Pronunciamento do presidente Lula durante evento com alunos da Rede de Cursinhos Populares (CPOP), em São Bernardo do Campo (SP)

Eu não sei pra que lado falar. Eu não sei se eu falo pra cá, se eu falo pra cá, se eu falo pra cá, se eu falo pra cá. Esse, isso aqui parece mais um forno de fazer pizza. Eu tinha que aprender a ficar rodando pra poder falar com vocês, mas eu tenho a preocupação de ficar tonto aqui.

Eu queria dizer pra vocês sobre a minha alegria e a minha emoção por voltar a São Bernardo do Campo para poder participar de uma festa extraordinária com meninos e meninas, com professores e professoras, que muitas vezes foram tratados como se fossem invisíveis nesse país. Normalmente a elite política não enxergava uma grande parte da população brasileira.

E o nosso desafio, que não é fácil, é dar visibilidade às pessoas negras, às pessoas brancas, às pessoas pobres, aos trabalhadores que só são lembrados em época de eleição para serem enganados, muitas vezes, por políticos que não têm nenhum compromisso com vocês. E é por isso que, de vez em quando, a gente erra na mão e a gente destrói aquilo que a gente construiu.

É muito difícil para um torneiro mecânico dar um aulão depois de falarem os dois melhores ministros da educação que esse país já teve. O Haddad [Fernando, ministro da Fazenda] sabe que eu digo sempre: o Haddad foi o melhor ministro da Educação que o Brasil teve. Quando o Camilo [Santana, ministro da Educação] entrou eu falei: Camilo você tem o desafio de ser melhor do que o Haddad.

E ele tem que trabalhar, porque quando terminar o mandato a gente vai criar uma comissão de julgamento para ver quem foi o melhor. Os dois são da mesma altura, têm o mesmo sorriso, muito caráter, muita dignidade, muita competência e a disputa entre vocês dois quem vai ganhar é o povo brasileiro, são os estudantes brasileiros que vão fazer o Enem.

Eu queria, nessa idade que vocês estão, vocês quando me veem aqui em cima, você fala: “porra, está falando um coroa ali”. Ô cara, sabe qual é a minha vantagem sobre vocês? Sabe qual é a minha vantagem sobre vocês? É que vocês não sabem o que faz um homem de 80 e eu sei o que faz um garoto de 15, de 20. Porque eu já tive essa idade. Eu já tive essa idade. Eu já tive muitos sonhos e muitas vezes eu não tive a oportunidade de realizar o sonho que nós estamos tentando garantir para vocês.

Eu nasci politicamente nessa cidade, como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Foi na porta da Volks, na porta da Mercedes, na porta da Ford, na porta da Ex-Brastemp que tinha aí, na porta da Villares, que a gente conseguiu fazer os mais importantes movimentos da luta dos trabalhadores no final dos anos 70, nos anos 80 e nos anos 90, com o Sindicato dos Metalúrgicos.

E eu quero contar um pouco isso, porque muitas vezes na idade que vocês estão, vocês têm um mundo de incerteza. Você tem um mundo de dúvida na cabeça de vocês. E eu vou contar uma história para que vocês nunca tenham dúvida da capacidade que vocês podem ter de vencer. Eu sou de uma cidade lá em Pernambuco, onde as crianças tinham muita possibilidade de morrer antes de completar 5 anos de idade de fome. E eu sobrevivi. Eu sobrevivi.

Eu digo sempre: eu fui comer um pedaço de pão pela primeira vez com 7 anos de idade, aqui em São Paulo. Eu não tenho diploma universitário. Eu tenho um curso primário e tenho um curso de torneiro mecânico. Eu fui o primeiro filho de uma mãe que abandonou o marido, porque nós viemos de Pernambuco para encontrar meu pai, porque ele deixou minha mãe grávida de mim em 1950 e veio para São Paulo.

