Pronunciamento do presidente Lula durante sanção da Carteira Nacional Docente

Eu não ia falar, companheiro Camilo [Santana, ministro da Educação], mas eu tenho que falar, para o Stuckert [Ricardo, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual] bater a fotografia e filmar falando.

Eu só queria contar um fato aos professores brasileiros e às professoras. Isso que o Camilo falou, que está passando por um processo de transformação na educação brasileira, é porque é todo um trabalho de convencer todos os entes federados que, se a gente não trabalhar em parceria, para que o prefeito, o governador e o Governo Federal tentem fazer as coisas de forma plena, trabalhando junto, com muita complementaridade, a gente fica governo, deixa o governo, entra governo, sai governo, e a gente continua com a qualidade da educação muito ruim, e a gente continua com as crianças não se alfabetizando na hora certa.

Eu lembro que, durante muitos anos, o Brasil teve muitos debates sobre educadores famosos no Brasil, que a gente discutia a educação de adultos. Tinha discussões que não terminavam nunca, se compensava educar uma pessoa com mais de 70 anos, se compensava educar uma pessoa com mais de 50 anos, se não era melhor a gente apostar na meninada e pensar que a gente ia ter gerações que não iam ter mais analfabeto no Brasil, e as coisas não conseguem andar direito.

Entra um prefeito que é dedicado, faz as coisas corretas, aí sai aquele prefeito, entra outro que já não tem a mesma sequência, entra um governador que não pensa do mesmo jeito, entra um presidente que não pensa do mesmo jeito, e a sociedade vai pagando. A criação de um Sistema Único de Saúde é uma coisa tão extraordinária, um plano de educação é tão extraordinário, porque independente de quem seja o governo, a coisa tem que funcionar.

Não pode ser um programa de governo, tem que ser um programa de Estado para que as coisas aconteçam. Da mesma forma que eu dizia que a gente só iria acabar com a fome no país e no mundo o dia que você transformar a fome num problema político. Enquanto a fome é só um problema social, você sabe que ele existe, mas ele não é meu, eu não me importo com ele, não sou eu que estou passando fome.

Agora, quando você transforma numa política de Estado, você vai ter que colocar o dinheiro no orçamento. E quando você coloca o dinheiro no orçamento, significa que o Estado está assumindo a responsabilidade e as coisas vão acontecer. Então, é isso que nós queremos que aconteça na educação, é isso que nós queremos que aconteça na saúde, e é isso que a gente quer que aconteça com os nossos professores.

Quando o Camilo me comunicou que tinha muita gente que não queria mais estudar para ser professor, alegando que a profissão era muito sofrida e que muitas vezes o salário não compensava, era normal que os melhores alunos do Enem quisessem fazer outra coisa, e não ser professor. Então, quando ele me propôs a ideia de a gente criar uma bolsa para garantir que os melhores alunos do Enem quisessem ser professores, eu achei aquilo uma ideia extraordinária, porque a gente não fica escolhendo o que sobrou, a gente escolhe o que tem de melhor, para que os professores também sejam cada vez melhores.

Porque o que acontece, na verdade: as escolas não podem ser um local de angústia para a criança, um local de sofrimento para a criança. A escola tem que ser o lugar do prazer da criança comparecer. Uma criança tem que levantar de manhã e ela tem que ter prazer de ir para a escola, ela precisa pedir para a mãe ir para a escola, ela precisa achar prazeroso ir para a escola. Se ela não está sentindo isso, alguma coisa está acontecendo.

E isso nós temos que descobrir para a gente motivar. Você sabe como é que eu aprendi isso? Nas Olimpíadas da Matemática.

Aqui, em 2005, quando a gente resolveu criar a Olimpíada da Matemática, em 2004, na verdade, que a gente resolveu criar, havia uma cisma de que alunos de escola pública não participariam das Olimpíadas. As Olimpíadas existiam no Brasil, com 200 e poucos mil alunos, o estado que tinha mais era o Ceará e o segundo estado era o Piauí. Não era nem São Paulo, nem Rio de Janeiro.

E era de escola particular. Quando nós resolvemos fazer de escola pública, os azarões de sempre, aquelas ovelhas que "não, não vai dar certo e não sei das quantas, porque pobre não tem interesse nisso". O que aconteceu? Quando nós fizemos a primeira inscrição, a gente conseguiu 10 milhões de crianças nas Olimpíadas da Matemática nas escolas públicas.

