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DOENÇA RARA
Diagnóstico precoce e tratamento especializado ajudam a conter a Atrofia Muscular Espinhal
SUS assegura acesso às terapias para enfrentar a doença
Publicado em
06/08/2025 10h07
SUS garante acesso gratuito a medicamentos e acompanhamento multidisciplinar que ajudam a conter o avanço da AME.
Nesta matéria, você verá:
. Entendendo a AME: causa, tipos e sintomas
. Triagem Neonatal
. “Diagnóstico não é destino”
. Tratamento multidisciplinar garantido pelo SUS
Belém (PA) – A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma doença genética rara que afeta, principalmente, recém-nascidos, mas pode aparecer em adultos. Ela faz com que os neurônios motores se degenerem, comprometendo, ao longo do tempo, os movimentos e a força muscular. Com os avanços no diagnóstico e tratamento, descobrir a doença cedo é fundamental para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e conter a progressão dos sintomas. Por isso, especialistas da Rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) alertam para a importância do teste do pezinho e do acesso aos tratamentos que estão disponíveis via Sistema Único de Saúde (SUS).
Entendendo a AME: causa, tipos e sintomas
A AME afeta os neurônios motores da medula espinhal e do tronco cerebral, levando à fraqueza e atrofia muscular progressivas, explica a neurologista pediátrica Ara Rubia, do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), do Complexo Hospitalar Universitário da Universidade Federal do Pará (CHU-UFPA). Segundo a especialista, em cerca de 90% dos casos a doença é causada por uma falha no gene SMN1, localizado no cromossomo 5 (razão pela qual a AME é conhecida como 5q); os outros 10% são causados por outros genes, identificados em testes genéticos.
Os sintomas da AME incluem perda dos movimentos, fraqueza muscular, hipotonia, diminuição dos reflexos, movimentos involuntários da língua e tremor das mãos. Por isso, alerta Ara Rubia: “Quanto mais cedo identificamos a AME, mais neurônios podemos preservar. Tempo é neurônio”.
A AME é classificada em quatro tipos, conforme a idade em que os sintomas aparecem e a gravidade da perda muscular. O tipo 1 é o mais grave e costuma se manifestar até os seis meses. No tipo 2, os sintomas surgem entre seis e 18 meses (a criança se senta, mas não anda e pode ter dificuldades respiratórias e deformidades ósseas). O tipo 3 aparece após os 18 meses, com perda progressiva da capacidade de andar. Já o tipo 4 é mais leve e raro, com sintomas na vida adulta e menor impacto motor.
“Diagnóstico não é destino”
Diagnosticado com AME tipo 1 aos três meses de vida, João Lucas Ribeiro, hoje com 11 anos, teve complicações mais severas da doença e passou sete anos internado no Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba (HUWL-UFPB), porque ele precisa da respiração mecânica. Até que, em 2021, passou a receber estrutura para tratamento em casa, com assistência de homecare pelo SUS.
A mãe, Sonali Rodrigues, de 29 anos, relembra: “Mesmo morando sete anos no Hospital, conseguimos viver momentos que me fortaleceram e me encorajaram a seguir firme e forte. Sempre arrumamos um jeito, junto com a equipe, para que João não perdesse o que há de mais belo: a infância”. Ela ainda destaca a força do filho durante o tratamento: “O João é muito valente. É uma criança tranquila, cheia de vida, ama uma bagunça, acredito que ele é feliz. Mas, se tem algo que aprendo com ele é que não podemos desistir. E que diagnóstico não é destino.”

Triagem Neonatal
Um exame que tem favorecido o diagnóstico precoce da AME é a Triagem Neonatal, conhecido como ‘Teste do Pezinho’. “A AME é uma doença grave, considerada uma urgência neurológica, já que a degeneração neuronal pode começar ainda no útero da mãe. Essa triagem permite iniciar o tratamento na melhor fase, antes da perda de funções, e isso muda completamente a qualidade de vida da criança”, destaca a neuropediatra e chefe do Ambulatório de AME do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), Juliana Gurgel.
