas não é isso que tá acontecendo no Brasil. Não é isso. O Brasil precisa voltar a crescer. Então, eu acho que a sociedade brasileira, e vou dizer olhando bem na câmera, acho que a sociedade brasileira, eu vou fazer uma reunião com alguns empresários, pretendo fazer uma reunião com alguns bancos, junto com os empresários, para a gente discutir com muita seriedade a taxa de juros nesse Brasil. Não existe nenhuma razão para a taxa de juros estar em 13,75%. Nenhuma razão. Nenhuma razão, sabe? Então é o seguinte: vamos começar a cobrar, vamos começar a cobrar. Eu lembro do Dr. Ermírio de Moraes, quando era vivo, ele passava todo dia cobrando a taxa: "diminuir juros". O Zé Alencar...
Kennedy Alencar — Cobrava.
Presidente Lula — O meu vice, todo dia cobrava. Então, eu vou voltar a cobrar. Eu vou voltar a cobrar, porque é o seguinte: esse cidadão do Banco Central foi eleito por quem? Foi eleito pela Câmara, tá? Portanto, ele tem responsabilidade. Ele não votou, sabe? Ele não...
Kennedy Alencar — O senhor quer acabar com a autonomia do Banco Central?
Presidente Lula — Isso pra mim é uma bobagem. Eu fui presidente oito anos da República. O Meirelles teve toda a autonomia para fazer a política monetária que ele quis fazer. O que acontece é que a gente conversava.
Kennedy Alencar — É que agora tem uma autonomia legal.
Presidente Lula — O que acontece é que a gente conversava e o Brasil deu certo. E esse país está dando certo? Esse país está dando certo? Este país está crescendo? O povo tá melhorando de vida? Não. Então, eu quero saber de que serviu a independência. Eu vou deixar esse cidadão terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação: o que significou o banco central independente?
Kennedy Alencar — E aí, eventualmente, pode ter uma proposta de mudança disso?
Presidente Lula — Mas veja: eu quero te dizer que isso é irrelevante para mim. Isso é irrelevante. Isso não está na minha pauta. O que está na pauta é a questão da taxa de juros. Outro dia eu me queixei que eles fizeram uma meta de inflação de 3,7%. Quando você faz uma meta de inflação de 3,7%, você está exagerando numa promessa que você tem que arrochar para cumprir.
Kennedy Alencar — Isso.
Presidente Lula — Eu estou vendo que o Brasil não precisava disso. Nós fizemos uma meta de 4,5%, com menos dois e mais dois. Olha, esse país com 4% de inflação, com a economia crescendo, este país vai embora, este país cresce. É que o presidente do Banco Central nunca viveu a inflação que eu vivi, de 80% ao mês. Nunca viveu. Então, ele quer chegar à inflação padrão europeu. Não. Nós temos que chegar em inflação padrão Brasil. Uma inflação de 4,5% no Brasil, de 4%, é de bom tamanho se a economia crescer. Você, com 4% de inflação, com 4,5% e a economia crescendo, é uma coisa extraordinária. Agora, você faz uma meta que é ilusória, você não a cumpre e, por conta disso, você fica prejudicando...
Kennedy Alencar — Eles não cumpriram a meta.
Presidente Lula — Não cumpriu e fica prejudicando o crescimento do país. Isso é normal? Em nome de quem? Vamos perguntar para o presidente da Câmara, para o presidente do Senado, se eles estão felizes com a atuação do presidente do Banco Central. Porque eu acho que eles imaginavam que, fazendo o Banco Central autônomo, a economia ia voltar a crescer, o juro ia abaixar, e tudo ia ser maravilhoso. E não é! Não é. Porque durante todo esse mandato, o BNDES, ao invés de servir para emprestar dinheiro para os empresários crescerem, para a pequena e média empresa crescer, o BNDES resolveu devolver 360 bilhões para o Tesouro. Ou seja, é uma inversão de valores. O BNDES é um banco de desenvolvimento social que foi criado para emprestar dinheiro para o crescimento do Brasil. Pode emprestar tanto para o estado que tem capacidade de endividamento, como pode emprestar para um grande empresário, mas, sobretudo, para pequenos e médios empresários, para chamada microeconomia. Ou seja, nós somos um país capitalista em que não tem capital circulando. É preciso colocar o dinheiro para circular, e, com juros a 13,5%, não é possível.