No segundo ano, era o ano da eleição, 2006, não deixaram a gente sequer colocar um cartaz na porta da escola, sequer. Se inscreveram 14 milhões. Em 2007, foram 18 milhões. E aí o que aconteceu? A meninada, a professora do IMPA [Instituto de Matemática Pura e Aplicada], a professora Suely Druck, ela me dizia o seguinte: "Ô Lula, sabe quando é que uma criança vai começar a gostar de Matemática? Quando ela aprende a desenrolar o casulo, quando ela aprende". Tudo tem um comecinho. Se ele conseguir acertar no começo da Matemática, vai ser a matéria que ele mais gosta.

Eu tenho feito muita pergunta para criança onde eu vou e uma das aulas que elas mais gostam é exatamente a de Matemática. E a Olimpíada virou um sucesso extraordinário. Nós passamos a ter a maior Olimpíada do mundo. Era a Rússia, mas nós passamos a Rússia em ser a maior Olimpíada do mundo. E é uma coisa extraordinária você motivar a criança a gostar da matéria. Se a gente motiva a criança a gostar da matéria, ele vai achar que Português é fácil, que Ciência é fácil, que tudo é fácil.

Por isso é que eu tenho uma preocupação de fazer com que a criança seja alfabetizada no momento certo. Porque se uma criança passa o dia inteiro na escola e ao terminar ele não aprendeu nada, ele não entendeu o que falaram e ninguém perguntou para ele “você entendeu?”, e ele vai para casa sem saber as coisas.

Se ele tiver uma mãe de classe média, uma mãe com uma certa formação, a mãe vai chegar em casa e vai orientar ele. E quem não tem? Vai chegar no outro dia sem saber. E no outro dia vai ficar sem saber.

Então, eu acho que é isso que a gente tem que fazer na educação brasileira. A educação tem que ser definitivamente a coisa mais importante que um chefe de Estado precisa dedicar ao seu povo. Porque é através da educação que a gente vai criar o perfil, a cara e a soberania dessa nação que nós pertencemos.

Segundo, eu queria contar para vocês a história dessa carteirinha. Vocês estão vendo o Camilo e a Esther [Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos] ali, dando risada, parecem dois amigos. Porque no governo é assim, né? No governo, os ministros, quando têm divergência, eles vão para a Casa Civil, levam o problema, discutem, discutem. E às vezes demora para chegar na mão do presidente, porque eles sempre falam: "Nós não queremos levar problema para o presidente, nós queremos trazer para o presidente a solução". E muitas vezes não tem solução se não chegar no presidente.

E o caso da carteirinha chegou na Presidência. Então, a Esther é responsável pela nossa nova Carteira de Identidade Nacional. Você veja que absurdo. Hugo [Motta, presidente da Câmara dos Deputados], veja que absurdo. Em dezembro de 2010, nós começamos a fazer a nova Carteira de Identidade Nacional. Eu tenho a carteira 01.

Bom, eu deixei a Presidência dia 31 de dezembro. Quando eu voltei, 15 anos depois, estavam paradas as carteiras. Não foi feito nada depois que eu saí da Presidência. Porque acharam que não tinha dinheiro e aí, como não era prioridade, não foi feita. E ela, então, está com a responsabilidade de fazer, e é um problema difícil, porque às vezes os governadores demoram para fazer.

É sempre muito trabalhoso. E ela achava que não era necessário fazer uma carteira antes de fazer a Carteira Nacional, que é a carteira que vale tudo, e fica nesse lenga, lenga. Aí, eu fui chamado para uma reunião, e sentaram os dois, sempre com muita gentileza. E o Camilo falou assim: "Presidente, se o senhor me autorizar, eu não quero brigar com a Esther. Se o senhor me autorizar, eu vou fazer o seguinte, eu vou voltar um dia para o Senado, vou apresentar um Projeto de Lei da carteira, vou articular, o Senado e a Câmara vão aprovar, e a Esther vai ter que ver o senhor sancionar essa carteira na frente dela". E aqui está o projeto.