Minas Gerais é o primeiro estado do Brasil a oferecer a triagem neonatal para AME pelo SUS, com cobertura estadual completa. A coleta é feita nos postos de saúde e as amostras de todo o estado são encaminhadas para o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da Faculdade de Medicina da UFMG, com apoio da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. De acordo com Juliana Gurgel, a triagem em Minas começou em janeiro de 2024 e, até julho de 2025, são quase 313 mil amostras coletadas e 26 pacientes diagnosticados com AME. Além de Minas, a triagem neonatal da doença pelo SUS é feita no Distrito Federal e em um estudo piloto na capital de São Paulo.
O paciente Carlos Daniel de Oliveira, nascido em 25 de março de 2024, iniciou tratamento ainda nos primeiros dias de vida, graças ao teste do pezinho feito no HC-UFMG. Desde então, ele vem sendo tratado no Hospital, com medicamento e acompanhamento com uma equipe multidisciplinar a cada três meses, avaliações neurológicas, nutricionais, respiratórias e de desenvolvimento motor e cognitivo. O pai, Vicente Gabriel, de 26 anos, descreve como tem sido o desenvolvimento do filho: “Carlos Daniel é uma criança muito esperta. Ele é muito curioso com as coisas, feliz, brincalhão demais e sempre sorridente. Está sempre conversando com a gente no dia a dia dele”.

Tratamento multidisciplinar garantido pelo SUS
Juliana Gurgel detalha que após o diagnóstico o acompanhamento é realizado por uma equipe multidisciplinar especializada, que inclui fisioterapia motora e respiratória, fonoaudiologia e avaliação neurológica. A primeira consulta costuma avaliar a força muscular, a deglutição, a respiração e iniciar o protocolo para acesso ao medicamento. A partir dos seis meses de idade, os bebês são avaliados pela escala de desenvolvimento infantil “Bayley”, que observa as habilidades motoras, cognitivas e de linguagem. Casos como o de pacientes com AME tipo 1, que têm duas copias do gene SMN2, podem apresentar os primeiros sinais da doença ainda no primeiro mês de vida.
Ara Rubia também lembra que há três medicamentos aprovados no Brasil (Spinraza, Zolgensma e Risdiplam) e garantidos pelo SUS que melhoram a produção da proteína SMN, fundamental para a sobrevivência dos neurônios. “Essas terapias não curam, mas mudam o curso da doença, especialmente quando iniciadas antes dos sintomas”, esclarece a médica.
A fisioterapia pode prevenir complicações respiratórias e motoras nos pacientes com AME. Segundo Alexandre Satoshi, fisioterapeuta do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), o foco é manter a função pulmonar e reduzir o risco de insuficiência respiratória, comum nesses pacientes. São utilizadas intervenções como a limpeza dos brônquios, dispositivos de auxílio à tosse, ventilação não invasiva, aspiração de secreções e monitoramento da oxigenação. O treinamento respiratório também pode ser indicado, contribuindo para a melhoria pulmonar e o planejamento para tirar a ajuda dos aparelhos na respiração, quando possível.
Além do suporte respiratório, a fisioterapia auxilia a manter a função motora, reduzindo os impactos do paciente ficar muito tempo parado. Técnicas como alongamentos passivos, mobilizações articulares e estimulação elétrica neuromuscular ajudam a evitar perda de força: “A fisioterapia hospitalar, especialmente em pacientes com AME, é indispensável para estabilizar a função respiratória, prevenir complicações e promover a recuperação funcional”, ressalta Alexandre. Com intervenção precoce e individualizada é possível reduzir o impacto da internação hospitalar e melhorar a qualidade de vida do paciente.
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por Marília Rêgo, com edição de Danielle Campos
Coordenadoria de Comunicação Social/Ebserh