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Perspectivas Cidadãs: Brasil precisa pôr fim ao desmatamento e o mundo adotar metas ambiciosas contra a crise do clima

Em articulação global pelo cumprimento das metas para o clima, sociedade civil espera ação mais ambiciosa dos G20, financiamento robusto e inclusão das comunidades mais afetadas pelos desastres ambientais nas ações de enfrentamento à crise climática.

07/11/2024 09:21 - Modificado há um ano
Articulada em redes globais de cooperação pelo clima, sociedade civil espera celeridade e metas mais ambiciosas contra a crise
Articulada em redes globais de cooperação pelo clima, sociedade civil espera celeridade e metas mais ambiciosas contra a crise
Por Mara Karina Sousa-Silva/Site G20 Brasil

Longos períodos de estiagem, calor intenso, chuvas severas e inundações fizeram de 2024 o ano da catástrofe climática. O mundo perdeu milhares de vidas humanas, os impactos nos ecossistemas mal podem ser mensurados. Apenas no primeiro semestre, os desastres podem ter custado 120 bilhões de dólares, de acordo com um levantamento realizado pela seguradora Munich Re. 

Para a sociedade civil, o cenário já era previsto e acirra a responsabilidade dos governos do G20 por celeridade nas medidas de enfrentamento, adaptação e mitigação da crise do clima. Ancorados por evidências científicas sobre o aquecimento global, seus impactos para o acirramento dos desastres ambientais e reunidos numa rede de cooperação internacional robusta, os grupos têm atuado em frentes diversas para instar compromissos globais e políticas públicas locais que consigam frear a piora do cenário climático no mundo.

Por Geledés - Instituto da Mulher Negra, Letícia Leobet, assessora internacional, tem acompanhado a articulação da sociedade civil global por saídas imediatas para a crise do clima. Ela indica que para limitar o aquecimento global uma série de medidas precisam ser tomadas e, no caso do Brasil que busca liderar pelo exemplo, propõe como fundamental zerar o desmatamento ilegal até 2030 para garantir a proteção e restauração e um equilíbrio climático. Mas pontua firmemente que esse esforço deve ser acompanhado pelo mundo. 

“Esse esforço deve ser acompanhado por iniciativas globais de restauração, pelo investimento em formas alternativas de energia que sejam renováveis e culturalmente sensíveis aos territórios e pelo fortalecimento e apoio aos povos e comunidades tradicionais da floresta que preservam a biodiversidade, reconhecendo os serviços ambientais prestados por essas populações”, sugere Leobet. 

Letícia aposta que as metas de mitigação da crise do clima sejam distribuídas de forma equitativa, considerando a responsabilidade histórica para o cenário e o tamanho das economias. No caso do Brasil, ela acredita que deve contribuir para o esforço global de redução de emissões até 2035 para inspirar outros países do G20 a aumentar suas próprias metas. “Essa tem sido uma grande exigência da sociedade civil brasileira, com a centralidade do combate ao racismo ambiental, essa meta deve apontar a construção de políticas públicas que reduzam as desigualdades sociais, raciais e ambientais no país”, revela.

Letícia aposta que as metas de mitigação da crise do clima sejam distribuídas de forma equitativa, considerando a responsabilidade histórica para o cenário e o tamanho das economias. No caso do Brasil, ela acredita que deve contribuir para o esforço global de redução de emissões até 2035 para inspirar outros países do G20 a aumentar suas próprias metas. “Essa tem sido uma grande exigência da sociedade civil brasileira, com a centralidade do combate ao racismo ambiental, essa meta deve apontar a construção de políticas públicas que reduzam as desigualdades sociais, raciais e ambientais no país”, revela.

Maiara Folly, diretora-executiva da Plataforma CIPÓ e co-líder da Força-tarefa do T20 Brasil para a Ação Climática e Transições Energéticas Inclusivas e Justas, destaca que as soluções para enfrentar o cenário não dependem exclusivamente deste grupo de países, mas é essencial que atuem na liderança para limitar o aquecimento global a 1,5°C. 

“Dado seu peso político e econômico, e sendo responsáveis por cerca de 80% das  emissões de gases de efeito estufa, a liderança dos países do G20 é fundamental. É essencial que os países do G20 adotem medidas concretas para implementar os compromissos previamente assumidos, inclusive nas COPs e no próprio G20”, pontuou Folly. 

Maria Netto, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade - ICS, ressalta que, ainda que as declarações do fórum não sejam vinculantes, ou seja, que geram obrigações para os países-membros do fórum, cria um espaço significativo de diálogo entre as nações, bem como compromissos dos chefes de Estado, 

“Traz um processo de continuidade, de acompanhamento técnico durante o ano, que é bastante interessante. Não são necessariamente só decisões que têm uma meta individual, mas uma meta coletiva. Os países juntos trabalharão e vão pedir que, por exemplo, os fundos globais internacionais, do clima, os multilaterais, sigam esse roteiro e apresentem resultados”, pontuou Netto ao destacar como exemplo os debates da Trilha de Finanças do fórum, focados na ampliação do financiamento para enfrentar a crise do clima.

