Entrevista coletiva do presidente Lula após a abertura do Fórum Mundial da Alimentação 2025, em Roma
Primeiro, eu quero cumprimentar a imprensa brasileira, dizer que é sempre um prazer vir à Itália e ser recebido pelo nosso embaixador Mosca [embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca de Souza], pelo nosso embaixador no Vaticano [embaixador do Brasil junto ao Vaticano, Everton Vieira Vargas] e pela nossa embaixadora na FAO [embaixadora do Brasil na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Carla Barroso Carneiro].
Eu vim com dois ministros que têm um papel importante no combate à fome no Brasil: o Paulo [Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar], e o Wellington [Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome].
Eu teria dois compromissos ainda, a Janja [Lula da Silva, primeira-dama do Brasil] vai ficar aqui em Roma e vai me representar nessas duas atividades da FAO. E vou dizer para vocês que tem motivos para muita alegria.
Primeiro, a conversa que eu tive com o Papa, que foi muito boa para eu poder conhecer o Papa [Leão XIV]. Depois de ler o documento dele, “Dilexi te”, ou seja, um documento, uma exaltação religiosa que fala uma linguagem direta com os cristãos do mundo inteiro, com os católicos, sobre a necessidade de ajudar o povo pobre a combater a desigualdade e a miséria.
Não poderia ter documento mais atual do que o documento do Papa. Eu acho que vai fazer um bem a todos os católicos do mundo inteiro para as pessoas acompanharem a exaltação do Papa.
A segunda coisa importante é que eu disse ao Papa que era preciso criar uma espécie de indignação na humanidade contra a fome. A fome não é um problema econômico. A fome é um problema político. Se houver interesse político dos governantes do mundo inteiro, se encontrará um jeito de colocar o café da manhã e o almoço na janta para o povo pobre do mundo inteiro.
Não tem explicação o mundo rico gastar 2,7 trilhões [de dólares] em armamentos. Com apenas 12% disso, 300 e poucos bilhões [de dólares], a gente poderia dar comida a 763 milhões de seres humanos que passam fome.
Então, eu fiz questão de vir aqui na FAO, de encontrar com o Papa para poder dizer essas coisas. Porque a gente só vai acabar com a fome no mundo quando houver indignação da humanidade.
Muito tempo atrás se dizia que a gente não ia ter capacidade tecnológica de produzir alimento para acompanhar o crescimento da humanidade. E hoje nós produzimos quase duas vezes o alimento necessário. Então, não basta produzir, é preciso consumir. É preciso chegar até as pessoas e fazer com que as pessoas recebam esse alimento. E é preciso ter renda.
Então, é uma questão política e eu espero discutir esse assunto em todos os fóruns mundiais que eu participar. Podem gostar ou não gostar, mas em todos os fóruns que eu participar, os dirigentes políticos vão ouvir eu falar da desigualdade racial, da desigualdade da comida, da desigualdade dos salários, da desigualdade de tudo.
O mundo é desigual porque a economia, tal como ela é pensada, leva ao mundo desigual. Então, essa é uma coisa que eu estou muito feliz por ter discutido aqui na FAO e ter falado com o Papa.
A segunda coisa que eu estou feliz é porque antes tarde que nunca, finalmente, parece que se encontrou uma saída para o conflito entre Israel e os palestinos. Parece que há muitas possibilidades de um acordo ser definitivo e eu acho que isso é muito importante. Não se vai devolver a vida dos milhões que morreram, mas se devolve, pelo menos, o direito das pessoas a dormirem tranquilas, sem medo de uma bomba, sem medo de um prédio cair. E as pessoas não vão mais ser perseguidas, porque estão procurando alimento para comer.
Eu acho que esse é um passo importante, é um dia muito importante para a humanidade. O fato de que uma coisa que não deveria ter acontecido, mas aconteceu, que poderia ter sido resolvido mais cedo, mas não foi resolvido. Mas eu acho que foi resolvido agora. Eu acho que é motivo de alegria saber que o povo palestino e o povo de Israel vão viver em paz agora. Isso eu acho muito importante.
Também eu acho extremamente importante a gente saber que, se o mundo foi capaz de resolver a questão de Israel, eu penso que está na hora de a gente começar também a pensar em resolver o problema da guerra da Ucrânia e da Rússia, da Rússia e da Ucrânia. Eu acho que é plenamente possível.
Essa guerra já cansou, eu acho que ela já cansou todo mundo. Ela não foi fácil, como os guerreiros que estão em guerra pensavam que era. Nem o Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] conseguiu tomar Kiev com a pressa que imaginava. Nem Kiev, nem os ucranianos conseguiram derrotar os russos. Ou seja, então, eu acho que está na hora de uma reflexão humanitária e tentar parar, para que o mundo viva em paz.
Então, eu volto para o Brasil extremamente feliz por conta disso. Eeu, na verdade, gostaria de ficar em Roma mais um pouco, para descansar um pouco mais, comer uma bela macarronada, mas não vou poder. Vou ter que voltar para o Brasil, porque tem muitos problemas para a gente resolver no Brasil.