Kennedy Alencar — Presidente, estou muito preocupado com o tempo, tem muita coisa. Eu cobri a eleição americana em 2020 e vi como foi difícil combater a extrema-direita lá. O Biden enfrentou fake news, jogo baixo do Trump. Em 2022, aconteceu a mesma coisa no Brasil: jogo baixo da parte do Bolsonaro, fake news. E não dá para usar as mesmas armas para combater. Não dá para usar fake news, não dá para usar mentira como arma política e fazer esse jogo baixo. O senhor aprendeu a combater a extrema-direita? Tem uma receita?
Presidente Lula — Não. Deixa eu te falar uma coisa, que é muito engraçado. Eu acho que nem eu, nem ninguém no Brasil estávamos acostumados a fazer campanha política baseado na mentira, baseada numa quantidade de inverdades que eu nunca imaginei. Ou seja: as pessoas são capazes de dizer que tem um elefante voando e as pessoas acreditam. Uma mentira repetida um milhão de vezes, por muita gente, ao mesmo tempo, vai se tornando verdade. Qual é o discurso da direita do mundo inteiro? Pátria amada, costumes e religião. Então, o que é que nós temos que construir? Isso eu tenho, inclusive, feito proposta, e falei com o chanceler Olaf Scholz, falei com o Macron, e vou falar com todos os líderes. Os setores progressistas e democráticos da sociedade precisam se preparar para construir uma narrativa para desmontar esse discurso atrasado, xenófobo. Um discurso que não leva a nada.
Kennedy Alencar — É uma guerra cultural que precisar ser feita para disputar?
Presidente Lula — Não. Eu acho que tem que ser uma coisa preparada tecnicamente. A gente tentar, eu sei como fazer, mas nós vamos tentar estabelecer uma discussão na sociedade brasileira, porque nós temos que responsabilizar um pouco as empresas que fomentam...
Kennedy Alencar — As redes sociais. Como fazer isso sem censurar?
Presidente Lula — Não precisa censurar. Se a sociedade participar e ela encontrar o denominador comum de que, olha, tal coisa tem que ser brecada pela própria empresa. Você não pode publicar lá que você pode...
Kennedy Alencar — Uma mentira e deixar no ar. Exato.
Presidente Lula — Não pode publicar uma coisa e apenas dizer: "isso é mentira". Não, se é mentira, não pode ser publicado. Eu acho que, sozinho, talvez ninguém saiba como fazer. Mas se a gente abrir um debate na sociedade, se a gente abrir para as pessoas que são especialistas de internet, se abrir para os meios de comunicação e a gente fazer uma discussão...
Kennedy Alencar — Vai tratar disso com o Biden, provavelmente.
Presidente Lula — A gente vai tratar disso...
Kennedy Alencar — Com Biden.
Presidente Lula — Até porque eu acho que a única forma de ter uma regulação é mundial. Não dá para fazer uma regulação apenas num país. Portanto, é preciso que seja um assunto a ser discutido no G20. Porque, veja, o Biden derrotou o Trump, mas não derrotou a extrema direita. Ela tá viva. Aqui, no Brasil, a gente derrotou o Bolsonaro, mas ainda é preciso derrotar o bolsonarismo, que é aquele fanático, aquele que acredita em tudo, aquele que ofende as pessoas, aquele que xinga as pessoas. Eu tenho uma tese. Se um dia você entrar num bar, com a tua esposa, e um cara, porque você é um jornalista sério, te xinga, você pode abrir um processo que aquele cara é bandido.