Em 1952, a gente veio atrás dele e em vez de a gente encontrar o pai que saiu de Pernambuco, a gente encontrou um homem casado com outra mulher e com uma penca de filhos. A minha mãe com 8 filhos, todos menores, teve a coragem e a dignidade de virar as costas para o meu pai e levou a gente para morar num barraco. E ela sozinha criou 8 filhos. E o caçulinha dela virou presidente da República desse país, a quem eu devo a criação e a educação que eu tive. E é exatamente essa história que eu quero que vocês gravem na cabeça de vocês.

Ninguém na idade de vocês tem o direito de desistir. Ninguém. Por mais que se tenha dificuldade em casa, por mais que se tenha dificuldade financeira, por mais que às vezes as coisas não andem bem, não há possibilidade de vocês, na idade de vocês, desistirem. Porque o que faz a vida valer a pena, o que faz a vida valer a pena de verdade é a gente ter um objetivo, é a gente ter uma causa e a gente perseguir.

Então vocês imaginem, se o menino que nasceu em Pernambuco, que comeu pão pela primeira vez aos 7 anos de idade, que não tem diploma universitário, que foi o primeiro filho da minha mãe a ganhar mais que o salário mínimo, que foi o primeiro filho da minha mãe a ter um televisor, que foi o primeiro a ter uma geladeira, que foi o primeiro a ter um carro e uma casa, tudo por conta de um curso, e chegou à Presidência da República. Se foi possível para mim, é possível para vocês. É possível para vocês. É plenamente possível.

Quem sabe aqui estejam alguns ministros desse país, quem sabe aqui estejam alguns futuros presidentes, governadores e deputados desse país. Porque vocês não podem desanimar. E quando vocês perceberem que a classe política não representa vocês, pelo amor de Deus, não desanimem. Não desanimem.

Quando vocês virem que a classe política está querendo aprovar uma lei que garanta a impunidade de ladrão, ainda assim não desistam. Entrem na política, porque o político bom está dentro de vocês, não está dentro deles. Por isso, não desistam nunca. Não desistam nunca, pelo amor de Deus.

O pai e a mãe de vocês, por mais necessidade que eles tenham, o maior sonho deles não é deixar riqueza para vocês. É deixar uma profissão, é ver o filho ou a filha se formando para que ele possa ter independência na vida. E eu sou fanático, sou fanático. O que me faz ter obsessão pela educação é porque eu não tive educação. Porque esse país nunca levou a sério a educação para o povo pobre. Nunca levou a sério.

Eu digo em todas as palestras minhas. Cristóvão Colombo, em 1492, chegou em Santo Domingo, na República Dominicana. 1492. Em 1532, 40 anos depois, já tinha a primeira universidade em Santo Domingo. Quarenta anos depois. Cabral chegou aqui em 1500, e a primeira universidade brasileira só foi criada em 1920, 420 anos depois. Porque esse país era um país escravocrata. Esse país escravizava não apenas os negros que viam da África, mas os nossos indígenas também eram escravizados e mortos tentando trabalhar, cortando cana.

Então o pobre não precisava estudar. Quem tinha que estudar era o filho deles. Porque ia para a Inglaterra, ia para os Estados Unidos, ia para a França, ia para a Espanha. E o pobre ia cortar cana, ia trabalhar de pedreiro, ia limpar terreno, ia fazer fossa. Era esse o destino que estava traçado para nós. E eu quero dizer para vocês que o destino nosso somos nós que traçamos, e vocês serão o que vocês quiserem ser. Vocês serão o que vocês quiserem ser. É por isso que vocês não podem deixar de cobrar do governo. Cobrar, exigir. Porque se não exigir, a gente pensa que está tudo bem.

E por que eu tenho essa obsessão? Eu sei o que é um trabalhador sem profissão procurar emprego. E sei o que é uma menina sem profissão procurar emprego. Eu sei a quantidade de assédio que uma menina sofre quando vai procurar um miserável emprego para levar o pão para casa. Muitos engraçadinhos ficam chantageando as meninas. E é por isso que é importante vocês estudarem.