Dito isso, eu me coloco à inteira disposição de vocês para boas e poucas perguntas. Quanto mais inteligente a pergunta, mais inteligente a resposta. Está bem?
Ilze Scamparini (Rede Globo): Boa tarde, presidente. Não sei se é inteligente, mas é pertinente. Eu queria saber se o senhor, se deu química com o Papa Leão XIV. Esse já é o quarto que o senhor conhece como presidente. Como ele recebeu o discurso do senhor sobre a fome, sobre essa necessidade do mundo, e se houve uma referência ao presidente Trump [Donald Trump, dos Estados Unidos], ou talvez um pedido indireto, quem sabe?
Presidente Lula: Não, não houve referência ao presidente Trump. Eu posso te dizer que houve muita química na minha relação com o Papa.
Você sabe que eu sou um ser humano que acredita que a relação humana é 80% química e 20% emoção e razão. E por quê? Porque eu tinha lido o documento do Papa, antes de eu conversar com o Papa. Então, parecia que eu estava conversando com alguém que eu já conhecia 20 anos atrás, 30 anos atrás.
Parecia que eu estava conversando com gente que participou da Teologia da Libertação comigo. Dá a impressão que eu estava conversando com Leonardo Boff [teólogo e escritor], com o Frei Betto [frade dominicano], com o Dom Paulo Evaristo Arns [arcebispo], com o Dom Pedro Casaldáliga [bispo], de tanta afinidade que havia entre o propósito do Papa e o propósito da luta contra a fome e a pobreza no mundo.
Então, houve bastante química. Eu convidei o Papa para ir à COP. Ele disse que não pode ir, porque já tem alguns compromissos, inclusive alguns compromissos assumidos pelo Papa Francisco, que ele terá que cumprir. Mas ele disse que a qualquer momento ele estará no Brasil, porque o Brasil é o maior país católico do mundo, e eu acho que ele tem um papel importante.
A Igreja Católica estará bem representada na COP. Mas ele, lamentavelmente, não pode ir e eu compreendo. Posso te dizer que foi um encontro maravilhoso. Parecia que eu estava diante de um ser humano que eu já conhecia há muito tempo. Tal é a facilidade de comunicação que ele me permitiu ter com ele.
David Gonçalves (Jovem Pan): Boa tarde, presidente.
Presidente Lula: Quem está falando? Ah, certo.
David Gonçalves (Jovem Pan): David Gonçalves, da Jovem Pan. Prazer, presidente. Presidente, o senhor vem reforçando o papel do Brasil como articulador no Sul Global. Como a Aliança contra a Fome pode se tornar uma alternativa de poder para essas grandes potências?
Presidente Lula: Olha, eu acabei de falar nesse instante aqui de que eu fiquei muito feliz quando, no G20, a gente aprovou a criação da Aliança Global contra a Fome. Porque eu tenho… Eu estou convencido, quando nós criamos o programa Fome Zero, eu dizia que era um problema político que a gente ia resolver quando a gente fosse criando na sociedade a ideia de que aqueles que comem têm que estender a mão para aqueles que não comem. Porque houve um tempo que o Josué de Castro [médico e filósofo] dizia que o Brasil tinha um problema: que tinha gente que não dormia porque estava com fome e gente que não dormia porque estava com medo dos que estavam com fome.
Não é necessário, o Brasil é um país que produz muito alimento, o mundo produz mais, quase que o dobro dos alimentos necessários. Eu acho que se os países do G20 assumirem a responsabilidade, mais os países do BRICS assumirem a responsabilidade, a gente pode em pouco tempo acabar com a fome.
Eu disse para vocês: não custa caro, são 315 bilhões de dólares, possivelmente, daria para a gente dar comida a 763 milhões de pessoas que estão passando fome. Isso para o mundo que gastou ano passado 2,7 trilhões de dólares em armas, isso é muito pouco para poder produzir a paz.
Então, eu acho que é possível, eu sonho com isso, eu acredito nisso e a minha peregrinação em todos os fóruns que vou participar, é preciso vencer a desigualdade. As desigualdades são inúmeras: a desigualdade de gênero, a desigualdade de raça, a desigualdade de salário, a desigualdade da educação, a desigualdade da saúde. Ou seja, é possível melhorar esse mundo e depende dos dirigentes políticos assumir decisão política.
Eu posso reafirmar para você: a questão da pobreza e da fome não é uma questão econômica, é eminentemente política. E, portanto, todo dirigente, na hora que for discutir o orçamento do seu país, tem que lembrar que tem pobres e não tratados como invisíveis. Se a gente fizer isso, a gente acaba com a fome no mundo.
Américo Martins (CNN): Boa tarde, presidente. Muito obrigado pela oportunidade. O senhor diz que está muito feliz com a questão em Gaza. Hoje é, realmente, um dia histórico. Eu queria saber se o senhor considera que a guerra, de fato, acabou, apesar dos obstáculos que ainda vamos ter pela frente, e se este cessar-fogo abre espaço para o Brasil melhorar as suas relações com Israel e, eventualmente, indicar um embaixador para o governo israelense? Obrigado.