Kennedy Alencar — Não falha uma.
Presidente Lula — Uma pessoa séria, honesta, jamais, jamais atacaria alguém. Então, se um cara te xingar, pode tirar fotografia dele e denunciar porque ele é 171. Ele tem alguma coisa de estelionatário na vida dele.
Kennedy Alencar — Presidente, a gente estava falando que essa questão extrema-direita, está óbvio que o Bolsonaro cometeu crimes ao longo do mandato. Os de responsabilidade não podem mais ser punidos porque o Arthur Lira não deu seguimento ao pedido de impeachment, mas no âmbito dos crimes comuns há enquetes, há processos que podem levar a uma responsabilização objetiva do Bolsonaro. A gente tem o genocídio Yanomami. O Bolsonaro estimulava invasão de terra, não é? Ele é partícipe disso. Acabou a discussão jurídica e filosófica se o Bolsonaro é genocida ou não com a questão em Roraima, com a questão dos Yanomami. Eu pergunto se o senhor acha necessário punir um presidente pelo precedente que ele abre. O presidente chega à Presidência da República, comete tantos crimes, se ele não é punido, no futuro, um outro presidente pode achar: “Eu posso agir da mesma maneira, eu posso usar o Estado, como ele usou no passado, para chegar aos meus objetivos”. Opinião do presidente Lula: Bolsonaro precisa ser punido objetivamente? A gente viu hoje o caso, senador Marcos do Val, do Podemos, do Espírito Santo, publicamente dizendo que ouviu do Daniel Silveira, que foi preso quando perdeu o mandato, e pelo Bolsonaro, uma proposta de gravar o Alexandre de Moraes e não deixar o senhor assumir. Isso é um senador da República falando, e aliado dele, que está falando. Pergunto para o senhor: é necessário punir o Bolsonaro para que isso nunca mais aconteça no Brasil, o senhor acha?
Presidente Lula — Eu acho que é necessário pelo seguinte: ele deve ser julgado, em algum momento, por genocídio, não apenas no caso dos Yanomami, no caso da Covid-19. Porque ele foi um presidente que se colocou contra tudo, tudo que é cientista desse país. Ele se colocou contra praticamente todo mundo que clamava para que a gente comprasse a vacina rápido, clamara para que o governo fizesse publicidade da necessidade de tomar vacina. Ele não. Ele fez ao contrário. Ele preferiu comprar Cloroquina. Ele preferiu falar que a vacina, que as pessoas viravam jacaré, que as pessoas morriam... Ele disse as maiores barbaridades. Por isso é que eu tenho chamado ele de genocida. Porque ele, em algum momento, vai ser julgado. Quem sabe algum dia um grupo de pessoas que tiveram parentes mortos na Covid, quem sabe essas pessoas abram um processo nele até em nível internacional, porque esse cidadão teve a pachorra de desrespeitar tudo aquilo que a gente tinha de normalidade na política brasileira. Ele ofendeu a Suprema Corte, ele ofendeu o Congresso Nacional, ele ofendeu o Papa, ele ofendeu o Macron, ofendeu a mulher do Macron, ele ofendeu todo mundo. É descarado! E esse cidadão preparou o golpe. Hoje eu tenho consciência, vou dizer aqui em alto e bom som: esse cidadão preparou o golpe! Eles queriam fazer aquela bagunça no dia primeiro de janeiro, mas eles perceberam que não dava porque tinha muita polícia e tinha muita gente na rua.
Kennedy Alencar — Hoje o senhor tem certeza do envolvimento do Bolsonaro em 8 de janeiro?
Presidente Lula — Eu tenho certeza que o Bolsonaro participou ativamente disso e ainda está tentando participar. Ele é um cidadão, é um cidadão, é quase um psicopata. É um cidadão que não pensa, ele não raciocina, ele vomita as coisas, sabe? Com o maior desrespeito do mundo, com a maior falta de objetividade e de sinceridade.