E eu posso garantir para vocês, eu posso garantir para vocês que é uma coisa extraordinária. É uma coisa extraordinária. E ela vai ter direito a uma carteira porque ela é professora. Ela vai ter direito a uma carteira. E eu quero valorizar a dedicação do Camilo nesse negócio. Porque ter a ideia de não querer brigar mais com a Esther, sair do ministério, ir ao Senado, fazer a proposta, apresentar, trabalhar e aprovar a proposta, aí é o máximo do máximo mesmo.

Nem o Fux [Luiz, ministro do Supremo Tribunal Federal] seria capaz de ser igual a você. Então, eu quero terminar dizendo o seguinte, eu tive o prazer de ter o melhor ministro da Educação que era o companheiro Fernando Haddad [atual ministro da Fazenda]. E quando eu convidei o Camilo para ser ministro da Educação, eu convidei o Camilo porque eu conheci as proezas da educação no Ceará, um estado pobre que tinha a melhor performance na educação brasileira. Então, alguma coisa tinha que acontecer lá. Alguma coisa estava acontecendo. E obviamente que era resultado de política feita pelo governador.

E uma coisa interessante, gente, é que 40% das pessoas aprovadas para entrar no ITA, que é o Instituto Tecnológico de Aeronáutica lá em São José dos Campos, era do Ceará. 40%. Foi por isso que nós levamos o ITA para lá.

Foi um prêmio à inteligência, aos educadores do Ceará que conseguiram fazer com que essas coisas acontecessem no estado do Ceará. Numa demonstração que pode acontecer em todos os estados. E muitas vezes, eu acho que vocês acompanham, quando saem as informações de educação, todo mundo pensa que era São Paulo que era para ser o melhor, e não é São Paulo. Muitas vezes não é o Rio de Janeiro. Muitas vezes não é o Rio Grande do Sul. Não são os estados mais ricos, às vezes são os estados mais pobres.

Numa demonstração de que a dedicação do responsável é resultado do sucesso, gente. É resultado do sucesso. É isso que a gente quer fazer no Governo Federal. É mais difícil, porque no estado ele manda e as coisas acontecem. Ele tem mais domínio sobre a relação com os prefeitos, é tudo mais próximo. Aqui, você tem que convencer o Jorginho [Mello, governador] de Santa Catarina a fazer o que nós queremos para a educação. Então, é mais difícil aqui. Você tem que tentar convencer.

Mas eu acho que ele está conseguindo. E eu posso dizer para vocês, o Haddad já sabe que se a gente conclui tudo que a gente está concluindo, o Haddad não vai perder a performance dele, porque o ProUni, o Fies, o Reuni foram uma marca extraordinária. Mas agora, dar sequência a isso, ele falou 100 Institutos novos. O que ele não sabe é que eu já prometi mais três.

O que é coisa fantástica é o seguinte, a gente viajava o Brasil e você chegava na cidade, o prefeito ficava pedindo um dinheiro para alguma coisa. Hoje não, hoje as pessoas pedem Instituto Federal. Então, o meu amigo Pezão [Luiz Fernando de Souza], prefeito de Piraí, falou para mim: "Pô, presidente, eu tenho um prédio, está pronto o prédio, eu dou o prédio, me traga o instituto para cá". Eu falei para o Camilo: "Vamos levar". Vamos levar o instituto. Quem vai fazer 100, faz 101, quem faz 101, faz 102, quem faz 102, faz 103.

E assim, a gente vai dar a esse país, nesse mandato, aquilo que poderia ser dado há 50 anos atrás e não foi dado, porque senão a gente não seria um país com 60% das pessoas mal e porcamente formadas no ensino fundamental.

E para terminar, quero dizer para vocês, eu quero minha carteira. Eu, eu sou professor de muitas coisas, inclusive eu fui diretor, nunca coloquei no meu currículo isso, mas eu fui diretor do Centro Educacional Tiradentes, que era um curso de Madureira no sindicato, com 1.900 alunos, esse Lulinha Paz e Amor aqui era o diretor daquela escola. Parei de ser diretor, porque eu também estudava e eu descobri que eu tinha sido eleito no sindicato para atender os trabalhadores, não para estudar na escola do sindicato. Deixei de estudar, porque o curso começava às sete horas e os trabalhadores só chegavam no sindicato depois das seis e meia. E eu achava que não era justo os trabalhadores do sindicato me procurarem e eu estar dentro da sala de aula. Aí saí da sala de aula para esperar os trabalhadores.

Compensou, porque se não eu não estava aqui. Um beijo no coração, parabéns.