Presidente Lula: O Brasil não tem problema com Israel, o Brasil tem problema com o Netanyahu [Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel]. A hora que o Netanyahu não for mais governo, não haverá nenhum problema entre o Brasil e Israel, que sempre tiveram uma relação muito boa. Nós sabemos o papel que o povo judeu tem feito, inclusive lutando contra a atitude do Netanyahu.
Nós sabemos que o povo judeu não concordava, em muita parte, com aquela guerra. Eu estou feliz, porque, não sei se é definitivo ou não, mas eu estou feliz porque é um começo muito promissor. O fato do presidente Trump ter ido a Israel, ter ido ao parlamento, ter falado, é um sinal muito importante. E agora vai ter reunião no Egito com os países da Europa, eu acho importante. Eu espero que aqueles que ajudaram Israel na sua posição de virulência, agora, ajudem a ter uma paz definitiva.
Eu acho que todo mundo vai ficar feliz. Mais do que eu, o povo palestino e o povo judeu.
Patrícia Nielsen (TV Record): Boa tarde, presidente. Existe aí uma grande expectativa pelo seu retorno ao Brasil e o anúncio para o Supremo. Eu quero saber se o senhor já tem o nome definido, qual o perfil do próximo ministro ou ministra, qual a mulher o senhor está considerando?
Presidente Lula: Você sabe que eu acho, no Brasil, uma coisa muito interessante é que as pessoas acham que as pessoas podem decidir pelo governo. Veja, indicar o ministro da Suprema Corte ou uma ministra é uma tarefa eminentemente do presidente da República.
O que foi precipitado, que não estava previsto, foi o ministro Barroso [Alexandre Barroso, do Supremo Tribunal Federal] se afastar com tanta rapidez. Eu imaginava que ele ia se afastar, mas eu imaginava que fosse demorar um pouco mais. Ora, na hora que ele se afastou, eu agora vou pensar em quem indicar e como indicar.
Eu quero uma pessoa, não sei se mulher ou homem, não sei se preto ou branco, eu quero uma pessoa que seja, antes de tudo, uma pessoa gabaritada para ser ministro da Suprema Corte. Eu não quero um amigo, eu quero um ministro da Suprema Corte que terá como função específica cumprir a Constituição Brasileira. É essa a qualidade que eu quero, é a única que eu quero e é isso.
E foi assim com todos os ministros que eu indiquei até agora, com as ministras e vai continuar sendo assim. Quando eu chegar no Brasil, eu vou conversar com muita gente do meu governo e vou tomar uma decisão. Eu vou anunciar quem é que eu vou mandar para ser promulgado pelo Senado.
Michele Oliveira (Folha de São Paulo): Boa tarde, presidente. A deputada Carla Zambelli está presa na Itália, o Brasil está pedindo a extradição dela. Eu queria saber se o senhor falou sobre isso nesses últimos dias aqui em Roma. E se o senhor acha que isso pode trazer algum ruído nas relações Brasil-Itália, como aconteceu na época do caso Battisti [Cesare Battisti, ex-membro do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC)]?
Presidente Lula: Nem lembrava desse nome. Se você não perguntasse, eu nem saberia que ela estava aqui ou não. Para mim é uma pessoa que não merece respeito de quem ama a democracia. Ela vai pagar pelo erro que fez, ou aqui ou no Brasil. Portanto, é uma questão da justiça, não é uma questão minha.
Deixa mais uma pergunta.
Janaína Cesar (UOL): Boa tarde, presidente. Sou Janaína Cesar, do UOL. Estava na agenda do governo que o senhor encontraria o CEO mundial da TIM [Pietro Labriola] e o da Poste Italiane [Matteo del Fante, da empresa de correios da Itália].
Presidente Lula: Encontrei.
Janaína Cesar (UOL): E o que foi dito nesse encontro?
Presidente Lula: Encontrei e foi importante pelo seguinte: primeiro, porque a TIM, ela tem no Brasil o seu melhor negócio do mundo inteiro. Então, ele foi me agradecer pelo fato dele ter uma boa posição no Brasil. De todos os lugares do mundo, até mesmo mais do que na Itália, é o Brasil que dá rentabilidade à TIM.
A segunda coisa foi o correio. O correio aqui da Itália tem interesse em conversar com o correio brasileiro. E eu disse ao presidente do correio e ao presidente da TIM, que quando eles quiserem visitar o Brasil, para ter contato com o nosso ministro da Comunicação [Frederico de Siqueira Filho] e discutir o correio, quando eles quiserem. Eu, inclusive, acho que eles tinham um problema muito sério no correio aqui, que eles resolveram.
E eu disse para ele que gostaria imensamente de conhecer a experiência bem sucedida deles na recuperação do correio aqui da Itália. Então, possivelmente, haverá um encontro no Brasil. Ou, quem sabe, alguém do Brasil venha à Itália. Foi isso que aconteceu.