Kennedy Alencar — Muita gente tem a tese: “Ah, ele tem que ficar só inelegível, não pode prender o Bolsonaro porque tem uma convulsão social”.
Presidente Lula — Eu acho... Deixa eu lhe falar uma coisa séria. Deixa eu falar uma coisa para você. Eu defendo para todos eles a presunção de inocência. Eu não quero que façam com ele o que fizeram comigo. Não quero. Não quero que ele vá para cadeia para depois provar a inocência dele. Eu fui para provar que o Moro e o Dallagnol não eram sérios. E provei. Então, eu acho que é o seguinte: ele cometeu os crimes, ele ofendeu a Suprema Corte, ele ofendeu tudo que ele tinha que ofender. Ele tem que responder por esses crimes. Ele tem que responder não na instância superior, porque é presidente da República. Não, está quase virando crime comum, sabe? Isso dos Yanomami agora é uma... Eu tenho um discurso dele, tem vários discursos dele para os garimpeiros.
Kennedy Alencar — Sim.
Presidente Lula — Ele manda jogar mercúrio, ele manda invadir a terra, ele manda defecar na água, sabe? Da maior irresponsabilidade. Ele fala que as pessoas podem fazer o que bem entender. Ora, esse cidadão foi presidente da República. Esse cidadão foi chefe supremo das Forças Armadas. Esse cidadão foi a autoridade máxima desse país. Ele precisava ter o mínimo de respeito. Ele não teve. E ele incentivou muita gente a segui-lo. Porque você, sabe, você deve ter ouvido quando você era muito criança, da tua mãe, que a mentira anda de avião, e a verdade é um passo de tartaruga. Ou seja, a verdade, você tem que convencer, você precisa discutir muito. A mentira, não. Você mente e deixa para lá. Então, eu acho que o Bolsonaro, em algum momento, vai ter que ser julgado, sabe? Eu acho que, não sei se a pena dele vai ficar inelegível ou não, mas ele cometeu crime. Na minha opinião, ele tem que ser julgado em algum momento por genocídio contra a população vítima do Covid e pelo que aconteceu com os Yanomami.
Kennedy Alencar — Presidente, o senhor sempre fala da importância de se normalizar o país, reconstruir, as pessoas podem discutir sem se desrespeitar. O Bolsonaro teve mais de 49% dos votos no segundo turno, bem todo esse eleitorado dele aprova o genocídio de Yanomami, fake news e os atos terroristas em Brasília. O que o senhor tem a dizer para essa parcela da população, esse eleitos que votou no Bolsonaro, não votou no senhor, mas não endossa esse modus operandi do bolsonarismo raiz?
Presidente Lula — A gente não pode discutir esse processo eleitoral sem discutir duas coisas. A indústria de mentiras que foi criada nesse país, o envolvimento de muita gente das Forças Armadas, da Polícia Rodoviária, da Polícia Militar, de quase todos os países, de parte da Polícia Federal... Muita gente envolvida. Você viu o resultado disso em vários estados com a Polícia Rodoviária Federal não deixando os ônibus levar as pessoas para votar. Além dessa máquina de mentiras, além desse uso da máquina, que eu tenho dito que desde Marechal Deodoro da Fonseca até o Fernando Henrique Cardoso, todos os presidentes juntos nunca gastaram o que ele gastou. Esse cidadão utilizou do orçamento público quase que 60 bilhões de dólares, 300 bilhões de reais, que ele fez de investimento, de isenção de imposto, de desoneração, distribuição de dinheiro, distribuindo dinheiro para taxista perto das eleições, para caminhoneiro. Da Caixa Econômica, 8 bilhões de reais para emprestar para pessoas que têm dificuldade de pagar.
Kennedy Alencar — Ou seja, essa votação foi turbinada por isso?
Presidente Lula — Lógico que foi turbinada.
Kennedy Alencar — Mas e para quem votou nele, que mensagem o senhor tem?