Porque um homem com uma profissão, ele tem um emprego melhor, ele tem um salário melhor, ele pode constituir uma família, ele pode ter uma casa, ele pode ter um carro, ele pode viver uma vida de respeito e de dignidade. Se ele não tiver uma profissão e ele chegar para procurar emprego e perguntarem: “o que você sabe fazer? Nada.” A gente que não sabe fazer nada não vale nada no mercado de trabalho.

Ninguém, ninguém nesse país, ninguém é pobre porque quer. Ninguém é pobre porque quer. Ninguém gosta de se vestir mal, de comer mal. Ninguém gosta. Todo mundo quer estar bem. Mas tem um sistema econômico que não permite, que há uma concentração de riqueza. E as pessoas pobres nascem pobres, o pai nasceu pobre, o avô nasceu pobre. E eu acho que a gente não tem que aceitar isso como uma coisa de Deus. Isso é uma coisa dos homens e nós temos que nos rebelar para mudar essa situação.

Uma menina ou uma mulher, uma profissão para ela é quase que uma coisa sagrada. Porque para a mulher uma profissão significa independência. Independência. Uma mulher não pode viver com alguém atrás de um prato de comida. Uma mulher não pode apanhar do marido porque ele paga o aluguel. Uma mulher tem que viver com outra pessoa se ela quiser viver. Por isso ela tem que ser tratada com respeito, com dignidade. E se ela tiver uma profissão, se ela tiver uma profissão, ninguém vai fazer desaforo para ela. Ninguém vai tentar fazer gracinha para ela. Ninguém vai tentar ficar fazendo graça às custas das mulheres.

Mesmo a Constituição proibindo, a gente sabe que tem aumentado a violência contra a mulher. E a violência dentro de casa. E eu digo todo dia, porque eu tive um pai assim. Um homem que bate numa mulher, ele não é homem. Um homem que bate numa mulher, ele não é homem. Minha mãe era analfabeta. Nasceu e morreu analfabeta. Ela dizia: “meu filho, se um dia você tiver uma desavença com a sua mulher, e você tiver que brigar com ela, nunca brigue e nunca levante a mão. Saia de casa. É mais digno, é mais corajoso, é mais honroso”. Porque mulher não é saco de pancada de homem nenhum e de ninguém nesse mundo.

Por isso, a profissão para vocês é sagrada. Por isso eu aposto na educação. Porque não existe nenhum país do mundo que se desenvolveu sem antes investir na educação. Nós não queremos ser apenas exportador de soja, exportador de milho, exportador de minério de ferro. A gente quer exportar conhecimento, inteligência. A gente quer exportar valor agregado produzido pela nossa capacidade.

Veja que coisa absurda. Este país, com 215 milhões de habitantes, descoberto em 1500, que teve um imperador, que teve um rei, que teve tantos fazendeiros, tantos advogados, tantos professores governando desse país, precisou chegar um operário metalúrgico para ser o presidente que mais fez universidade na história desse país e mais fez ensino técnico nesse país. Porque aqueles que podem mandar seus filhos estudar fora não estão preocupados com aqueles que precisam estudar aqui.

E eu tenho uma alegria imensa. Ainda é pouco. Nós precisamos fazer mais. Eu estava falando para o Haddad agora. Nós aprovamos o Pé-de-Meia. O Pé-de-Meia nós aprovamos, companheiros deputados e deputadas e prefeitos. Nós aprovamos o Pé-de-Meia, porque nós descobrimos pelo IBGE que 480 mil meninos e meninas do Ensino Médio estavam desistindo da escola para ajudar no orçamento familiar. E um governo que deixa um menino ou uma menina desistir da escola por falta de incentivo financeiro não é governo. É uma tranqueira. E por isso nós aprovamos o Pé-de-Meia que já atende 4 milhões [de estudantes].