Maiara Folly, da Plataforma Cipó: A necessidade de financiamento aumenta em um contexto no qual os países ricos falharam em entregar os já muito insuficientes 100 bilhões de dólares anuais | Foto: Ricardo Stuckert / PR
Maiara Folly, da Plataforma Cipó: A necessidade de financiamento aumenta em um contexto no qual os países ricos falharam em entregar os já muito insuficientes 100 bilhões de dólares anuais | Foto: Ricardo Stuckert / PR

Uma meta de financiamento mais ambiciosa 

Um estudo da Oxfam Global publicado em 2023 revelou que mesmo que os efeitos da crise do clima afetem todos os países da mesma forma, as nações mais ricas são responsáveis por mais emissões de carbono, a causa mestra das alterações climáticas, devido à exploração imprudente de combustíveis fósseis para gerar energia. O relatório revela que a mudança de cenário passa por uma transição energética e que as economias ricas e industrializadas passem a pagar pelos dados já causados, principalmente aos países do Sul Global, mais afetados pelo caos do clima. 

Folly explica que as ações de adaptação e mitigação nos países em desenvolvimento dependem de recursos da ordem dos trilhões de dólares anuais. “Essas necessidades de financiamento aumentam em um contexto no qual os países ricos falharam em entregar os já muito insuficientes 100 bilhões de dólares anuais prometidos para promover a ação climática no Sul Global. O acúmulo de promessas não cumpridas vem gerando um ambiente de tensão e desconfiança entre os países e um descrédito no regime climático internacional de modo geral”, salienta. 

É a partir deste panorama, que Maiara pontua as expectativas para a COP 29 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), que acontece nas próximas semanas em Baku, no Azerbaijão. De acordo com a especialista, o encontro vem sendo chamado de COP do Financiamento justamente pelo foco em um um acordo sobre uma Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático (CQG). Para ela, precisa ser robusta e atender de forma equilibrada às necessidades de adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento para que consigam lidar com as perdas e danos já causados pelas mudanças do clima. 

“É essencial que o G20 e a comunidade internacional assumam uma liderança mais firme, estabelecendo regulamentações mais rigorosas para alinhar os fluxos financeiros internacionais aos objetivos do Acordo de Paris e do Marco Global da Diversidade Biológica de Kunming-Montreal. Essas medidas também precisam levar em consideração o objetivo global de deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Fortalecer a cooperação internacional para que o setor financeiro apoie metas climáticas e de proteção da biodiversidade é urgente, e o G20 deve liderar esse processo”, conclui.

“Além de assegurar recursos em escala suficiente, é fundamental garantir a qualidade desse financiamento. Países desenvolvidos frequentemente contabilizam como financiamento climático uma série de empréstimos — incluindo aqueles de fontes privadas e com juros de mercado —, o que na prática tem agravado o endividamento das nações mais vulneráveis. Portanto, é imprescindível que a maior parte do financiamento venha de fontes públicas, na forma de doações e em condições altamente concessionais e com vencimentos de longo prazo”, salienta a diretora-executiva da Plataforma Cipó. 

Maiara defende que há recursos suficientes para enfrentar adequadamente as mudanças do clima e preservar a biodiversidade dos ecossistemas, mas que são mal destinados. Ela usa como exemplo, que os subsídios governamentais à indústria de combustíveis fósseis somaram 7 trilhões de dólares só e m 2023, de acordo com dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), ignorando os alertas científicos para cortar emissões de gases de efeito estufa. Além disso, há um volume expressivo de investimentos em setores que causam perdas significativas de biodiversidade, incluindo o desmatamento ilegal, enquanto apenas 200 bilhões de dólares foram destinados à conservação e restauração da biodiversidade em 2023.

“É essencial que o G20 e a comunidade internacional assumam uma liderança mais firme, estabelecendo regulamentações mais rigorosas para alinhar os fluxos financeiros internacionais aos objetivos do Acordo de Paris e do Marco Global da Diversidade Biológica de Kunming-Montreal. Essas medidas também precisam levar em consideração o objetivo global de deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Fortalecer a cooperação internacional para que o setor financeiro apoie metas climáticas e de proteção da biodiversidade é urgente, e o G20 deve liderar esse processo”, conclui. 

Leboit pontua a necessidade de abordagens mais ambiciosas, que apontem para a reorientação completa da economia global, necessária para a redução rápida e decisiva no uso de combustíveis fósseis. “Os países ricos devem cumprir sua parte no financiamento da transição energética, garantindo que nações com menos recursos possam eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e investir em infraestrutura de baixo carbono. E apoiarem um fundo para adaptação às mudanças climáticas, que seja separado do fundo e das ações de perdas e danos”, assevera. 