Presidente Lula — Vamos apenas dizer o seguinte: eu respeito muito o eleitor, porque o eleitor se dirige à urna pela qualidade da informação que ele recebe, em primeiro lugar, e pela quantidade de coisas que ele acredita que vai acontecer na vida dele. Não é pouca coisa, no ano eleitoral, você distribuir 600 reais sem nenhum cadastro, sem nenhuma seriedade (numa mesma família, tinha três pessoas recebendo 600 reais). Aí, depois, você abre uma linha de crédito na Caixa Econômica para emprestar 8 bilhões pra essas pessoas que recebiam 600 reais a 3,45% de juros ao mês. Obviamente que essas pessoas não vão poder pagar. Obviamente que essas pessoas não vão poder pagar. E nós, agora, estamos tratando de como desenrola, de resolver o problema dessas pessoas que estão com dívida. Eu acho que o Bolsonaro teve 49% dos votos. Não é a votação dele. Ele certamente ficará no limite de 20 e pouco por cento de "bolsonaristas raiz", dessas pessoas raivosas. Eu acho que a sociedade vai caminhando para normalidade. O tempo vai andando, a gente vai governando, as coisas vão acontecendo. São 14 mil obras paradas.
Kennedy Alencar — Sim.
Presidente Lula — 14 mil obras paradas. A maioria do meu tempo de governo, sabe? Então, nós, agora, a partir do mês de fevereiro, quando eu voltar dos Estados Unidos, eu vou começar a viajar o Brasil dando ordem de recomeçar centenas e centenas de obras do Minha Casa, Minha Vida, do Luz para Todos, do Água para Todos, de estrada que falta 20 quilômetros, 15 quilômetros. Ou seja, nós vamos retomar para economia brasileira voltar a crescer. Eu vou te dizer três coisas que eu fiquei sabendo ontem em três adutoras. No ano passado, tinha sido destinado um milhão de reais para cada obra dessa, ou seja, nada.
Kennedy Alencar — Nada.
Presidente Lula — Ontem mesmo, nós assinamos 181 milhões para uma, 215 milhões para outra e 115 milhões para outra. Para as coisas poderem começarem a andar e a gente voltar a gerar emprego. E eu tenho ponderado para os meus ministros que, quando for fazer, sabe investimento, pedir para que os empresários contratem as pessoas lá da localidade para gerar emprego local, como nós fizemos no PAC. É por isso que eu estou otimista de dizer pra você o seguinte: nós precisamos construir uma narrativa contra a mentira. Não é mentir como eles. É tentar mostrar para o povo brasileiro, sabe. compreender o que é mentira, sobretudo em época de eleição.
Kennedy Alencar — Presidente, aquele relatório do Ricardo Cappelli, que fez a intervenção na Segurança do Distrito Federal, deixou muito claro que não houve negligência, não houve incompetência, houve um planejamento ali para uma tentativa de golpe, uma ação da Polícia Militar do Distrito Federal, inclusive de setores das Forças Armadas, e o senhor trocou o comando do Exército. Eu queria entender, hoje, para registro histórico, como o senhor define o que aconteceu em 8 de janeiro, e se o senhor acha que se tivesse assinado uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), operação de garantia da lei e da ordem, para um general comandar, as Forças Armadas comandarem uma retomada dos palácios, se teria tido sucesso uma tentativa de golpe de Estado?
Presidente Lula — Deixa eu dizer para você: eu estava tão tranquilo naquele final de semana, depois da festa da posse. Eu duvido que, em algum lugar, tenha tido uma posse tão bonita, tão alegre como a posse do dia 1º, que eu jamais imaginei que poderia ter acontecido aquilo. Jamais. Aquilo só aconteceu porque as pessoas que tinham que tomar conta quiseram que acontecesse. Quiseram! É inegável! É inegável que o Exército não poderia permitir tanta gente gritando por golpe durante meses na porta do quartel.
Kennedy Alencar — O senhor tem claro hoje que foi tentativa de golpe?