E eu estava dizendo para o Haddad. Nós temos 6 milhões de alunos no Ensino Médio. E a gente vai ter que discutir com muito carinho, com o Haddad e com o companheiro Camilo. Porque dentro da mesma sala de aula tem um aluno que recebe o Pé-de-Meia e outro que não recebe. E às vezes a diferença de salário são 50 centavos, são 100 centavos. Então, nós precisamos aprovar a universalização do Pé-de-Meia para que todas as pessoas possam ter o direito de estudar. É difícil. A Faria Lima vai brigar com a gente. Os banqueiros vão reclamar: “nossa, esse governo está gastando R$ 13 bilhões com o Pé-de-Meia. Poderia estar aqui na Faria Lima, para a gente ganhar mais dinheiro”.

E nós não estamos gastando. Gastando a gente estaria se o dinheiro fosse para eles. Nós estamos investindo na sobrevivência da nossa juventude. Na sobrevivência dos nossos negros, do nosso povo periférico, que muitas vezes não teve chance na vida. É por isso que nós criamos uma universidade chamada Unilab. Uma universidade entre Brasil e África. A universidade está no Ceará, na cidade de Redenção, que é a primeira cidade que aboliu a escravidão no Brasil. Lá estão estudando meninos e meninas de Angola, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe, de Cabo Verde, de todos os países de língua portuguesa.

E nós também fizemos a universidade em Foz do Iguaçu, da América Latina. A gente quer formar uma doutrina latino-americana, com professor latino-americano, com estudante latino-americano. Para que a gente possa sonhar que esse continente um dia vai ser independente, que nunca mais um presidente de outro país ouse falar grosso com o Brasil, porque a gente não vai aceitar.

Não é uma questão de coragem. É uma questão de dignidade e de caráter. Porque a dignidade e o caráter vocês não comprarão em shopping, vocês não comprarão em free shop, vocês nunca compraram, vocês adquiriram no berço. É o pai e a mãe de vocês que deram a sustentabilidade de caráter para definir o que a gente é. E cabe a nós, do governo, apenas abrir a porta para que vocês possam entrar com a energia de vocês, com a força de vocês, com o sonho de vocês, e dizer: “o Brasil do futuro será melhor do que o Brasil do presente”.

Não existe ninguém melhor do que ninguém. O que nós temos é gente com oportunidade e gente de oportunidade. Eu não quero prejudicar ninguém, mas eu quero que a filha da empregada doméstica possa fazer o ENEM [Exame Nacional do Ensino Médio] ao lado do filho da patroa dela e vença aquele que for mais qualificado. É apenas isso que eu quero e é isso que vocês desejam.

Portanto, meus queridos companheiros e companheiras, meus meninos e minhas meninas, se espelhem naquilo que eu vou dizer para vocês. A desgraça, a desgraça de quem não gosta de política é que é governado por quem gosta. E, se quem gosta for uma tranqueira, vocês serão governados por uma tranqueira. Não coloquem raposa para tomar conta do galinheiro, porque ele vai comer as galinhas.

Esse país está na mão de vocês. Esse país está na mão de vocês. E vocês serão responsáveis. Se eu cheguei, vocês podem chegar. Se eu não tive chance, vocês estão tendo a chance. Pelo amor de Deus, agarrem essa chance com as duas mãos. Se dediquem.

Esses dias o Camilo me levou uma menina, filha de um trabalhador rural lá em Brasília. Ela passou em cinco vestibulares de Medicina. Cinco vestibulares. Era uma menina pobre. Ela contou para mim que ela entrou na igreja, ela é evangélica, e ela sentiu uma voz dizendo para ela ser médica.
E ela se dedicou a estudar. Se dedicou. Ela não teve sábado. Ela não teve domingo. Ela não tinha balada. Ela não tinha preguiça. Ela estudava. E ela passou em cinco vestibulares de Medicina.

Todos vocês podem. Todos vocês podem. É só vocês quererem: “eu quero ser. Eu quero vencer. Eu quero ser médico. Eu quero ser engenheiro. Eu quero ser matemático. Eu quero ser filósofo. Eu quero ser psicólogo. Eu quero ser enfermeira”. Sejam o que vocês quiserem. E nós estaremos para dar sustentação a vocês.

Viva os cursinhos populares. Viva o Enem. E viva a juventude brasileira.

Um beijo no coração.