A assessora de Geledés espera ainda que a Conferência seja espaço para a incorporação de uma linguagem mais inclusiva dos documentos oficiais, que considere as especificidades raciais nas agendas  sobre gênero e clima e sobre objetivos globais de adaptação climática. Ela pontua que a sociedade civil global também espera que indicadores desagregados sejam levados em consideração para cumprimento das metas para o clima. 

“Essa inclusão é vista como um passo importante para que a agenda climática passe a reconhecer as desigualdades estruturais e o racismo ambiental que impactam de maneira desproporcional as populações vulnerabilizadas e marginalizadas. Espera-se que esses indicadores levem em conta as desigualdades estruturais, que destaquem as perspectivas de raça e gênero de forma desagregada, estabelecendo metas concretas para a implementação das políticas de adaptação”, explica.

Letícia Leboet, de Geledés: “O reconhecimento do racismo ambiental é essencial para essa abordagem, pois é necessário enfrentar o racismo sistêmico”. | Foto: Fundação Cultural Palmares/ MinC
Letícia Leboet, de Geledés: “O reconhecimento do racismo ambiental é essencial para essa abordagem, pois é necessário enfrentar o racismo sistêmico”. | Foto: Fundação Cultural Palmares/ MinC

Transição ecológica sem deixar ninguém para trás 

Na perspectiva de Leobet, a promoção de uma transição ecológica justa insta reconhecer os planos domésticos para o clima para incluir evidências sobre os conhecimentos tradicionais indígenas, afrodescendentes, quilombolas entre outros grupos de acordo com a especificidade territorial para que os saberes locais estejam incluídos nas estratégias pelo clima e a biodiversidade. Além disso, ela defende que as medidas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas priorizem as comunidades mais vulnerabilizadas e afetadas por desastres ambientais.

“O reconhecimento do racismo ambiental* é essencial para essa abordagem, pois é necessário enfrentar o racismo sistêmico, que historicamente marginalizou essas populações, e buscar soluções antirracistas que revertam a situação de vulnerabilidade social, política e econômica dessas comunidades”, disse. 

Leboet apresenta o conceito de adaptação antirracista, proposto por uma coalializão de organizações da sociedade civil brasileira, com objetivo de enfrentar as desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais por meio de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. Para a cientista social, a dimensão étinico-racial precisa ser considerada para que as políticas ambientais deem conta de enfrentar o impacto desproporcional das crises sobre essas comunidades. 

* Racismo ambiental: trata-se do conceito brasileiro de que a situação socioeconômica das populações étnicas e minorizadas impõem condições de vulnerabilidade que aumentam a exposição aos danos gerados pelas tragédias e degradações ambientais.

“Um dos principais desafios é o reconhecimento e o enfrentamento do racismo ambiental e de como o racismo sistêmico se sobrepõe às vulnerabilidades climáticas. Esse reconhecimento é essencial para que as políticas ambientais sejam formuladas com um enfoque antirracista e para que se compreenda que as populações afrodescendentes e indígenas historicamente foram e ainda são mantidas em condições de vulnerabilidade social e econômica”, salientou. 

O financiamento volta à baila como um desafio para a transição justa. Na avaliação de Letícia,sem o foco em justiça climática e equidade, os mecanismos de fomento verde tendem a beneficiar territórios e grupos menos vulnerabilizados “perpetuando o ciclo de exclusão”, disse. Outra questão, é a falta de participação das comunidades mais afetadas nas decisões políticas, impedindo que as políticas públicas sejam de fato eficazes e justas. 

“A cooperação internacional, bem como o compromisso dos países ricos em financiar a transição energética de forma justa, são fundamentais para enfrentar esse obstáculo.A ausência dessas vozes nos processos de formulação e implementação resulta em soluções descoladas das realidades locais e das necessidades específicas dessas populações”, analisa Leobet. 

Brasil se prepara para sediar a COP 30 em Belém do Pará. Sociedade civil tem expectativas ambiciosas para o papel do país como líder global pelo clima.
Brasil se prepara para sediar a COP 30 em Belém do Pará. Sociedade civil tem expectativas ambiciosas para o papel do país como líder global pelo clima.

Uma COP no Brasil 

Em 2025, o Brasil terá uma responsabilidade histórica ao sediar a COP 30, em Belém, capital do Pará. A assessora internacional de Geledés espera que o país consiga fazer a diferença e pautar uma agenda que supere as metas para o clima e incorpore discussões de justiça social e equidade étinico-racial. Ela aponta que o país deve influenciar o mundo com um exemplo de justiça climática que considere desigualdades estruturais.

Inspirada pela COP 16 (Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade), realizada em outubro em Cali, na Colômbia, onde a inclusão da população afrodescendente foi um destaque nas negociações, Letícia enfatiza que o Brasil também deve dedicar esforços significativos para integrar essas questões em debates centrais. "O Brasil tem a chance de usar sua posição para fortalecer o papel das nações em desenvolvimento e para pressionar por mais financiamento climático e justiça ambiental".

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