Presidente Lula — Eu acho que foi tentativa de golpe. Eu acho desde o primeiro dia. Foi uma tentativa de golpe.
Kennedy Alencar — E se tivesse assinado a GLO, o golpe se consumaria?
Presidente Lula — Olha, eu não sei se iria se consumar. Mas, o dado concreto é que, quando me falaram de GLO [Garantia da Lei e da Ordem], eu falei: não tem GLO. Esse país, eu ganhei as eleições. Eu sou o comandante dele. A gente vai acabar com esse negócio utilizando outras regras. E aí veio a ideia de fazer a intervenção aqui em Brasília e fazer intervenção na polícia aqui de Brasília, na Secretaria de Segurança. E nós conseguimos controlar as coisas e colocar as coisas em ordem. Eu acho, eu não posso afirmar que as Forças Armadas estavam favoráveis a isso. Eu posso te garantir que tem gente que não estava, mas eu posso te garantir que tinha muita gente que estava, porque... Não é possível. Houve tempo em que a gente não podia pisar na grama na frente de um quartel porque estava escrito lá: “Proibido. Área militar”. E, de repente, deixar as pessoas ficarem gritando o golpe durante meses na porta do quartel. E depois começaram a xingar os generais que não quiseram dar golpe, começaram a xingar os amigos. Essa é uma coisa que eu estou muito satisfeito com o general Tomás. Ele tem um discurso correto, que é o discurso legalista. Está definido na Constituição o papel das Forças Armadas, ela pode emprestar um serviço extraordinário a esse país, cumprindo aquilo que está na Constituição. O que ele me disse textualmente foi o seguinte: "Presidente, nós vamos recuperar as Forças Armadas no cumprimento daquilo que é afirmado pela nossa Constituição". E é assim que eu quero. Eu prefiro que o nosso Exército volte a ser o Exército de Caxias do que ser o Exército de Bolsonaro. É isso que eu quero, no fundo.
Kennedy Alencar — Presidente, estamos chegando aqui na reta final, eu queria perguntar para o senhor se o senhor pode considerar ainda a possibilidade de disputar a reeleição em 2026 ou se o senhor descarta completamente, se é algo 100% resolvido na sua cabeça?
Presidente Lula — Essa pergunta, qualquer coisa que eu responder você não vai acreditar. Deixa eu te falar uma coisa: Eu tenho consciência que somente a minha candidatura poderia derrotar o Bolsonaro. Eu tenho consciência. Não é não é nenhuma vaidade, não. É consciência de que, pelo legado que eu tinha, eu poderia ganhar essas eleições.
Kennedy Alencar — E se em 2026 for isso de novo?
Presidente Lula — Agora, o que eu acho que a gente precisa construir novos candidatos em 2026. Nós temos gente extraordinária no governo. Nós temos...
Kennedy Alencar — Mas eu estou entendendo por essa resposta que o senhor não descarta.
Presidente Lula — Se eu puder afirmar para você, agora, eu falo: eu não serei candidato em 2026. Eu vou estar com 81 anos de idade. Eu preciso aproveitar um pouco a minha vida, porque eu tenho 50 anos de vida política. Isso é o que eu posso dizer agora, sabe? Agora, se chegar...
Kennedy Alencar — Política como nunca.
Presidente Lula — Não. Se chegar no momento, tiver uma situação delicada e eu estiver com saúde, porque também só pode ser candidato se eu estiver com saúde perfeita: com 81 de idade, energia de 40 e tesão de 30. Pronto, então, aí eu posso. Se não, nós temos gente extraordinária. Nós temos vários governadores fantásticos que estão participando do governo. Nós temos o Rui Costa, nós temos o Wellington, nós temos o Camilo, nós temos o Flávio Dino, nós temos o Renanzinho. Nós temos gente da maior qualidade, você não tem noção. Essa é a razão do meu sucesso, que eu estou garantido o nosso sucesso. É porque o pessoal é muito competente, o pessoal tem muita experiência e todo mundo quer que o país volte a crescer. E todo mundo quer se projetar nacionalmente e eu vou contribuir para isso. Eu vou contribuir para que surjam muitas e novas lideranças para que o Brasil nunca mais vote num psicopata para ser presidente do Brasil.
Kennedy Alencar — Qual a diferença do Lula como presidente nesse terceiro mandato e do Lula que foi presidente no primeiro e segundo mandatos?
Presidente Lula — Eu me considero mais experiente. Me considero mais conhecedor da máquina. Você não sabe o que é desmontar uma máquina montada pelo Bolsonaro, porque ele tem gente em tudo que é repartição pública, entranhado, aqui e lá fora. Tem gente trabalhando lá fora e ganhando dinheiro como se tivesse trabalhando aqui dentro. E não é embaixador, não é diplomata, não é representante. É gente que está trabalhando lá fora porque foi trabalhar lá fora e ficou lá fora. Nós vamos tentar fazer alguma coisa muito justa. Não vamos perseguir ninguém. Nós vamos apenas colocar as pessoas no seu devido lugar.
Nós vamos tentar consertar. Eu tenho mais experiência. Tenho mais experiência na parte econômica. Tenho mais experiência na parte funcional, no governo. Tenho mais experiência na ação política. Eu voltei muito mais maduro na questão política porque, desde o golpe da Dilma, eu fico pensando onde é que nós erramos e onde é que nós acertamos. Eu acho que o erro que a gente comete é a gente acreditar que é o Congresso que depende do governo. Não é o Congresso que depende do governo. É o governo que depende do Congresso. Então, você cumprimentar um deputado, você cumprimentar o presidente da Câmara, você abraçar uma pessoa, você participar de uma festividade qualquer, faz parte da boa relação política que a gente tem que construir. Você vai ter gente que vai ser inimigo a vida inteira. Você vai ter gente que vai ser amiga a vida inteira. E você tem uma maioria de pessoas que são pessoas que pensam diferente de você, mas que estão dispostas a votar num projeto que seja interessante para o Brasil. É com essas pessoas que a gente pretende contar para a gente aprovar tudo que nós vamos aprovar nesse país. Então, eu sou diferente nisso. Mais experiência, barba branca, menos cabelo do que eu tinha... Então, isso serviu para que eu fosse mais experiente. Mas continuo com a energia de 30.
Kennedy Alencar — Presidente, chegamos aqui ao final. Tem um pinga-fogo. Eu já fiz vários com o senhor nas nossas entrevistas, esse é um pouco diferente. Eu queria que o senhor dissesse, muito sucintamente, em uma ou duas palavras, como o senhor pegou uma área do governo e como o senhor pretende que esteja daqui a quatro anos, como o senhor gostaria que ficasse.
PINGA FOGO
ECONOMIA — A economia estava praticamente destruída. Nós vamos reconstruir a economia.
SAÚDE — Essa é um desastre. Nós vamos fazer com que a saúde volte a funcionar, sobretudo para o povo mais pobre.
EDUCAÇÃO — Essa é outra coisa que eles conseguiram estragar. Ensino técnico, ciência e tecnologia. Vamos efetivamente voltar a acreditar na alfabetização na idade certa, fazer escola de tempo integral para esse país voltar a acreditar no seu futuro.
CULTURA — Você sabe que estava totalmente destruída. Nós vamos reconstruir com a nossa querida Margareth Menezes. Tem muita gente boa e nós vamos fazer desse país um país da cultura. Eu quero criar comitês culturais em todas as capitais do país para que a cultura não seja uma coisa do governo. Ser uma coisa da sociedade.
MEIO AMBIENTE — Essa é outra coisa que é prioridade. Eu não preciso dizer como é que nós encontramos no Brasil. O ex-presidente não cuidou nada. Pelo contrário, ele incentivou o desmatamento, a queimada, o garimpo, a madeireira ilegal. Tudo isso nós vamos corrigir.
DIREITOS HUMANOS — É outra coisa que nós vamos voltar. Eu coloquei uma pessoa extraordinária, que é o Silvio Almeida. Nós vamos tentar fazer com que a gente tenha menos violência nesse país e, por isso tem uma coisa sagrada. Não é só polícia. O Estado tem que estar presente nas comunidades. Se o estado não estiver presente, com escola, com lazer, com cultura, o Estado não vai cuidar do nosso povo com carinho.
MULHERES — Essa é uma tarefa que eu tenho uma meio presidente, que é a Janja. Ela se preocupa muito com isso. Eu tenho certeza que nós vamos fazer, sabe, o Brasil ser respeitado no mundo inteiro. Além do trabalho que nós já fizemos no governo do PT, eu tenho certeza que a gente vai fazer muito mais em defesa da mulher. Não só da violência contra mulher, mas a gente vai fazer mais naquela coisa da Constituição, que trabalho igual, salário igual, entre mulher e homem.
POLÍTICA PARA OS NEGROS — Nós colocamos, no Ministério da Igualdade Racial, uma pessoa fantástica, a irmã da Marielle, e eu acho que nós vamos fazer com que a questão racial seja diminuída muito nesse país. E aí nós temos que apostar muito na educação das nossas crianças. Quando eu era presidente da outra vez, a gente tentou colocar a história africana no ensino fundamental, que era para as crianças compreenderem como é que surgiram os escravos no Brasil e isso vai voltar.
INDÍGENAS — Eu, sinceramente, conheço muitas etnias. Já visitei muitas aldeias, mas eu nunca imaginei que esse genocida tivesse permitido a destruição de um povo como ele permitiu a destruição dos Yanomami. Ver aquelas crianças como eu vi, com o braço da grossura do meu dedo, aquelas crianças com fome, aquele povo comendo comida que não gosta, porque não respeitam os hábitos alimentares deles. Não adianta mandar sardinha em lata para os caras. Não adianta mandar macarrão. Eles não comem isso. Eles querem comer outra coisa. Nós vamos recuperar o povo indígena no Brasil. Nós vamos visitar muitas aldeias. A nossa ministra, Sonia Guajajara, vai ter que viajar o Brasil inteiro. Eu quero um relatório perfeito de cada etnia, porque a gente vai definitivamente dar cidadania ao povo indígena no Brasil.
LGBTQIA+ — A mesma coisa. Não é possível que esse país seja tão preconceituoso. Não é para isso. Ontem eu até elogiei a Suprema Corte por ter aprovado a união civil, ou seja, porque é uma coisa que nós temos que entender a normalidade da opção do ser humano. O ser humano é o que ele quiser ser. Ele faz o que ele quiser fazer, desde que ele respeite os direitos dos outros. É simples. E acabar com esse preconceito. Eu, sinceramente, quero acabar com isso. Nós queremos que esse pessoal seja tratado da mesma forma decente que eu quero ser tratado, que você deve ser tratado, com respeito. Porque, na hora que ele paga o imposto de renda, ninguém vai tratar diferente. Na hora do voto, ninguém trata diferente. Por que, na relação humana, tratam ele diferente? Por isso que nós vamos punir severamente as pessoas que façam qualquer preconceito contra qualquer tipo de pessoa.
Kennedy Alencar — Presidente, agradeço muito a entrevista que o senhor deu aqui para mim e para a Rede TV. Muito obrigado.
Presidente Lula — Kennedy, eu só lamento que o tempo seja muito curto. Ou seja, quando a gente começa a gostar da entrevista, ela acaba.
Kennedy Alencar — Vamos marcar outra.
Presidente Lula — Eu espero que a gente marque outra.
Kennedy Alencar — Um abraço, obrigado. Boa sorte no trabalho.
Presidente Lula — Eu desejo boa sorte a você nessa nova empreitada sua.
Kennedy Alencar — Obrigado. Valeu! Boa noite para o senhor. Obrigado.
Presidente Lula — Obrigado.